Por: Glailson dos Santos, de Belém, PA
Foi o astrofísico negro estadunidense, Neil deGrasse Tyson, considerado por muitos o maior divulgador Científico desde Carl Sagan, quem disse:
“A ciência opera na fronteira entre conhecimento e ignorância. Não temos medo de admitir o que não sabemos. Não há vergonha nisso. A única vergonha é achar que temos todas as respostas.”
Ao longo da história humana acumulamos certa compreensão sobre os fenômenos físicos e a constituição do universo, uma compreensão que, de forma paradoxal, costuma ser tão superestimada pelo senso comum, quanto é pouco compreendida pela imensa maioria das pessoas. Esse acúmulo nos proporcionou avanços significativos nos campos científicos e tecnológicos, que vão desde a comodidade dos aparelhos de microondas em nossas cozinhas à precisão das sondas espaciais que enviamos para estudar mundos distantes, passando pela medicina contemporânea que nos permite usar a radiação para diagnosticar e tratar doenças que nem sequer sabíamos existir há um século.
A verdade é que ainda temos muito, muito, muito mesmo a aprender sobre o Cosmos. Todo o universo conhecido por nós, aquele que podemos ver e detectar com nossa tecnologia atual, corresponde a apenas 4,9% do total de Matéria-Energia existente em nosso universo. Os outros 95,1% são compostos pelo que os físicos contemporâneos convencionaram chamar de Matéria Escura e Energia Escura, formas de matéria e energia que não somos capazes de detectar diretamente, pois não interagem, ou interagem de forma muito débil, entre si e com a matéria e a energia comuns, com as quais estamos familiarizados.
Só sabemos que a Matéria Escura existe porque a gravidade que sua massa produz interage com a parte de nosso universo que podemos detectar. E só podemos supor que a Energia Escura está por aí porque apenas quando consideramos sua existência é possível entendermos a razão para a aceleração da expansão do universo, que somos capazes de detectar medindo a velocidade do afastamento entre as galáxias conhecidas.
Nos últimos anos, muitos físicos se dedicaram a tentar detectar diretamente a matéria escura ou compreender sua formação e composição. São pesquisas recentes neste sentido que têm criado um grande alvoroço no meio científico, e feito figurar nas colunas sobre ciência dos maiores sites de notícias do mundo algumas das mais recentes e empolgantes potenciais descobertas da física nuclear.
Em 7 de abril de 2015, um grupo de pesquisadores húngaros do Institute for Nuclear Research em Debrecen, publicou no Servidor arXiv resultados sobre a detecção de uma rara anomalia em um experimento de decaimento radioativo, enquanto buscavam evidências sobre a existência de uma hipotética nova partícula elementar conhecida como ‘Fóton Escuro’ (Dark Photon), uma partícula que seria análoga aos fótons convencionais, mas capaz de interagir com a Matéria Escura, o que teria o potencial de ajudar a desvendar alguns dos mistérios sobre esse tipo de matéria.
O artigo original baseado nos dados dos pesquisadores húngaros foi publicado em janeiro de 2016 na revista Physical Review Letters e postulava a existência de um novo bóson de luz apenas 34 vezes mais pesado do que o elétron. Ele foi largamente ignorado pela comunidade científica até que, em 25 de abril de 2016, um grupo de físicos teóricos estadunidenses da University of California, na cidade de Irvine, decidiu publicar a própria interpretação dos dados apresentados, sugerindo que a nova partícula encontrada pela equipe húngara não seria um fóton escuro, mas um Bosón Protofóbico X, uma nova partícula, que, até aquele momento, não passava de uma excêntrica possibilidade teórica.
Medições independentes ainda podem ou não confirmar os dados obtidos pelos húngaros e reinterpretados pelos cientistas estadunidenses de Irvine. Se confirmada, a detecção dessa nova partícula elementar poderia vir a significar um avanço sem precedentes na compreensão humana sobre a Matéria Escura, além de indicar a existência de uma quinta força fundamental e, quem sabe, até mesmo lançar alguma nova luz sobre uma hipotética Teoria da Grande Unificação, que nos permitiria explicar e conectar em uma só estrutura teórica todos os fenômenos físicos, unindo a mecânica quântica à relatividade geral, em uma Teoria do Tudo, o verdadeiro ‘Santo Graal’ da física contemporânea. Só em nossos sonhos mais loucos poderíamos conceber o que uma descoberta dessa magnitude poderia vir a significar para o avanço tecnológico da humanidade.
Até onde se sabe, nosso universo conta com quatro forças fundamentais: gravidade, eletromagnetismo e as forças nucleares forte e fraca. Mas, nos últimos anos, a busca por novas forças fundamentais tem crescido diante da incapacidade do modelo padrão da física de partículas em explicar a esquiva Matéria Escura. A detecção de uma partícula que desafie os limites impostos pelas quatro forças conhecidas, forneceria evidências para a existência de uma nova força, que teria o potencial de representar uma nova revolução na visão que temos hoje sobre o Universo.
