Por Miranda e João Zafalão, de São Paulo/SP
No último dia 15 de novembro, o MAIS (Movimento por uma Alternativa Independente e Socialista) da capital paulistana e o M-LPS (Movimento Luta Pelo Socialismo), correntes políticas do PSOL que intervêm na luta de classes e na juventude, realizaram uma importante atividade, cujo objetivo era debater e compartilhar informações sobre a situação política na Venezuela.
A atividade aconteceu no auditório da Casa do Professor no centro de São Paulo. Em pleno feriado, participaram em torno de 50 pessoas, dentre eles, dirigentes sindicais, jovens e veteranos militantes. A mesa da atividade foi composta por: Paula Pascarelli, professora, dirigindo os trabalhos e José Carlos Miranda como mediador, além dos palestrantes Paulo Aguena do MAIS, Wanderci Bueno do M-LPS e Ciro Aquino, um veterano militante trotskista venezuelano residente no Brasil.
O título da atividade – “Venezuela: revolução e contrarrevolução qual o combate dos revolucionários? – é uma alusão ao momento vivido no país. A situação de radical polarização social entre o setor operário e popular, por um lado, e a burguesia e a classe média, por outro, tem levado a um confronto que já dura anos, sem uma definição, com o acirramento das contradições locais cada vez maior. Os primeiros, por instinto de classe, compreendem que embora o governo Maduro vacile e paralise o processo a meio caminho, sem expropriar a propriedade privada dos meios de produção e o sistema bancário e financeiro, etc., a direita, por sua vez, não constitui uma alternativa real, porque está comprometida com seus próprios interesses de explorar o povo venezuelano, sabendo que para isso deve permanecer lacaia do imperialismo.
Debater a situação venezuelana e seus rumos é muito importante, pois os acontecimentos no país serão um definidor da tendência dos próximos anos da política na América Latina e, sem dúvida, também no Brasil.
A violenta guerra econômica aprofundada pelo imperialismo, para provocar a situação de “default” da Venezuela depois do fracasso das “guarimbas” (bloqueio de avenidas) é a atual tática imediata da contrarrevolução, uma vez que a direita organizada em torno da MUD não conseguiu galvanizar um setor do movimento operário e popular para impor seus planos pela via da derrubada do governo.
O conjunto de experiências recentes, ainda muito vivas para todo trabalhador venezuelano, indica que eles não aceitarão simplesmente entregar todas as conquistas arrancadas no curso do processo revolucionário venezuelano, apesar do papel jogado pelo governo e a burocracia de impedir a consolidação e o avanço dessas conquistas, coisa que só pode ser garantida com a real tomada revolucionária do poder pelo movimento operário e popular.
Pela importância que o petróleo segue tendo na economia mundial e do papel geopolítico que por isso termina cumprindo a Venezuela, embora pouco provável neste momento, não se pode descartar que diante do acirramento da crise e das contradições da situação mundial e no próprio país venha a ocorrer uma intervenção militar do imperialismo. Senão de forma direta, pela via de procuração, ou seja, através de seus representantes mais reacionários no continente, especialmente dos países vizinhos como a Colômbia, tendo como retaguarda tropas brasileiras estacionadas na fronteira com a Amazônia. Um quadro como esse possivelmente se combinaria com uma guerra civil, o que teria trágicas e dramáticas consequências para a Venezuela, incidindo no conjunto da situação da América Latina.
Uma profunda discussão
O debate se iniciou com uma excelente introdução do camarada Ciro apresentando um panorama histórico desde o Século 18 até o “Caracazo”, em 1989. A apresentação foi enriquecida com a apresentação de imagens. Alguns dos principais pontos relatados foram: a formação das camadas sociais, ainda quando a Venezuela era uma colônia espanhola; a constituição das oligarquias enquanto fatores decisivos nas guerras de independência e na guerra federal; o papel de Simon Bolívar e Francisco de Miranda, entre outros, na formação da nação venezuelana; a descoberta do petróleo e a subordinação ao imperialismo; a nacionalização do petróleo; a primeira greve petroleira, a constituição das organizações operárias e os partidos burgueses; os golpes e contragolpes e o pacto do “Punto fijo”; o primeiro governo de Andrés Perez, governo populista e com fortes políticas públicas.
Ciro encerrou sua intervenção explicando o “Caracazo” como uma rebelião ocorrida em 1989 provocada pelo anúncio de um pacote econômico de ajustes neoliberal – cortes drásticos nos gastos públicos e brutal aumento dos preços, em especial da gasolina e dos transportes – no segundo governo de Andrés Perez, subordinando completamente o país ao imperialismo.
A segunda exposição foi realizada pelo camarada Wanderci que, por ter vivido e militado naquele país durante 3 anos, de 2005 até o final de 2007, pôde acompanhar o desenvolvimento do nível de consciência da classe operária, sua coragem e disposição de luta, particularmente o vigoroso movimento de tomada de fábricas. Isso permitiu entender o significado e as repercussões da tomada revolucionária da PDVSA, em 2002-2003, por mais de um mês, pelos operários que enfrentaram uma nova tentativa golpistas, agora encabeçados pela alta administração da empresa.
