Por: Kely de Castro, militante do MAIS, atriz da Cia Animalenda, companhia atuante no Movimento Teatral da Baixada Santista. Com colaboração de Leandro Olimpio, jornalista, militante do MAIS
As redes sociais foram tomadas, na noite do último domingo (24), por uma intensa polêmica na Baixada Santista: a postagem machista do secretário de Cultura de Santos, Fábio Nunes (PSB), o Fabião, em sua conta no Instragram – rede social de compartilhamento de fotos e vídeos.
Enquanto descansava entre um show e outro do Rock in Rio, na capital carioca, o secretário resolveu registrar escondido as nádegas de uma mulher com a legenda: “Rock’n Rio por outro ângulo… intervalo dos show, deitar na grama sintética! Relax”. Com razão, a postagem do secretário – que já foi vereador e leciona em cursinhos vestibulares – gerou enorme indignação. Diante da ampla repercussão negativa, Fabião se viu forçado a responder às críticas.
Conhecido por seu estilo “descolado” e ter grande entrada entre o público jovem, Fabião apelou à “liberdade de expressão”, insinuando uma possível censura ao seu comentário. Alguns dos seus seguidores, ainda presos ao século passado, optaram por apoiar a vergonhosa postagem sem qualquer eufemismo. Numa postura tipicamente machista, chamaram as feministas de “mal-amadas”, “mal-resolvidas” e outros xingamentos que nós, mulheres que lutamos por direitos, conhecemos muito bem.
Em toda sua tentativa errática de se desculpar, Fabião esqueceu que não há espaço para uma suposta liberdade de expressão para o machismo. Mesmo que se trate de uma “simples piada inofensiva”. Nós, mulheres, ao vermos uma de nós sendo exposta nos colocamos no lugar. Nenhuma mulher quer ver seu corpo exposto sem autorização. É uma afronta que o secretário se aproprie de um valor tão caro a nós, “as liberdades individuais”, para ofender as mulheres impunemente. Aliás, seria importante Fabião notar que sua postura vai contra justamente uma liberdade que carrega em si uma das bandeiras mais antigas do feminismo: “meu corpo, minhas regras”. Em pleno século 21, seguimos privadas do direito de ir a um show de short jeans sem que isso se transforme em assédio. Fabião, enquanto um “libertário”, como ele próprio se define, certamente sabe disso e deveria considerar essa realidade em sua conduta social, principalmente por ser um representante público que deve satisfações aos santistas.
Percebendo que a polêmica já tinha tomado grandes proporções, o secretário procurou outra maneira de encerrar o assunto. Após a foto ser apagada na postagem original do Instagram, publicou um pedido de desculpas “humilde”. No texto, insiste na defesa do direito de expressão e diz que “em hipótese alguma, visou ridicularizar a figura da mulher”. Ou seja, o problema segue sendo nós, que interpretamos de maneira equivocada, e não ele, que teve uma postura machista. Nos dias seguintes, além de não ser abafado, o caso se alastrou na imprensa nacional. Da Istoé ao portal do G1, com direito a reportagem até mesmo no site da revista Veja, a postagem virou notícia. Com isso, Fabião decidiu tomar uma nova decisão: pedir ao prefeito da Cidade afastamento temporário, saindo provisoriamente de cena.
O afastamento
Sem a reação das mulheres e homens que lutam contra a cultura do machismo, Fabião não pediria afastamento. Seguiria sua vida pública sem maiores consequências e nem mesmo um pedido de desculpas formal seria forçado a publicar. Portanto, não há dúvidas de que a sua decisão é fruto do amplo rechaço à sua postagem. Mas é importante refletirmos como Fábião saiu de cena.
Como relatamos acima, o afastamento não foi uma punição do prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa (PSDB). Em uma nota curta, que visa diminuir os efeitos colaterais deste caso, a Prefeitura informou que repreendeu a postura de Fabião, considerando a postagem inadequada e reprovável. Na mesma nota, a Prefeitura relata que o secretário estaria “profundamente abatido com a repercussão do ato” e que, por isso, “solicitou afastamento temporário do Governo, servindo-se do período de férias a que tem direito, para, assim, poder se defender e superar este momento”.
Em outras palavras, Fabião não se afasta para refletir sobre a postura machista que teve, mas sim para se defender. Essa postura, de quem se protege de censores, não ajuda o secretário a refletir sobre o erro que cometeu. Pelo contrário, o coloca num papel de vítima que não pertence a ele, mas sim à mulher fotografada sem autorização de forma ofensiva, como se fosse um objeto.
Além disso, fica evidente que Fabião tenta se esquivar do constrangimento público que certamente enfrentaria nos espaços de cultura. Parte considerável das críticas a ele partiu justamente de ativistas culturais da cidade. Fatalmente, Fabião teria que se desculpar não virtualmente, mas pessoalmente com todas as mulheres que se sentiram ofendidas com sua postagem. Certamente, seria constrangedor. Mas, a partir das críticas e apontamentos, seria uma boa oportunidade para sair deste caso aprendendo algumas lições importantes. E, quem sabe, aí sim publicar um pedido de desculpas honesto. Adotando o caminho inverso, preferiu fugir pela porta dos fundos. Em relação a este ponto específico, não é demais lembrar: infelizmente, não é concedido às mulheres trabalhadoras o direito de se afastar do trabalho quando são assediadas e constrangidas, seja na rua, seja no local de trabalho. Não há, por parte dos patrões, sensibilidade à altura do sofrimento diário que sentimos na pele.
Para as mulheres do Movimento Teatral da Baixada Santista e de outros movimentos que lutam pela cultura em Santos, essa foi a gota d’água. Várias companheiras relatam que o machismo do secretário já era conhecido. Mas não fica apenas aí suas falhas, que já coleciona diversas faltas com o movimento pela cultura em Santos. A tintura progressiva de seus discursos, de seu estilo e perfil “jovem”, contrasta com a aliança selada com o PSDB na cidade, partido que nacionalmente é conhecido por defender todo tipo de massacre aos direitos dos trabalhadores e do povo pobre.
Aliás, esperamos que Fabião não se utilize das férias antecipadas para se esquivar da responsabilidade por possíveis ataques do tucano Paulo Barbosa à cultura da cidade em seu período de afastamento. Há algumas semanas circula nos bastidores do poder uma possível fusão entre as secretaria de Cultura e Turismo, o que seria um grande retrocesso na história da cidade. Na abertura do Festival Santista de Teatro (Festa) deste ano, Fabião foi provocado sobre este burburinho nos bastidores do poder e nada falou. Em relação à truculência da Guarda Municipal à arte de rua e às manifestações culturais na Praça dos Andradas, em 2016, alegou existir “ruído” e defendeu a manutenção do decreto 6889/14, responsável por criar todo tipo de dificuldade à livre expressão artística. Para nós, é essa liberdade que Fabião deveria reivindicar e defender. Felizmente, as mulheres vêm a cada ano fortalecendo a luta contra a cultura do machismo, que nos violenta e mata todos os dias. Em outros tempos, seria muito mais difícil fazer o necessário combate às práticas machistas. Por todas elas que nos fizeram chegar até aqui, por nós que hoje lutamos por um mundo sem opressão, as mulheres não mais se calarão diante de atos como o que cometeu o secretário, expondo e objetificando o corpo de uma mulher.
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