O uso de termos como “dia de protestos” e “paralisações” na cobertura midiática revelam a tentativa de ocultar a luta de classes no contexto da crise política
Por: Abílio Dantas, de Belém, PA
Sempre que um grande movimento político e popular ganha as cidades brasileiras, como foi a greve geral do dia 28 de abril no Brasil, o ocultamento de sua importância e abrangência toma as páginas dos jornais e revistas. Manchetes e matérias, com termos coloquiais e aparentemente inofensivos, mas sem o mínimo compromisso com dados, apuração rigorosa e contextualização histórica, são impostas aos olhares dos transeuntes nas bancas de jornais e também por portais na internet. Até aí, nenhuma novidade.
O abandono do profissionalismo pelos meios de comunicação das oligarquias nacionais já é, há algum tempo, um tema bastante discutido em blogs, sites, jornais independentes e espaços de produção acadêmica. O uso dos veículos de informação pelos poucos grupos que controlam as políticas sociais e econômicas em benefício próprio tem se revelado um manancial de informações duvidosas, vide casos notórios como a cobertura das manifestações das Diretas Já, em 1984, feita pela Rede Globo.
Embora não pareça, ironicamente, os políticos continuam proibidos por nossa Constituição Federal de serem associados ou sócios de empresas concessionárias do serviço público de radiodifusão, segundo o artigo 54. Ou seja, eles não podem ser donos de veículos como emissoras de televisão e rádio. Se houvesse respeito ao artigo citado, talvez nossa realidade comunicacional fosse um pouco diferente. O que temos agora, no entanto, salvando raras exceções, é um arsenal de falácias maquiadas de jornalismo.
REDUÇÕES
No dia 28 de abril, termos como “problemas”, “paralisações” e “dia de protestos” foram fartamente utilizados para designar a greve nacional e unificada ocorrida em todos os 25 estados brasileiros e no Distrito Federal. A despeito de ter mobilizado aproximadamente 40 milhões de trabalhadores distribuídos em diversas categorias, a imprensa nacional, ao contrário da mídia internacional, recusou-se a tratar o movimento com o nome de greve geral. Agindo dessa forma, os veículos de comunicação não apenas diminuíram a força da “primeira greve geral em duas décadas” no Brasil, como destacou a BBC de Londres, mas operaram também a falsificação da história recente do país.
A desinformação produzida e veiculada durante todo o dia 28 de abril é fruto de um acordo tácito entre os conglomerados de comunicação e o governo federal. De acordo com o grupo Intervozes, em texto publicado no site Carta Capital, a preferência e o apelo de Michel Temer por uma narrativa mentirosa foram escutados. O presidente da república, por meio de pronunciamento oficial, tratou a greve geral justamente como “dia de protestos” e “paralisações”, ao que foi fielmente seguido por canais de televisão como Bandnews, TV Globo e TV Record. O discurso orquestrado entre poder executivo e mídia resultou em ênfase ao “caos no trânsito” e aos casos de violência ocorridos durante o dia. O conteúdo da Reforma da Previdência e da Reforma Trabalhista, que são os principais motivadores do movimento nacional e deveriam ser noticiados em larga escala, foram tratados apenas em um telejornal da TV Globo, por exemplo.
Greve é uma palavra de origem francesa que designava uma praça, Place de Grève, em Paris, onde ocorriam reuniões de pessoas desempregadas e movimentos de trabalhadores que decidiam cruzar os braços em razão de más condições de trabalho. A diferença de uma greve para um dia de protestos é que sua principal característica é de ser o fruto de uma consciência de classe. Enquanto protestos podem ser organizados a partir das mais diferentes motivações, como o aumento de passagens de ônibus (tal como em 2013, no Brasil) ou o sucateamento da estrutura de escolas públicas, a greve é necessariamente uma reação da classe trabalhadora contra modelos de exploração do sistema capitalista sobre sua força de trabalho.
Ao paralisarem suas atividades de trabalho, os trabalhadores estabelecem uma relação de pressão aos governos e patrões, na medida em que atingem o âmago dos interesses das classes dominantes, que são o lucro e a manutenção do poder sobre as classes subalternas. Recusar-se a usar a palavra greve é negar a existência do conceito de luta de classes em sua complexidade e atualidade, e ignorar sua importância para a compreensão das atuais crises política e econômica.
POR QUÊ GERAL?
A primeira greve geral do Brasil, assim intitulada em estudos historiográficos e matérias jornalísticas, ocorreu no ano de 1917 e teve início no bairro da Mooca, zona leste da cidade de São Paulo. Após o assassinato de um jovem sapateiro espanhol, José Martinez, ocorrida em um confronto com a polícia, o movimento por direitos trabalhistas iniciado em junho daquele ano pelos operários da fábrica têxtil Cotonifício Crespi ganhou força, resultando também na paralisação de trabalhadores do setor de móveis e empregados da fábrica de bebidas Antártica. Serviços gerais e o comércio de outras cidades do estado de São Paulo como Campinas, Piracicaba, Santos, Sorocaba e Ribeirão Preto também aderiram à greve, tal como a cidade de Poços de Caldas, no sul de Minas Gerais, a cidade do Rio de Janeiro e cidades do estado do Rio Grande do Sul.
A afirmação de que a greve do dia 28 de abril foi parcial ou uma “meia greve”, como a revista Veja desta semana estampa na capa, é duplamente falsa. Em primeiro lugar, leva a crer que o movimento grevista unificado, do qual participaram categorias como trabalhadores da educação de todos os níveis, transporte público, comércio e setores de serviços, não foi representativo dos interesses da maioria da população. O que é mentira, basta que se pesquise o número de cidades, estados e avenidas principais bloqueadas durante o dia. Em segundo lugar, ao não comparar o dia 28 com outras greves gerais, comete o erro da ausência de contextualização. Como posso dizer que um movimento político pertence ou não a uma certa classificação se não a conceituo e a analiso comparativamente? Pergunto, portanto, o que faz a greve de 1917 ser mais geral que a de 2017?
O campo da comunicação do país precisa retomar com urgência o compromisso com o pensamento crítico e a honestidade intelectual. Dessa maneira, as posições do movimento grevista podem ser refutadas por meio de argumentos transparentes e proposições opostas. O que não é admissível é que se propague a falsificação do significado do movimento, ferindo assim, de modo superficial e desrespeitoso, o direito da população à informação e a um jornalismo de qualidade.
*Abílio Dantas é jornalista, membro da agência de comunicação divulga. e do portal de notícias Outros 400. Atualmente, desenvolve pesquisa de mestrado no Programa de Pós-graduação em Linguagens e Saberes da Amazônia (PPLSA), da Universidade Federal do Pará (UFPA)
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