Por Gibran Ramos, do Rio de Janeiro, RJ
O governo Dilma foi uma Frente Popular, uma aliança de partidos reformistas, de base operária e popular com partidos da burguesia clássica, como PMDB, PP e outros. A partir do século 20, esses governos surgem em um momento de ascenso da luta de classes, ou para impedir um ascenso, como uma concessão política da burguesia para conter o movimento de massas. Este tipo de governo aplica medidas que favorece os interesses da classe dominante, mas gera muitas ilusões entre os trabalhadores, principalmente, porque as principais direções do movimento de massas apoiam esse tipo de governo, amortecendo a ira dos trabalhadores. “Não lutem, esse governo é nosso amigo, basta negociar e ter paciência. Radicalismo não leva a nada!”. Quantas vezes já não ouvimos isso de dirigentes cutistas para evitar greves contra Dilma ou Lula?
Acontece que, em momentos de crise econômica como vivemos ou de tensão maior da luta de classes, os governos de conciliação de classes entram em crise. Pois, esse governo será pressionado pela burguesia para aplicar ajustes, ao mesmo tempo em que será pressionado pelos trabalhadores por mais direitos. Ao trair os trabalhadores, começa a perder base social. E, ao não ir tão fundo com os ajustes, provoca a ira dos senhores do capital. Assim, a situação política do país se acirra. Para resolver a questão, tendo oportunidade, a burguesia se unifica e lança mão dos artifícios existentes para tirar tal governo do caminho e retomar diretamente o poder em suas mãos. Seja com apoio popular geral ou com apoio de parte expressiva da sociedade, como por exemplo a classe média.
Um golpe por dentro da democracia dos ricos
No caso do impeachment da Dilma, a classe média foi determinante. Foram milhões nas ruas, mas com manifestações de conteúdo profundamente reacionário e conservador. A grande mídia impulsionou as manifestações da classe média, fortalecendo o apoio político para o congresso nacional operar o impeachment.
No Brasil, a derrubada do governo de frente popular não precisou de intervenção militar. A sofisticação da influência dos grandes monopólios nas estruturas de poder do país deu a condição para os senhores do capital rearranjar a composição das forças políticas e manobrar o poder a seu favor por dentro das regras da própria democracia burguesa. Centenas de deputados, senadores, ministros, juízes, governadores, prefeitos, militares com relações íntimas com milícias e todo tipo de poder paralelo, os grandes canais de comunicação, as grandes igrejas, estão todos sob uma forte rede ligada à sócios do sistema financeiro, das megaempresas, das Holdings e dos grandes monopólios internacionais. Eis nossa condição de semicolônia.
PT cavou sua própria cova
O PT aplicou a utopia reformista. Quis modificar essa dura realidade do povo brasileiro por dentro do sistema capitalista. Mas quem mudou? Não foi o estado brasileiro e suas prioridades. Quem mudou foi o próprio PT. Este partido se degenerou e se adaptou à ordem. E foi descartado quando não cumpria mais o seu papel para a burguesia.
Os grandes monopólios financiaram as candidaturas do PT, bancos e empreiteiras encheram os cofres petistas, enriqueceram seus dirigentes de forma legal e ilegal, para que o PT fosse fiel à sua tarefa: domesticar os trabalhadores, oferecendo migalhas, e aplicar uma política econômica amplamente vantajosa para quem já ganha muito dinheiro nesse país. Depois de uma década no poder, já desgastado e sem condições políticas de dirigir o país diante da crise econômica, a burguesia descartou o PT sem dó e nem piedade. Para os ricos e poderosos, a fila anda.
Apatia da imensa maioria dos trabalhadores
Infelizmente, não foram milhões de trabalhadores nas ruas, reivindicando reformas populares, que derrubaram o governo Dilma. Nesta quarta-feira, quando o senado votou o impeachment, a classe trabalhadora ficou indiferente e tocou a vida como mais um dia normal. Nem comemorou, nem mesmo está triste.
O que quer dizer essa indiferença e apatia diante de tal processo? É preciso estudar, mas duas conclusões são possíveis chegar de imediato: Dilma e o PT não são mais esperanças para os trabalhadores, e Michel Temer também não empolga ninguém.
Os grandes batalhões da classe trabalhadora irão se levantar em breve contra as medidas de ajuste? A classe está desmoralizada e neutralizada ao ponto de não acreditar em suas próprias forças para intervir decisivamente nas mudanças políticas do país? Não é possível responder essas perguntas com absoluta certeza, mas é possível intervir no processo para que essa indiferença possa se transformar em disposição de luta.
