Olimpíadas e opressão – Seria uma medalha capaz de fazer esquecer o racismo?

13 de Agosto de 2016 – Rio 2016 – Ginástica- Diego Hypótilo (prata) e Arthur Nory ( Bronze ) no solo . Foto: Roberto Castro/ Brasil2016

Por: Davidson Brito, de Itabuna, BA

Muitos brasileiros e brasileiras vibraram na tarde de 14 de agosto com a dobradinha brasileira no pódio na final da disputa de solo da ginástica masculina. Nada fora do normal, afinal de contas, isso significou um grande momento para o Brasil e para a ginástica no país como um todo. O Diego Hypolito é um grande ídolo do esporte brasileiro, venceu momentos difíceis na sua vida esportiva, superou uma depressão e manifestações depreciativas e chegou à prata olímpica em território de origem, nada menos do que especial. Fez ainda um belo discurso após a conquista da medalha, convocando o povo a lutar pelos seus sonhos. Por outro lado, é impossível dissociar a conquista do Diego ao bronze do companheiro de equipe e todo o debate que segue ao redor. O Arthur Nory, medalhista de bronze na mesma prova citada, é o principal protagonista em um grande caso de racismo com o seu até então colega de equipe, o Ângelo Assumpção.

No episódio, Ângelo compara, através do aplicativo SnapChat, a cor negra do colega a aparelhos defeituosos e até mesmo a um saco de lixo. Tal fato contou ainda com a conivência da Confederação Brasileira de Ginástica (CBG), que logo tratou de esquecer a situação após um pedido de desculpas por parte de Arthur. Pior ainda, mesmo com Ângelo possuindo resultados suficientes, melhor até do que alguns que compõem a atual seleção, o mesmo sequer foi convocado como reserva.

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Ângelo não foi convocado para as Olimpíadas Foto: Paulo Pinto/ Fotos Públicas

O pedido de desculpas do Arthur e o isolamento do Ângelo da seleção é nitidamente uma forma de naturalizar o fato. Ou pior, fazer com que caia no esquecimento. Episódios como esses, sempre que reconhecidos são, na maioria gigantesca das vezes, colocados como dignos de perdão, mas nunca como um crime e que por isso deveria ser duramente julgado e punido. Os ataques deferidos ao Ângelo são antes de qualquer coisa ataques a todas negras e negros do mundo. É apenas a ponta de um iceberg.

Cada suposta brincadeira – como o caso foi colocado -, cada propaganda que reforça o estereótipo sobre o povo negro, cada episodio de opressão nos mais diversos espaços, contribui para a estrutura social na qual estamos inseridos, que insiste em reproduzir a lógica do mito da democracia racial. Na vida real, o final dessa história todas e todos já conhecem, um verdadeiro genocídio sobre o povo negro, que no Brasil se expressam nos números em que 153,4% mais negros do que brancos são vitimas de homicídios.

Os números do estudo Homicídios e Juventude no Brasil, do Mapa da Violência de 2013, mostram a brutal desigualdade na violência no país. Com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, aponta que 71,4% das 49,3 mil vítimas de homicídios em 2011 eram negras – o que corresponde a 35,2 mil assassinatos.

É bem verdade que o mesmo que comete supostas brincadeiras, não necessariamente é o mesmo que mata, mas, com toda certeza, faz parte do mesmo sistema. Quando as negras e negros reivindicam uma punição sobre casos como esses, é porque não aceitam que mais ninguém seja vitima desse sistema. É fundamental que mais nenhum indivíduo contribua com esse sistema que insiste em matar o povo negro.

A sensação é a do tamanho absurdo pela forma como o caso foi tratado, que ainda um atleta com tal postura continue a representar o Brasil no mundo inteiro. O racismo brasileiro nunca foi tão bem representado e invisibilizado. A pergunta que fica agora é: Seria uma medalha capaz de te fazer esquecer o racismo? Que me perdoem os mais empolgados e desavisados, mas a mim, autor desse texto, foi impossível comemorar a dobradinha olímpica no pódio.

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Foto: Roberto Castro/ Brasil2016