Infelizmente, por mais empolgante que seja a possibilidade dessa potencial revolução científica, ou o vislumbre do que ela poderia significar para o avanço da compreensão humana sobre o Universo e para nosso desenvolvimento tecnológico, ela fica eclipsada pelo fato de que vivemos em um mundo onde ainda é uma parcela mínima da humanidade que tem repertório de conhecimento necessário para compreender a profundidade e implicações desse tipo de descoberta. Cada vez são mais escassos os investimentos e a estrutura humana e material para o desenvolvimento de pesquisas básicas desse tipo, com potencial para promover novos saltos em nossa compreensão da natureza, como avanços que representaram as aquisições da Relatividade Geral ou da Teoria da Evolução.
Para onde caminhamos restringindo cada vez mais a responsabilidade pelo avanço do conhecimento a um punhado de centros de excelência nas nações desenvolvidas e em um pequeno número de cientistas cada dia mais superespecializados e submissos aos interesses mesquinhos do grande capital? Onde pretendemos chegar com pesquisadores que são, cada vez mais, autoridades inquestionáveis sobre os temas compreendidos nos estritos limites de suas respectivas áreas de atuação, ao mesmo tempo em que não passam de perfeitos ignorantes sobre todo o resto? Que avanço genuíno para o conjunto da humanidade podem representar pesquisas cada dia mais dependentes do financiamento privado de grandes corporações financeiras, comprometidas apenas com seus próprios interesses?
Quantos talentos com potencial para oferecer contribuições relevantes para os mais diversos campos das ciências, filosofia e artes perdemos todos os anos para a fome, a guerra, o analfabetismo, a miséria? Para um sistema educacional elitista, segregador, onde proliferam professores mal pagos e sem motivação e que quase sempre se baseia em sufocar a curiosidade e a criatividade natural das mentes infantis e seu interesse pela ciência para impor a necessidade de preparação para enfrentar funis arbitrários como o vestibular? O quanto esses talentos, soterrados pela aplicação da lógica que reduz a educação a privilégio ou a apenas mais um nicho de mercado, poderiam nos ajudar a fazer avançar as fronteiras do conhecimento humano sobre o imenso oceano de tudo que ainda ignoramos sobre o universo?
Foram Marx e Engels, em seu Manifesto do Partido Comunista que prestaram uma das mais honestas e pertinentes homenagens ao avanço que o capitalismo promoveu em sua fase ascendente, quando reconheceram:
“A burguesia desempenhou na história um papel altamente revolucionário. (…) A burguesia, na sua dominação de classe de um escasso século, criou forças de produção mais massivas e mais colossais do que todas as gerações passadas juntas. Subjugação das forças da Natureza, maquinaria, aplicação da química à indústria e à lavoura, navegação a vapor, caminhos-de-ferro, telégrafos eléctricos, arroteamento de continentes inteiros, navegabilidade dos rios, populações inteiras feitas saltar do chão — que século anterior teve ao menos um pressentimento de que estas forças de produção estavam adormecidas no seio do trabalho social?”
Porém, este mesmo capitalismo, que no passado proporcionou avanços técnico-científicos sem paralelo na história, hoje representa, cada vez mais, um obstáculo para novos saltos no desenvolvimento humano em todas as dimensões, inclusive no que tange as questões científicas e tecnológicas.
Em sua mais famosa obra, O Mundo assombrado por demônios, Carl Sagan nos alerta: “Vivemos numa sociedade intensamente dependente da ciência e da tecnologia, em que quase ninguém sabe algo sobre ciência e tecnologia”.
Já não é só nos países periféricos que os investimentos em educação e pesquisa científica são cada vez mais escassos e a indústria de alta tecnologia limita-se a meras maquiladoras, onde o conhecimento científico-tecnológico, o capital mais valioso das nações dominantes, é rigorosamente protegido pelas leis sobre propriedade intelectual e os segredos industriais.
Mesmo nos países mais desenvolvidos, crescem o fundamentalismo religioso, o misticismo e a pseudociência. Doenças há muito erradicadas reaparecem como resultado de uma histeria new age promovida por movimentos anti-vacinais contemporâneos alimentados pela mais absoluta ignorância, a exemplo de recentes epidemias de sarampo, caxumba e rubéola na Europa e EUA.
Em todo o mundo, os já escassos recursos públicos para educação e pesquisa científica são investidos em cursos acadêmicos teoricamente respeitáveis sobre relíquias medievalescas, ou vitorianas, como homeopatia, astrologia e psicanálise, em detrimento da expansão generalizada do ensino de ciências de qualidade e da pesquisa básica.
Precisamos deixar para trás não só a exploração e opressão capitalistas, mas a sociedade de classes e todo e qualquer privilégio, para libertar, de uma vez por todas, o ilimitado potencial humano para desvendar os segredos do universo e colocar, de fato, todo nosso conhecimento a serviço da humanidade e não da manutenção da situação de um punhado de privilegiados.
Como também nos alertou Sagan, refletindo sobre nosso potencial e os perigos que nos rondam: “Estamos irrevogavelmente em um caminho que nos levará às estrelas. A não ser que, por uma monstruosa capitulação ao egoísmo e à estupidez, acabemos nos destruindo”.
Imagem: Marc Airhart (UTexas-Austin)/Steve Jacobsen (Northwestern University)
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