Golpe Militar X Golpe Parlamentar
Salvador Allende no Chile e João Goulart no Brasil foram governos derrubados por golpes militares sangrentos que tinham o objetivo de liquidar qualquer sombra de possibilidade dos trabalhadores conquistarem mais concessões. Era um período histórico no qual a burguesia estava traumatizada com as consequências da Revolução Russa e com a possibilidade de descontrole da guerra fria, afinal um terço do mundo tinha sido expropriado e a ordem era não perder mais nada, principalmente a América Latina. Cuba tinha acabado de se tornar um fantasma para a burguesia latino-americana.
Em pleno seculo XXI, há mais de 30 anos do fim dos estados operários, ainda que burocratizados, e após a restauração do capitalismo na China e em Cuba, o imperialismo não tem como adversário outro poder mundial organizado e centralizado que poderia gerar qualquer tipo de ameaça ao seu domínio. Qual a necessidade de golpe militar sangrento no Brasil para afastar governos e abrir novos processos políticos mais favoráveis à burguesia?
Golpes militares não estão descartados pelo imperialismo, mas hoje é possível afastar presidentes somente com os mecanismos sofisticados existentes nas estruturas de decisão da democracia burguesa, controlada efetivamente pelos grandes monopólios através do poder econômico. Foi assim com Dilma no Brasil e foi também assim com Lugo no Paraguai recentemente. Tirar do caminho o governo de Frente Popular, através do mecanismo do Impeachment, para retomar diretamente o poder têm também um objetivo consciente: reaver toda e qualquer concessão dos últimos 30 anos, desde a redemocratização, modificando inclusive todo o aparato jurídico legislativo constitucional.
Lições da queda do Governo do PT
Esse processo histórico é mais uma lição para esquerda mundial. Todos os governos de conciliação de classes da história acabaram mal. Até hoje, a teoria que é possível humanizar o capitalismo através de reformas nos marcos do regime democrático vigente não se confirmou. A burguesia nunca permitirá uma revolução e fará golpes militares e guerra civil se for preciso para isso, jamais aceitaram ou aceitarão perder seus privilégios. Já as reformas progressivas a burguesia só aceitou em momentos muitos especiais e raros da história, quando a correlação de forças era mais favorável aos trabalhadores. No atual momento histórico , os grandes monopólios para ganharem mais fôlego, diante da crise econômica mundial, querem recolonizar os países da América Latina. Com controle total de suas estruturas de decisão, na qual sufocam toda e qualquer possibilidade de ruptura institucional, as reformas progressivas e até mesmo mínimas concessões, como as políticas sociais compensatórias, estão ameaçadas.
A magnitude do poder dominante hoje no país se choca com a rebeldia das ruas que resiste bravamente mesmo com correlação de forças desfavorável para os trabalhadores. Resiste mesmo confusa por conta das traições do PT. Que luta mesmo com a esquerda fragmentada.
Sectarismo, oportunismo e os desafios da esquerda
O sectarismo e o oportunismo das organizações de esquerda são nesse momento grandes obstáculos para construir uma unidade consistente para superar a correlação de forças desfavorável.
Os sectários se recusam a fazer unidade de ação e frente única para lutar, confundem desejo com realidade, não percebem a correlação de forças mais favorável para a burguesia e propõem tarefas para a classe que ela não consegue cumprir. Muitas vezes, não conseguem nem mesmo compreender o nível de consciência das massas, se autoproclamam os heróis da classe trabalhadora e colocam um sinal de igualdade entre os governos de frente popular e governos burgueses clássicos. Tal política é um desastre, pois acentua a divisão entre as forças de esquerda impossibilitando, muitas vezes a construção de uma simples unidade de ação para derrotar uma medida especifica dos governos de plantão. Tal postura, em última instância, ajuda a facilitar a dispersão das forças de esquerda fortalecendo o trabalho da direita. Neste sentido, o sectarismo é tão nocivo quanto o oportunismo.
O oportunismo, por sua vez, é a principal doença da esquerda e o que mais causou estrago nos últimos anos. A ilusão de que é possível mudar o país em aliança com a direita e setores da burguesia tem levado a classe trabalhadora a profundas derrotas. Esta lição, o PT e o PcdoB não aprendem mesmo. Depois de passar pelo o que estão passando, mantêm em mais de mil municípios alianças com aqueles que o próprio PT e PC do B denunciam de golpistas.
Se a esquerda, que se reorganiza após a falência do projeto petista, não compreender que não podemos repetir os erros do passado, não será possível mudar o país a favor do povo trabalhador. É preciso reconstruir a esquerda em outras bases, com outro programa. Com uma estratégia consciente de transformar radicalmente a sociedade, rumo à revolução socialista. E, que diferente das experiências que se burocratizaram no século 20, que divida o pão e institua a democracia verdadeiramente direta.
Comentários