Por: Ademar Lourenço, de Brasília*
O filme “Polícia Federal – A lei é para todos” mostra o juiz Sérgio Moro, além dos promotores e delegados da operação Lava-Jato, como heróis acima das disputas políticas. A história que agora está nos cinemas é toda feita em cima da figura do servidor público herói. Mas como essa figura surgiu?
O primeiro servidor herói foi o promotor Luiz Francisco de Souza, que constantemente fazia denúncias contra casos de corrupção envolvendo o governo de Fernando Henrique Cardoso. Isto foi na década de 90. Depois, já no governo Lula, surgiu o delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz, que investigou esquemas de corrupção ligados ao banqueiro Daniel Dantas.
É muito charmosa a figura da pessoa que ganhou um cargo por mérito e que enfrenta sozinha o sistema. E quem comprou esse mito no começo foi a esquerda. Luiz Francisco de Souza era ovacionado pelo PT e Protógenes Queiroz fez palestras em universidades a convite do movimento estudantil. O problema é que estamos no capitalismo, um sistema destinado a triturar ilusões.
O que os donos do dinheiro fizeram para ganhar esses servidores públicos para o seu lado? Afinal, eles são assalariados e não têm vínculo direto com os grandes empresários. Também não precisam de dinheiro para campanha política. Mas a burguesia é esperta e achou seu jeito. Eles usaram a mídia, que no Brasil está nas mãos de um pequeno grupo de grandes empresários.
As denúncias de Luiz Francisco de Souza contra a corrupção do PSDB não repercutiram na mídia. O promotor não ganhava destaque e ficou fácil persegui-lo. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) chegou a armar um escândalo contra sua vida pessoal. O episódio está descrito no livro “Ministério do Silêncio”, do renomado jornalista Lucas Figueiredo.
Já Protógenes Queiroz foi amplamente perseguido pela mídia. O uso de grampos por parte do delegado foi visto como um atentado à privacidade dos cidadãos pelos mesmos jornais que comemoraram os vazamentos de gravações da Lava-Jato. Ele foi boicotado dentro da própria Polícia Federal e chegou a ter a prisão decretada.
A mesma mídia que perseguiu e boicotou Luiz Francisco de Souza e Protógenes Queiroz transforma Sérgio Moro em herói. Com tanto destaque, o juiz da Lava-Jato não sofre a mesma perseguição que os primeiros colegas sofreram.
Porque essa diferença de tratamento? Era de interesse das elites brasileiras que a corrupção envolvendo o PSDB fosse escondida no governo Fernando Henrique. E era de interesse dessas mesmas elites que a corrupção envolvendo o PT gerasse escândalo em 2015. Por muitos anos a burguesia lucrou com os governos petistas. Mas quando o PT deixou de ser a melhor opção para os donos do dinheiro, foi tirado do poder.
Não é necessária nenhuma teoria da conspiração para explicar como Juízes, promotores e delegados foram enquadrados pela mídia. Eles costumam ser atacados pela vaidade. Além disso, livros e palestras sobre atos de heroísmo contra a corrupção rendem um bom dinheiro. Eles sabem que se atenderem aos interesses dos grandes empresários terão os holofotes da TV, como Sérgio Moro. Se atuarem contra esses interesses serão esquecidos e perseguidos, como Luiz Francisco de Souza e Protógenes Queiroz.
Há, mas hoje dia não existem as redes sociais? Isso não muita tanta coisa assim. Um perfil no facebook tem muito menos poder que uma Rede Globo. A grande mídia ainda pauta o debate. As redes sociais na maioria das vezes promovem debates em cima do que já é noticiado nos jornais, TVs e rádios.
E a culpa na esquerda nisso tudo? Foi achar que um dia a burguesia não iria trazer para seu lado os promotores, os juízes e os delegados. Essa ilusão custou caro. Por anos a esquerda alimentou o mito do “servidor público herói”, que agora é usado pela classe dominante.
Ainda existem muitos servidores bem intencionados, mas a atuação deles é limitada. E sabemos que eles serão perseguidos e se tornarão invisíveis para a mídia. Não tem herói para nos salvar. É nas ruas, nos piquetes e nas greves que se ganha o jogo.
* Esse artigo representa as posições do autor e não necessariamente a opinião do Portal Esquerda Online. Somos uma publicação aberta ao debate e polêmicas da esquerda socialista.
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