Por: Gleide Davis, colunista do Esquerda Online
Não é incomum a concepção negativa que se tem a mulheres que possuem uma postura mais “fechada”, que são mais sérias e se impõem nos debates de maneira mais incisiva. Cientistas estadunidenses fizeram um estudo de amostragem para provar que homens que se alteram numa discussão conseguem obter credibilidade no seu argumento. Ao contrário de mulheres, que ao se impor e falar mais grosseiramente serão imediatamente taxadas de loucas. Este é o mito da histeria, algo que há alguns séculos atrás já foi relacionado a um comportamento patológico atribuído exclusivamente a mulheres que fugiam do padrão “recatada e do lar” na sociedade. Essas mulheres recebiam tratamento de choque para que se enquadrassem num comportamento passivo e submisso. Estes tipos de experiências bizarras foram proibidas. No entanto, o estereótipo da histeria ainda permanece como algo silenciador e patologizante à atuação de uma mulher que carregue no seu semblante, ou nas suas ações, um comportamento que performe pouca feminilidade.
Embora não existam quaisquer relações raciais envolvidas nesses estudos, não é raro vermos pessoas citarem mulheres negras como mal-humoradas, que estão sempre de cara fechada, que mal sorriem, ou estão sempre prontas para gritar, falar um palavrão, ou causar algum tipo de confusão. Esse estereótipo, ao contrário do que ocorre com as mulheres brancas, não precisa necessariamente apresentar algum traço em particular, ele se desenvolve automaticamente pela raça da mulher em si, e isso é fruto de uma série de características históricas que envolvem toda a população negra e a mulher em específico.
No período da escravidão, cobrava-se das mulheres brancas da alta sociedade uma postura de leveza, calma, gentileza e pouca exaltação durante uma conversa. As mulheres negras, no entanto, não receberam essa “educação civilizatória” e se portavam como bem quiseram, gargalhavam, discutiam, se impunham e tomavam a frente dos homens em diversas situações de perigo, ou trabalho pesado.
Nasce daí a negra raivosa. Promíscua, suja, se envolve com homens casados e não possui nenhum pudor, que não merece respeito e tem a sua condição de mulher, enquanto gente subjugada.
“Aquele que coloca a mulher negra como perigosa, instável, dominada pelas emoções, incapaz de agir racionalmente, como alguém que merece a solidão e que não ligará para isso, pois é muito forte e não precisa do mínimo carinho, cuidado ou atenção”, afirmou Suzane Jardim.
Esse estereótipo não reconhece o ódio da mulher negra como uma reação legítima diante de situações injustas, ele é visto como um desejo patológico irracional da mulher negra em controlar tudo e todos ao seu redor. Ele pode ser empregado contra mulheres negras que se atrevem a questionar injustiças, maus-tratos, ou pedir ajuda. Com uma enorme ferramenta de deslegitimação e silenciamento nas suas costas, a mulher negra raivosa perde seu espaço, perde a sua autoestima e a sua capacidade de luta. Condenadas ao isolamento social, as mulheres negras acabam falando de suas dores somente para si mesmas, porque ao perderem sua voz, a capacidade de lutar por um espaço misto se esvazia.
Pois então, que sejamos todas negras raivosas, que não percamos a nossa coragem de gritar pois, se quando apenas falamos não somos ouvidas, que gritemos. Só nós sabemos o quanto o silêncio é enlouquecedor e pode nos matar.
Foto: Portal 6
Comentários