Euclides de Agrela, de Fortaleza, CE
Há duas perguntas sobre as pesquisas de intenção de voto para presidente da República que não querem calar: 1) por que o fascista Jair Bolsonaro se encontra em segundo lugar, atrás apenas de Lula?; 2) por que ele possui uma enorme simpatia, não somente nos setores mais reacionários das classes médias proprietárias e assalariadas, mas, inclusive, entre uma significativa parcela de trabalhadores pobres e pretos, moradores das favelas e dos bairros periféricos das grandes cidades brasileiras?
As respostas a estas perguntas devem partir de uma constatação tão óbvia, quanto bárbara e alarmante: o Brasil vem registrando os mais elevados índices do mundo de mortes por armas de fogo. Em termos absolutos e relativos, não deixa de ser impressionante o fato de que em 2017 o país contou mais de 60 mil mortes violentas por armas de fogo. A maioria absoluta dessas mortes ocorre, obviamente, nas favelas e bairros periféricos das grandes cidades brasileiras.
Diante desta tragédia humana, a burguesia brasileira, a começar pelo governo Temer, com a intervenção militar no Rio de Janeiro, tomou como tema central da campanha eleitoral de 2018 a questão da segurança pública, cuja política possui dois pilares: 1) um salto na ideologia-programa de “guerra às drogas”, leia-se transformação da guerra social contra os trabalhadores mais explorados e oprimidos, moradores das favelas e bairros periféricos, em guerra militar; 2) o desdobramento dessa ideologia em uma ação concreta através da militarização da sociedade civil, que tem hoje como laboratório o Estado do Rio de Janeiro.
O governo Temer, ao sequestrar a bandeira da intervenção militar da extrema-direita, manipula uma faca de dois gumes: busca ganhar prestígio com essa medida de exceção para aumentar sua popularidade e desviar o foco das crises política, social e econômica; no entanto, ao mesmo tempo, joga água no moinho da extrema-direita e fortalece seu discurso e iniciativas fascistas.
É dever da esquerda socialista não somente responder às perguntas acima, a partir de uma análise séria da situação nacional e da consciência das massas, mas, sobretudo, elaborar uma política e programa que disputem a consciência de milhões de trabalhadores com Temer, Bolsonaro e a extrema-direita contra a proposta de militarização da sociedade civil como eixo ordenador de um programa para a segurança púbica.
Por que a política de intervenção militar tem a simpatia de amplos setores da classe trabalhadora?
É preciso entender porque o discurso fascista, disfarçado de defesa da segurança pública contra a criminalidade, vem ganhando até mesmo muitas trabalhadoras e trabalhadores pobres e pretos das favelas e bairros periféricos das cidades brasileiras.
Não bastassem serem superexplorados, discriminados, oprimidos e tratados como bandidos pelas próprias polícias, as populações das favelas e bairros periféricos carecem de infraestruturas básicas de iluminação pública, saneamento e mobilidade urbana, equipamentos de cultura, esporte e lazer, bem como moram muito distantes de seus locais de trabalho e estudo.
Mas isso não é tudo. São esses moradores das favelas e bairros de periferia as maiores vítimas da guerra suja entre as facções criminosas do narcotráfico e a banda podre da polícia organizada em milícias e grupos de extermínio. Eles, além de serem tratados como bandidos pelas próprias polícias, são assaltados e ameaçados todos os dias pelos pequenos marginais e traficantes de drogas a varejo nas ruas do seu bairro, nas esquinas próximas de casa, dentro dos ônibus, na ida ao trabalho, na volta para casa.
É nas favelas e bairros de periferia aonde o narcotráfico vai corromper e recrutar jovens pobres e pretos sem perspectiva de vida para serem seus “aviões” e “soldados”, utilizados como mão de obra e vida descartáveis, assassinados todos os dias pelo próprio narcotráfico, pelas polícias, pelas milícias e grupos de extermínio.
Exatamente por isso, é aí onde se concentra a maioria absoluta dos casos de mortes por armas de fogo, sendo este o território macabro do extermínio da juventude pobre e preta. É essa insegurança generalizada que possibilita ao fascismo contaminar com seu discurso de ódio a setores importantes da classe trabalhadora, que assistem todos os dias o assassinato de seus filhos por motivos torpes.
O desespero com a insegurança pública torna uma parte significativa da classe trabalhadora presa fácil de um discurso de ódio e da proposta de militarização da sociedade civil, cujo formato atual assume a face da intervenção militar no Rio de Janeiro. Aproveitam-se desse desespero, políticos de extrema-direita vinculados às polícias e às forças armadas, como Jair Bolsonaro, e certos pastores evangélicos que, deixando de lado a mensagem religiosa e pacifista de Jesus Cristo, transformaram-se em porta-vozes dessa mesma extrema-direita que defende uma política de segurança pública militarizada e genocida.
Fazer luta política, programática e ideológica contra a intervenção militar
Para responder a ofensiva militarista da direita e da extrema-direita, a esquerda socialista deve lutar obcecadamente para unificar os setores da classe trabalhadora assalariada que não moram nas favelas e bairros periféricos, porque possuem uma formação educacional superior e recebem salários maiores, com o povo trabalhador pobre e preto em torno de uma política e um programa socialista para a segurança pública.
Sem que os setores mais abastados da classe trabalhadora assalariada corram em auxílio e solidariedade às trabalhadoras e trabalhadores pobres e pretos das favelas e bairros periféricos, a direita e a extrema direita vão continuar aprofundando a fratura dos explorados e oprimidos em torno do tema da segurança pública.
