Privatização é foco de Alckmin em anúncio de Agência Reguladora para malha metroferroviária de SP

O governador Geraldo Alckmin durante entrega de dois novos trens para a Linha 11-Coral-Expresso Leste (Luz-Guaianazes), da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). Data: 04/11/2014. Local: São Paulo/SP. Foto: Edson Lopes Jr/A2 FOTOGRAFIA

Por: Eli Moraes, de São Paulo, SP

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Linhas 15 – Prata, do monotrilho e as da CPTM 8 – Diamante e 9 – Esmeralda estão entre as possibilidades de privatização. Foto: Du Amorim/ A2 FOTOGRAFIA

Na última quarta-feira (17), veio a público a possibilidade de criação de uma agência reguladora dos transportes sobre trilhos do estado de São Paulo. A medida é estudada pela Secretaria de Transportes Metropolitanos, sob o comando de Clodoaldo Pelissioni, ex-presidente do Metrô-SP. A notícia revela a profundidade dos planos de privatização que são preparados pelo governo estadual de Geraldo Alckmin (PSDB).

As concessões no setor de transportes começaram a ser anunciadas ao final do ano passado. Seguiram de perto os anúncios da então Presidente Dilma Rousseff (PT), que, em junho de 2015, pretendia entregar portos, aeroportos, rodovias, ferrovias e metrôs.

As concessões do governo paulista envolvem uma grande massa de entrega de patrimônio público à iniciativa privada sob o regime de concessões. Inicialmente atingem 15% das rodovias estaduais ainda não concedidas às empresas de pedágio. Afetam também aeroportos nas regiões de Bragança Paulista, Campinas, Jundiaí, Ubatuba e Itanhaém.

Desde os primeiros anúncios, esteve presente a intenção de conceder à iniciativa privada parte da operação do Metrô de São Paulo, com a Linha 5 – Lilás, e a linha 17 – Ouro, do monotrilho. Com o passar dos meses, passou-se a anunciar também a privatização da linha 15 – Prata, do monotrilho, já em funcionamento entre as estações Vila Prudente e Oratório, e de duas linhas da CPTM, a 8 – Diamante e a 9 – Esmeralda, que estão entre as com melhores condições de operação.

Linhas 15-prata, na zona leste da cidade, e a 17-ouro, na zona sul foram construídas já com o intuito de serem entregues à iniciativa privada. Foto: Guilherme Lara Campos / A2 Fotografia 29/08/2014
Linhas 15-prata, na zona leste da cidade, e a 17-ouro, na zona sul foram construídas já com o intuito de serem entregues à iniciativa privada. Foto: Guilherme Lara Campos / A2 Fotografia 29/08/2014

Agências reguladoras,de  sinal  privatização e corrupção
A criação de uma nova agência reguladora no estado de São Paulo, ou mesmo a ampliação das funções da Agência Reguladora de Serviços Públicos de Transportes do Estado de São Paulo (ArteSP), atualmente dedicada especialmente às rodovias concedidas, indica que os planos de privatização de Alckmin vão além do anunciado. Dessa maneira, o atual discurso de que seriam mantidas sob administração estatal as linhas 1 – Azul, 2 – Verde e 3 – Vermelha do Metrô, só pode ser recebido com muitas ressalvas e desconfianças.

As privatizações estão no centro da receita econômica dos atuais governos, como forma de enfrentar a crise. Elas dizem respeito a um projeto de Estado em que os serviços públicos deixam de ser entendidos como direitos da população e passam a funcionar como qualquer outro negócio privado, oferecendo oportunidades de lucros a grandes empresários.

A entrega do patrimônio público realizada ao longo da década de 1990 comprovou-se como tal. De saída, as privatizações levadas à frente pelo também tucano Fernando Henrique Cardoso custaram ao Estado brasileiro, nos valores da época, R$ 87,6 bilhões. No entanto, geraram receitas de apenas R$ 85,2 bilhões. Ou seja, o governo de FHC, na verdade, pagou cerca de R$ 2,4 bilhões para entregar à iniciativa privada empresas como a Telebrás e a Vale do Rio Doce.

As agências reguladoras surgiram no Brasil neste contexto seguindo o modelo utilizado nos Estados Unidos. O discurso é o de que elas serviriam para manter a qualidade dos serviços que deixariam de ser prestados pelo estado. Mas, nem mesmo nos EUA, pelo menos a partir do fim da década de 1960, elas são vistas como tal. As agências reguladoras acumulam uma série de críticas, em especial por parte dos consumidores dos serviços sob sua tutela, como verdadeiras agências de defesa dos interesses dos grandes monopólios econômicos. No Estado brasileiro, cumpriram a função complementar de transformar a própria administração pública em administração privada, taxando os funcionários públicos de ineficientes e atacando direitos da população, ao abrir portas de vez para as empresas privadas.

Dessa maneira, a nova agência reguladora a ser criada por Geraldo Alckmin tende a ser mais um guichê no imenso balcão de negócios para as grandes empresas que é o seu governo. A clientela está entre as grandes empreiteiras, muitas delas envolvidas na operação Lava a Jato, e multinacionais de tecnologia, como a Alstom, Siemens, Bombardier e CAF, todas envolvidas no escândalo do ‘Trensalão’.

