Por Luísa Medeiros Brito*, de Natal
A violência contra a mulher é um problema que possui dados alarmantes em nosso país. Estima-se que, no Brasil, cinco mulheres são agredidas a cada dois minutos, sendo o parceiro (marido, namorado ou ex), responsável por até 80% dos casos apontados. A situação de violência doméstica e familiar que as mulheres enfrentam é, muitas vezes, negligenciada pela sociedade em razão das categorias históricas e culturais que alimentam desigualdades entre homens e mulheres e patrocinam o silenciamento e conivência com estes crimes.
Todavia, pressionado pelos grupos de defesa dos direitos humanos, principalmente dos grupos feministas, o Estado se viu obrigado a interferir de forma direta na coibição e punição da violência de gênero contra a mulher. A Lei 11.340/2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, criminaliza e dá um passo para o rompimento da tradição naturalizadora dessa violência.Transcorridos onze anos da promulgação da Lei, a sociedade ainda tem uma série de desconfianças acerca da sua real efetividade.
Ganha força a ideia de que o êxito da Maria da Penha está ameaçado pelas inúmeras falhas em sua aplicação. Ainda há, perante a sociedade, uma grande desconfiança acerca da real efetividade desta lei, tendo em vista que os números de violência contra a mulher são alarmantes em nosso país. Desde sua promulgação, em 2006, até o ano de 2013, houve um aumento de 600% nas denúncias de abuso doméstico e familiar contra a mulher.
Todavia, é justamente nesse processo de denúncia e suas consequências que ainda residem alguns dos principais obstáculos na efetivação da Lei.Setores que atuam diretamente na área da violência doméstica e familiar contra a mulher, apontam uma série de problemas como por exemplo, o escasso número de serviços para o atendimento das mulheres em situação de violência, a ausência de responsabilização dos agressores ou a falta de compromisso de governos para a articulação das redes intersetoriais.
Além disso, os poucos recursos humanos e a falta de especialização dos profissionais contribuem para a permanência de atendimentos discriminatórios e prejudiciais às mulheres. Assim, no final do ano de 2017 foram aprovadas algumas alterações na Lei, visando aprimorar o atendimento dado às mulheres em situação de violência doméstica e familiar de modo a garantir o atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores – preferencialmente do sexo feminino – previamente capacitados.
A mudança também prevê que os Estados e o Distrito Federal, na formulação de suas políticas e planos de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, darão prioridade, no âmbito da Polícia Civil, à criação de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deams), de Núcleos Investigativos de Feminicídio e de equipes especializadas para o atendimento e a investigação das violências graves contra a mulher.Após onze anos de vigência dessa legislação, tem-se observado que ainda há múltiplas resistências para sua aplicação de forma efetiva.
Vários problemas se destacam: o quase inexistente número de serviços para o atendimento das mulheres ou a ausência de responsabilização dos agressores, a falta de compromisso de governos para a articulação das redes intersetoriais, ou, ainda, os escassos recursos humanos e a falta de especialização dos profissionais que contribuem para a permanência de atendimentos discriminatórios e prejudiciais às mulheres.
Essas circunstâncias dificultam o acesso à justiça para as mulheres que acabam, muitas vezes, tendo apenas uma manifestação formal por parte do Estado, saindo com “um boletim de ocorrência em uma das mãos e uma medida de proteção na outra”, sem que, realmente haja políticas públicas que ofereçam real proteção e condições dessas pessoas romperem com a situação de violência a que são submetidas, como diz Wânia Pasinato.
Por isso, devemos atentar para a qualidade do atendimento dado às mulheres em situação de violência para não incorrermos no erro de montar uma estrutura voltada para a satisfação de requisitos formais, mas que na prática não atendem aos anseios dessas pessoas, do contrário representam mais uma forma de negação da dignidade delas.Ignorando todo esse cenário, o juiz Gilvan Macêdo dos Santos do Tribunal de Justiça de Pernambuco, lançou o livro “A Discriminação do Gênero-Homem no Brasil em Face à Lei Maria da Penha: proposta para a solução do cenário de inconstitucionalidades e injustiças contra o homem advindas da Lei Maria da Penha”, onde afirma que a Lei é inconstitucional por ser rigorosa com os homens e protetiva para as mulheres, não havendo, portanto, igualdade.
Esse livro representa um grande retrocesso, tendo em vista que as consequências das agressões oriundas de violência doméstica contra a mulher não se limitam à pessoa da ofendida, do contrário, atingem toda a estrutura familiar, principalmente as crianças, que tenderão a reproduzir o comportamento vivenciado em seus lares.Isto é um problema que dificulta a concretização do pleno potencial de trajetórias pessoais, causa prejuízos a famílias inteiras e, assim, limita gravemente o desenvolvimento integral da sociedade.
Acreditamos que as diferenças de gênero são imposições sociais, sendo estas, terreiro fértil para as ocorrências de violência doméstica, pois, desde muito tempo, há uma divisão dos papeis na sociedade de acordo com o gênero, cabendo aos homens as tarefas que envolvem força e protagonismo social, já às mulheres, restam as atividades domésticas e os demais papeis de dependência e subordinação. Assim, resta inadmissível falar em inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha, pois a violência doméstica é um problema decorrente do sistema patriarcal que envolve toda a estrutura social em que vivemos, não se limitando ao requisito formal de “isonomia jurídica”. O ano é novo, mas os desafios que enfrentamos na concretização da Lei Maria da Penha são velhos conhecidos, infelizmente.
* Luísa Medeiros Brito é advogada e mestranda em Ciências Sociais pela UFRN
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