Wanderci relatou que foi nesse período que Chávez chegou a orientar os trabalhadores a tomarem as fábricas e as colocarem sob o controle deles mesmos. Isso terminou por fortalecer tremendamente as mútuas relações de confiança entre as massas e o presidente Chávez.
Explicou também que foi naquele período que os trabalhadores realizaram centenas de debates e encontros pela fundação de sua central sindical e se iniciou a discussão da necessidade de um novo partido, um partido socialista. Chávez, por esta época, passadas as experiências golpistas de 2002-2003 encabeçadas pela burguesia, inclusive apoiada por um setor do seu próprio governo e da cúpula das Forças Armadas, introduz no vocabulário bolivariano a palavra socialismo. A construção de um novo partido é uma mudança, já que até então sua sustentação era em base a um agrupamento denominado Movimento V República (MVR). Os trabalhadores das fábricas, nos bairros e no campo, a juventude, os camponeses pobres se agitaram com o chamado ao novo partido.
Wanderci que estava na Venezuela como trabalhador da fábrica ocupada no Brasil, a CIPLA, intervém junto aos trabalhadores e dirigentes sindicais da fábrica Sanitários Maracay e ajudou ativamente na sua ocupação. Interveio também na Frente Revolucionária de Trabalhadores das Fábricas Ocupadas e em Cogestão (FRETECO), propondo que os trabalhadores rompessem com a posição defendida até então pela direção de aceitar as cooperativas em parceria com o governo. Isso acaba ocorrendo em um Congresso realizado em Caracas, quando então é aprovado o chamado pelo controle operário. Como consequência, os trabalhadores da INVEVAL (Indústria Venezuelana de Válvulas) devolveram ao Estado os 48% das ações que o governo lhes dera, mantendo o controle acionário com os restantes 52% das ações. Esse combate ao caráter tripartite e à cogestão contra a burocracia que sabotava as fábricas ocupadas, repercutiu diretamente no combate de fundação do PSUV. Um grupo de trabalhadores, inclusive da fábrica de camisetas Gotcha, lançaram um Manifesto por um PSUV sem patrões e sem burocratas, em defesa da ocupação de todos os meios de produção, colocando-os sob controle operário. Isso provocou um choque com a própria burocracia que já estava se acoplando ao nascedouro do novo partido.
O último palestrante, Paulo Aguena, do MAIS, fez uma relação das lutas do povo, a dependência total da economia do Petróleo e uma breve história a partir do Caracazo e a ascensão de Chávez após a falência dos partidos políticos tradicionais, incluindo a guerrilha. Relatou as conquistas do movimento operário e popular sob a chamada revolução Bolivariana, bem como o papel fundamental da classe operária e do proletariado em todos os momentos decisivos da luta de classes desde a derrota do golpe em 13 de abril 2002. Apesar do PSUV e do governo, este processo ainda está vivo e não foi derrotado. Relatou com detalhes as últimas batalhas, a saber, o papel das “guarimbas” organizado pela direita; a convocatória, as eleições e a instalação da Assembleia Nacional Constituinte; e, por fim, a vitória do PSUV nas últimas eleições regionais.
A riqueza de detalhes da explanação foi fundamental para a compreensão da realidade objetiva desse processo dinâmico que ainda se desenvolve e que tanto nos diz respeito, quer pela proximidade geográfica da Venezuela, quer pelo papel político e geopolítico que o país desempenhou na passagem do século XX ao XXI.
Ao final das explanações, dez participantes intervieram e, em sua maioria, com perguntas e esclarecimentos que tocavam nas questões centrais: “Como defender a revolução bolivariana contra a intervenção imperialista?”; “O que acontece na Venezuela é uma revolução?” ou ainda “A Revolução foi derrotada?” etc.
Campanha em defesa da revolução e do povo venezuelano
Nas considerações finais, tanto Wanderci quanto Paulo Aguena expressaram um grande acordo quanto à importância da atividade e da necessidade da mais ampla frente em defesa das conquistas e direitos da revolução contra a direita e o imperialismo. Colocou-se também a necessidade da construção de uma frente revolucionária que lute pela revolução e pelo socialismo na Venezuela.
Trata-se, portanto, de um debate que não se encerra nesta atividade. Ao contrário, de forma singela e com toda a camaradagem, ela é mais uma contribuição para que a vanguarda e a militância tenham o máximo de elementos para formar uma opinião sobre esta importante questão.
Por fim, foi proposto pelo camarada Wanderci a realização de uma nova atividade, reunindo pela via da frente única o maior número de organizações operárias, inclusive com apelo internacional. A proposta foi de realizar esta atividade em abril de 2018 com o mote “Todo 11, tem seu 13”, uma alusão a tentativa do Golpe em 2002, iniciado em 11 de abril, derrotada pelas massas após 48 horas, em 13 de abril. Trata-se de uma atividade em defesa da Venezuela e da luta revolucionária de seu povo.
Os organizadores da atividade ficaram de analisar em suas respectivas organizações quais os melhores meios para construir tal atividade e envolver o mais amplo espectro de organizações operárias e movimentos sociais.
João Zafalão (MAIS) e Miranda (M-LPS)
Novembro/017- Centenário da Revolução Russa e da Primeira Grande Greve Geral Brasileira.
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