O que Sense8 nos ensinou

Por Travesti Socialista

Muitas pessoas, eu inclusive, receberam com tristeza a notícia do cancelamento da série Sense8 pela Netflix. Sentiremos falta, não apenas pelo enredo emocionante, mas também pelos importantes debates que ela traz. Evidentemente, o centro da série não é a discussão sobre opressões, diversidade, nem mesmo sobre debates filosóficos, mas sobre uma ficção, uma fantasia, mas, ainda assim, não deixa de trazer diversas lições nesses temas.

[Contém algumas revelações de enredo, mas não revela as partes mais importantes da história]

      1. Personagens fortes fora do padrão

Pela primeira vez na vida, eu, sendo trans, fui capaz de ver uma personagem trans forte, relevante, que é protagonista e heroína, desde o primeiro até o último episódio. Nomi Marks não está ali para ser mais uma vítima da cruel violência transfóbica, ela não existe para nos trazer pena, mas sim orgulho. A série nos ensina que pessoas trans reais não somos apenas pessoas que sofrem violência o tempo todo. Apesar da violência que sofremos ser grande e demarcar muito a nossa vida, nós também temos as nossas histórias, as nossas conquistas, os nossos defeitos. Nós não somos meras vítimas, muito menos aberrações da natureza, somos seres humanos. Isso é óbvio, mas as pessoas “esquecem”.

É lógico que são muito importantes os filmes e séries que mostram a violência transfóbica nua e crua e suas consequências devastadoras e até mortais, mas em que outra série ou filme uma pessoa trans tem papel protagonista e heroico? Não só uma heroína, Nomi é marcante pelas suas frases, especiais para nós, LGBTQIs.

A verdadeira violência, a violência que eu percebi ser imperdoável, é a violência que fazemos com nós mesmos quando temos medo de ser quem realmente somos.” Nomi Marks

Outra personagem sem dúvida marcante é Amanita, a namorada de Nomi. Neets é mais do que uma personagem secundária, ela é a companheira fiel, corajosa, que faz de tudo para salvar a Nomi quando ela está em perigo. Ela não se importa com todo o perigo que corre ao ajudar Nomi. Por isso, é a única personagem que corre sério perigo, não porque é o alvo, mas por escolha, pelo seu sincero amor pela Nomi. É difícil encontrar uma protagonista negra e lésbica como ela.

Em vez centrar-se no monoteísmo, a série apresenta Kala, a indiana hinduísta que defende sua crença daqueles que querem atacá-la. Outra forte personagem que sai do padrão é Sun, a koreana que pratica de artes marciais e humilha vários homens que ousam lutar contra ela.

Eu pego tudo que estou sentindo, tudo o que importa pra mim e coloco tudo isso no meu punho e luto até conseguir.” Sun Bak

      1. Empatia

O núcleo dos oito está conectado entre si. Se uma pessoa sofre, as demais sofrem junto. Ao contrário do mundo em que vivemos, onde impera o individualismo e o ensimesmismo, todas elas têm empatia pela mulher que tem seu gênero desrespeitado, pelo casal que não pode se assumir, pelos sofrimentos do habitante de Nairobi para conseguir remédios para sua mãe. Ao invés da negligência cotidiana às opressões que os outros sofrem, a série mostra pessoas que se importam e mostram isso não só com palavras, mas com atitudes.

Acredito que este aspecto da série é bastante subestimado ou ignorado. No nosso mundo, as pessoas são ensinadas o tempo todo a se importarem consigo mesmas, a preocuparem-se com seu sucesso e mérito pessoal. Nos filmes, os heróis são individuais. A coletividade, quando nos é ensinada, é no sentido de apagar nossa individualidade, nossas qualidades, transformando-nos numa massa amorfa, como se as pessoas fôssemos todas clones umas das outras. Sense8 nos ensina a dar valor à individualidade e a agir em coletividade. Embora sejam todos seres humanos comuns, a sua maneira de agir coletivamente nas suas qualidades individuais é que os transforma em heróis.

Se essa série realmente não for renovada, com certeza nos trará saudades. Precisamos e queremos de mais séries e filmes como Sense8.

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