A participação de agências reguladoras em esquemas de corrupção envolvendo grandes empresas privadas já é fato notório. Basta lembrar a operação Porto Seguro da Polícia Federal, que revelou um esquema de compra de pareceres técnicos envolvendo diversas esferas da administração federal, incluindo agências reguladoras. Ainda que não houvesse corrupção, a própria função das agências reguladoras é fazer com que as grandes empresas possam tomar conta do mercado, sem nenhuma possibilidade de controle popular através de qualquer meio democrático. O máximo oferecido à população é a possibilidade de reclamar, sem garantias de ter suas reivindicações atendidas, dos péssimos serviços oferecidos pelas empresas privadas. São, por isso, instituições fundamentais nos projetos de privatização levados à frente por governos.

Precarização e desinvestimento

Foto: Oswaldo Corneti/ Fotos Públicas
Foto: Oswaldo Corneti/ Fotos Públicas

O regime de entrega dos transportes sobre trilhos em São Paulo deve seguir o modelo das Parcerias Público Privadas (PPPs), já utilizado, por exemplo, nas linhas 4 – Amarela e 6 – Laranja do metrô. Este modelo é especialmente preferido pelos empresários, já que abre a possibilidade de, mesmo depois da venda à iniciativa privada, o governo estadual seguir arcando com os custos e prejuízos dos negócios.

Assim acontece hoje com a linha 4 – Amarela, para a qual o estado repassou R$ 332 milhões em 2014, retirando verbas da estatal Metrô-SP. Além disso, os custos com o investimento em infraestrutura, expansão da malha de trilhos e estações, segue sendo arcado pelo governo e o Metrô-SP. Inicialmente em um contrato de cerca de R$ 700 milhões, que ficou mais caro após a a ruptura por parte do consórcio Isolux-Corsán, sem a entrega das estações previstas.

O discurso utilizado frequentemente pelo governo de que a entrega das linhas à iniciativa privada permitirá a expansão da linha e consequente criação de empregos, portanto, não se demonstra na prática. Nos moldes escolhidos de privatização, além de entregar o patrimônio público praticamente de graça, Alckmin ainda assegura os investidores privados contra qualquer prejuízo possível. Privatizam-se os lucros, mas os custos continuam sendo pagos com o dinheiro público.

A contrapartida é ainda menos investimento nos serviços públicos de transporte já em operação. O Metrô de São Paulo não recebe qualquer subsídio por parte do governo estadual. Este ano, além de não repassar nada para a empresa estatal, o governo estadual ainda deu um calote de R$ 66 milhões referentes ao subsídio de tarifas gratuitas para idosos e pessoas com deficiência e reduzidas, como para estudantes. O governo alegou que a prioridade de saque de subsídios é outra, a Linha 4 – Amarela, privatizada.

A gestão do Metrô de São Paulo também está empenhada no processo de privatização da empresa. O atual presidente, Paulo Menezes, está intimamente comprometido com este propósito. No currículo destaca-se o cargo como Secretário Executivo do Conselho Gestor de Parcerias Público Privadas do Governo de São Paulo, onde pode se envolver pessoalmente com a concessão da linha 6 do metrô. É a típica raposa cuidando do galinheiro.

Dessa maneira, a gerência do Metrô de São Paulo tem levado à frente o projeto de corte de gastos na empresa. Com isso, o primeiro semestre de 2016 registrou uma queda de 60% no investimento na operação das Linhas 1, 2, 3 e 5, em relação a 2014. Mais uma queda de 72% nos investimentos em modernização e manutenção dos trens. Significa que os custos caíram de R$ 54 milhões para R$ 22 milhões, com a operação. Já para a manutenção de trens, e os investimentos na infraestrutura das linhas foi de R$ 192 milhões para R$ 55 milhões.

Os resultados são sentidos dia a dia pela população, com um maior número de atrasos e falhas nos trens, o que somado à situação de superlotação joga muito para baixo as condições de utilização do transporte público na cidade. Do lado dos trabalhadores do Metrô, as ameaças de cortes são constantes, o quadro de funcionários é baixo e asfixiado. E tudo é coroado com recente abertura de Programa de Demissão Voluntária, que, não bastasse servir para enxugar ainda mais a empresa, oferece muito pouco além da porta da rua para os que decidirem aderir.

População rejeita privatizações
Este quadro formado pelos prejuízos das privatizações dos anos 1990, a baixa qualidade dos serviços prestados pelas empresas privadas, os escândalos de corrupção envolvendo governos e grandes grupos econômicos e, acima de tudo, as vantagens desproporcionais para a iniciativa privada e a continuidade dos custos para os cofres públicos, tem gerado crescente rejeição ao recurso das privatizações.

Uma pesquisa nacional realizada recentemente pela instituição Paraná Pesquisas revelou que 60,6% da população brasileira é contrária às privatizações insinuadas pelo governo interino de Michel Temer (PMDB), em empresas como a Petrobrás e os Correios. A pesquisa entrevistou habitantes de 158 cidades, em 24 estados mais o Distrito Federal.

A percepção da população é justa. Com a privatização do transporte público a tendência é que o serviço caia em qualidade e a tarifa seja aumentada sob a necessidade das empresas concessionárias dos serviços. O próprio governo estadual já admitiu que, caso consiga expandir de fato a malha metroferroviária, com a consequente redução da superlotação, a operação sairá mais cara.

É com base nesta rejeição popular que é possível construir uma resposta organizada aos ataques dos diversos governos e de Geraldo Alckmin em particular. No fundo, o fio da resistência às privatizações passa pela recusa que fazem os trabalhadores de pagarem por uma crise econômica que não criaram, enquanto os ricos, com ajuda dos governos, aproveitam a própria crise para aumentar ainda mais as suas fortunas.

Foto: Edson Lopes Jr/A2 FOTOGRAFIA