Por: Josyanne Q*, de Belém, PA
*Prof. de Sociologia da rede estadual do PA
O Ministério da Educação (MEC) entregou ao Conselho Nacional de Educação (CNE) na quinta-feira (6) a chamada 3ª e última versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Fundamental, que vai servir como referência dos currículos de 190 mil escolas brasileiras que trabalham com esta etapa do ensino. O documento foi anunciado pelo ministro da Educação Mendonça Filho como “resultado de uma construção coletiva de diversos setores da sociedade de várias partes do Brasil”.
O ministro não mentiu quando disse que houve a participação de “amplos setores da sociedade”, tais como a Fundação Itaú Social, Instituto Ayrton Senna, Fundação Lemann (grupo empresarial), o Movimento Escola Sem Partido, e diversos educadores nas rodadas de discussão nos estados, e movimentos sociais pelos direitos à educação. Isso que o governo faz questão de enfatizar: “Ampla participação da sociedade” ao anunciar mais uma de suas propostas, seja talvez, o elemento central que devemos considerar para compreender e elaborar nossas ações de resistência à concepção de educação que “amplos setores da sociedade” querem impor através dos currículos escolares.
Não é exclusividade deste governo alinhar a política educacional aos interesses do capital, e nem de permitir de forma velada ou descarada valores que reforçam a intolerância religiosa, o racismo e o machismo no espaço escolar. Porém, a investida em criar medidas para não permitir que a escola dos filhos dos trabalhadores avance para um espaço de desconstrução das ideologias que permitem ao capital a exploração e o seu lucro, toma uma dimensão que requer ainda mais o alerta para a nossa classe.
A BNCC do Ensino Fundamental sofreu alterações após forte pressão do “amplo setor da sociedade”, e um dos exemplos disso foi a carta aberta do movimento Escola sem Partido datada do dia 3 de abril deste ano aos membros das frentes católicas e evangélicas do Congresso Nacional, que exigia retirar do texto o conteúdo “Identidade de Gênero” e a “Orientação sexual”. Este exemplo mais recente mostra o grau de disputa e de como essa disputa está ocorrendo via os currículos escolares.
Para o “amplo setor da sociedade” tão alardeado pelo ministro de Temer, o porquê de as mulheres serem vítimas de violência de gênero, a homofobia ser uma das causas que afasta o estudante da escola, além de outros temas que caracterizam o estudo da orientação sexual não devem ser discutidos. Assim como também não interessa a este setor, e por isso também foi suprimido do texto, a História Indígena e da África. Para este “amplo setor da sociedade” a escola é o lugar para formar a sua mão de obra barata e de reforçar a divisão da nossa classe através da opressão.
Os mesmos que estão lutando para aprovar o PL Escola Sem Partido fazem parte do “amplo setor da sociedade” que está propondo os conteúdos da BNCC do Ensino Fundamental e assim serão com os conteúdos da BNCC do Ensino Médio. Investem em um “cerco” às trabalhadoras e aos trabalhadores da educação para que sua aula não seja uma transmissão da “ideologia de esquerda” e seu sistema social fique ameaçado.
Por trás do discurso da moralidade e de que os estudantes devem aprender somente aquilo que realmente interessa para a sua vida, o “amplo setor da sociedade” segue querendo criminalizar as educadoras e os educadores, os acusando de serem os responsáveis por “contaminar as crianças e adolescentes no país” com ideologias que seriam nocivas à ordem, e à moral dos bons costumes.
É preciso seguir denunciando a verdadeira intenção das mudanças nos currículos da educação básica do governo Temer, de toda sua base de apoio no Congresso e dos que fazem parte do “amplo setor da sociedade”.
Foto: Rafael Carvalho/MEC
Comentários