Por isso, a esquerda socialista deve buscar construir uma política e programa capazes de responder a este tema para disputar a consciência da classe trabalhadora em sua totalidade contra a extrema-direita militarista. Abaixo sistematizamos algumas sugestões políticas e programáticas para o debate:
1) Devemos dizer que não há solução mágica para acabar com a criminalidade. Todo discurso fácil e violento de tiro, porrada, bomba, pena de morte e trabalho escravo nos presídios para acabar com a criminalidade é uma grande mentira e não acabará, nem mesmo diminuirá, a criminalidade. Pelo contrário, servirá apenas para legalizar e legitimar as ações criminosas das polícias e dos seus bandidos fardados: as milícias e grupos de extermínio. Exatamente por isso, é necessário desmascarar, em primeiro lugar, as milícias formadas por policiais corruptos. No Rio de Janeiro, as milícias disputam com o Comando Vermelho o posto de principal organização criminosa. O G1 mostrou, na série “Franquia do crime”, que as milícias estão, atualmente, em 11 municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. As áreas de influência desses grupos criminosos somam 348 quilômetros quadrados, o equivalente a um quarto do tamanho da capital. É um conjunto de territórios em que vivem 2 milhões de pessoas que, no dia a dia, são coagidas a usar o transporte, o botijão de gás; a pagar por segurança e pelo sinal de TV; além de consumir água e os alimentos da cesta básica dessas quadrilhas.
2) Só será possível tirar os jovens pobres que moram nas favelas e bairros de periferia das mãos do narcotráfico com políticas públicas que garantam uma educação de qualidade, acesso à cultura, esporte e lazer, bem como através de programas de empregos e remunerações dignas para a juventude.
3) Os pequenos delitos, como furtos e mesmo roubos sem lesões corporais graves e ameaça à vida, devem ser tratados com penas alternativas, geralmente vinculadas a programas educacionais, comunitários e de inclusão no mercado formal de trabalho, que possibilitem uma reeducação humanista e a ressocialização dos delinquentes, sobretudo dos mais jovens e menores de idade.
4) Fundamentalmente, os crimes contra a vida, que gerem lesões corporais graves ou causem morte, sejam eles perpetrados por assaltantes, traficantes, policiais ou motivados por racismo, machismo ou LGBTfobia devem ser investigados exemplarmente e punidos com prisão. Os julgamentos de todos esses crimes devem ser feitos por tribunais civis e juris populares.
5) Defendemos a desmilitarização das polícias, em particular o fim da Polícia Militar, essa excrecência da Ditadura, e a construção de uma polícia civil única formada a partir de princípios humanistas e societários, bem como controlada pelas comunidades, que elegeriam inclusive os delegados com mandatos revogáveis a qualquer momento. Essa polícia teria fundamentalmente funções preventivas e investigativas e não o policiamento ostensivo, desrespeitoso e violento. O grosso de seus recursos financeiros seria focado em inteligência investigativa e equipamentos sofisticados de perícia técnica, reforçando sobremaneira o caráter científico e preventivo do combate à violência urbana.
6) Defendemos o fim da guerra às drogas e a descriminalização de todas as drogas ilegais, cabendo ao Estado o monopólio de sua produção e venda atrelado a um programa de saúde pública de prevenção e cuidado com os dependentes químicos, que passariam a ser tratados como doentes e não mais como criminosos. Essa seria a forma mais eficaz de acabar com o narcotráfico e salvar a vida de dependentes químicos, que na maioria das vezes sofrem de problemas psiquiátricos anteriores à dependência química e estão em situação de rua.
7) O direito à vida deve estar acima da propriedade privada. Por isso, os crimes de corrupção, particularmente aqueles cometidos por políticos, juízes, membros das forças armadas e das polícias, bem como por funcionários públicos de alto e baixo escalão contra o patrimônio, equipamentos e verbas públicas, sobretudo quando atingem áreas sociais essenciais como a saúde, bem como os negócios ilícitos das milícias devem ser tratados como crimes contra a coletividade e a vida. Esses crimes devem ser passíveis de prisão, pagamento de altas multas e indenizações, bem como do confisco de bens e propriedades dos criminosos.
8) Por último, nossa estratégia deve ser o fim do atual sistema carcerário, que não recupera ninguém e, quando não mata o preso, só serve como um internato para (de)formar criminosos em seres mais insanos do que quando entraram na cadeia. No lugar desse sistema carcerário bárbaro, devemos propor centros de recuperação que garantam formação educacional, humana e profissional para todos aqueles que cometam crimes leves, mantendo presos fundamentalmente os que cometerem crimes contra a coletividade e a vida. Mas, mesmo no segundo caso, sobretudo quando se tratar do ex-criminoso pobre e oriundo das fileiras da classe trabalhadora, deve ser garantido no cumprimento da pena o acesso ao estudo e ao trabalho digno. Pois um dos objetivos fundamentais de uma política de segurança pública de caráter socialista é a reeducação e reinserção do ex-criminoso na sociedade como uma pessoa digna, livre, instruída e produtiva para a coletividade.
Essas são apenas algumas sugestões iniciais para o debate no seio da esquerda socialista. Particularmente, acreditamos que a candidatura à presidência da República de Guilherme Boulos e Sônia Guajajara deve se colocar na vanguarda da construção de um programa socialista para a segurança pública em nosso país. Com este breve artigo, nos colocamos a serviço dessa empreitada.
Foto: Tania Rego | Agencia Brasil
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