Editorial 17 de fevereiro
Não se pode banalizar, de nenhum ponto de vista, o significado da intervenção federal no Rio de Janeiro, anunciada ontem pelo governo Temer. É o estágio mais dramático, até aqui, do declínio social e econômico fluminense desde o fim do sonho olímpico. Ao mesmo tempo, parece ter muito a dizer sobre o próprio governo federal e o Brasil pós-golpe.
A imagem patética e figurativa de Pezão, às voltas de Temer e seus ministros quando do anúncio do decreto de intervenção, é ilustrativa. É a visão de um governo estadual decorativo, sem o mínimo brilho próprio diante da ruína da cúpula do PMDB/RJ, moída pela Lava Jato. O saldo da farra rentista e corrupta é conhecido: os atrasos nos salários dos servidores, a crise institucional, a decadência econômica, as batalhas campais em frente a Alerj e o retrocesso sem precedentes nos já precários serviços públicos.
A resignação de um governador que declara ter “perdido o controle da situação” é a senha para que um presidente sem quase nenhum apoio popular lhe retire competências por decreto. A crise de representação da burguesia no Rio de Janeiro é um fator sem o qual não se compreende a mais recente medida de exceção do governo federal.
Tampouco é possível dissociar a intervenção federal no Rio da ofensiva que a classe dominante vem impondo, desde o golpe parlamentar, contra direitos históricos da classe trabalhadora. O aumento da repressão é funcional à agenda de contrarreformas que exigem retirar direitos do povo trabalhador, particularmente dos mais pobres.
Com o aparente empantanamento da reforma da previdência no Congresso, a ideia de um governo sem legitimidade e com quase nenhuma popularidade, conduzindo até o fim um retrocesso brutal de conquistas sociais, parece ter encontrado um limite. Mas Temer não entregará a guerra contra os direitos e a previdência pública. Precisando se reposicionar e recompor sua base parlamentar, parece buscar, com a intervenção, um aceno que o reconecte com as classes médias mais radicalizadas com a crise – um setor social que deu sustentação ao impeachment, mas que tampouco tem oferecido apoio ativo ao governo, no último período.
Finalmente, não se entende a intervenção federal no Rio sem a situar no rol de transformações regressivas no regime político brasileiro, que ganharam impulso no último período. O Brasil do golpe parlamentar, das medidas arbitrárias da Laja Jato, da condenação casuística de Lula com vistas às eleições presidenciais e da crescente iniciativa política do Poder Judiciário tem agora, por decreto de um governo não eleito, um militar interventor no comando das forças de segurança fluminenses.
É certo que outros governos, incluindo os do PT, se valeram, a seu momento, de medidas bonapartistas sob o pretexto da segurança pública. Mas é um equívoco pensar que a inusual invocação por Temer do artigo 34 da Constituição é somente uma novidade do ponto de vista da forma jurídica. Trata-se, isso sim, de medida de maior extensão e gravidade, já que implica não apenas no uso da força militar mas também na transferência de poder de governo às Forças Armadas.
Temos insistido que, frente ao completo descrédito do governo estadual, a única saída democrática possível passaria pela convocação imediata de novas eleições diretas. Pezão, não é de hoje, não tem a mínima condição de seguir governando. Mas quem governa e com qual programa governa, quer seja “apenas” a segurança pública ou o estado como um todo, caberia ao povo decidir – e não a um general.
Forjar massa crítica à intervenção, que transborde os círculos de vanguarda, é um enorme desafio para toda a esquerda – em um momento em que a crise econômica e social ampliam a percepção do povo em geral com relação à violência urbana. É hora de dar uma batalha política contra essa política reacionária, demonstrando que a intervenção militar não vai trazer nenhuma solução para a violência e só vai aumentar sofrimento para o povo pobre, trabalhador e negro nas comunidades e periferias do Rio. O PSOL é, hoje, a principal força de oposição de esquerda no Rio e, por isso, tem grande responsabilidade. Mas é preciso que todo o movimento social se una em torno a essa causa.
Somente a esquerda mobilizada pode batalhar por um programa que ataque a fundo o crime organizado e a violência urbana – que vá além da demagogia da direita, que há anos implementa distintas medidas de repressão com resultados catastróficos. Nada menos que a descriminalização das drogas poderá impactar os verdadeiros chefes do tráfico, suas conexões com o capital financeiro e com políticos de todos os escalões. Não haverá paz em nenhuma metrópole brasileira sem atacar a desigualdade social, com investimentos de emergência nos serviços públicos e na geração de empregos de qualidade.
Nesse sentido, é redobrada a importância da mobilização unificada convocada para o dia 19. Além de não dar trégua ao governo na luta contra a reforma da previdência, será a primeira oportunidade de levar o repúdio à intervenção federal às ruas, no Rio e em todo o país. É aí que a esquerda poderá apresentar um programa de combate efetivo à violência urbana e suas causas estruturais e por uma saída democrática para a crise do Rio e do país.
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