Por: Pedro Silveira, do Rio de Janeiro, RJ
Kendrick Lamar ostenta hoje, sem grande controvérsia, o status de maior cantor de rap da atualidade e um dos maiores da história, com apenas três álbuns de estúdio. Com a ajuda de uma excelente produção musical, Kendrick Lamar, combinando seu flow (rimas) hipnotizante à relevância social de suas letras, é um porta-voz da indignação da juventude negra estadunidense e mundial na luta contra seu genocídio. To Pimp a Buttlerfly, lançado por Kendrick em 2015, e considerado pela maioria da crítica musical norte americana como o melhor álbum do ano nos EUA, vencedor da 58ª edição do Grammy Awards, é o mais denso reflexo artístico do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam).
Nascido em Compton, bairro periférico de Los Angeles, Kendrick reflete a pressão exercida pelo dinheiro e a fama em suas atitudes, sua ascensão social e o seu passado de pequenos crimes. Um passado que é realidade de uma geração inteira de jovens negros empurrados à margem do sistema. Com sua metralhadora giratória de referências, neste álbum, Kendrick adquire várias formas: Kendrick é Kunta Kinte, Solomon Northup, jovens negros sequestrados e escravizados. Kendrick planta o algodão que enriqueceu a América. Kendrick quer ser amado como Nelson Mandela. Kendrick sonha em virar presidente pra conseguir pagar o aluguel da mãe e libertar seus amigos. Na música Hood Politics, em referência aos Partidos Democrata e Republicano e aos Crips e os Bloods, gangues rivais da cidade de Los Angeles, Kendrick denuncia os congressistas dos Estados Unidos. Na música, eles não passam de “Demo-Crips” e “Re-Blood-licans”, verdadeiras gangues do colarinho branco que empurram, com a falta de oportunidades, a juventude negra à criminalidade para depois reprimi-la e exterminá-la.
No entanto, é em The Blacker The Berry, na qual o título-refrão lembra que, quanto mais negra a fruta, mais doce é o suco, que Kendrick Lamar nos brinda com um dos maiores hinos de ódio ao racismo da história. Nesta faixa do álbum, Kendrick bate no peito e diz: sou afroamericano, sou africano. Brada furiosamente contra a elite racista. Traduzida em português, “Você me odeia, não é mesmo?/Você odeia o meu povo, o seu plano é exterminar a minha cultura”, “Você sabotou minha comunidade fazendo uma matança, você fez de mim um assassino”. Essa trama, parafraseando o próprio Kendrick, é maior do que ele mesmo, é ódio geracional, é genocídio.
Kendrick Lamar, certamente, longe de estar alheio à tomada de consciência coletiva relacionada ao movimento Black Lives Matter, ataca com seus versos indignados as bases da sociedade estadunidense racista em um constante processo de desalienação de sua condição de oprimido. No final da última faixa, na música Mortal Man, o álbum surpreende com um diálogo entre Kendrick e a lenda do rap Tupac Shakur, assassinado em 1996. Nessa surreal entrevista, Kendrick fecha o álbum revelando a Tupac a metáfora por trás da borboleta (Butterfly) que dá nome ao álbum. Traduzido em português, “O resultado? Asas começam a emergir/ Quebrando o ciclo de estagnação sentido/ Finalmente livre, a borboleta joga luz em situações que a lagarta nunca considerou, terminando a luta interna/ Ainda que a borboleta e o lagarto sejam completamente diferentes, eles são um só e o mesmo.”
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