Por: Iris Pontes*, de Recife, PE
“O sabiá no sertão
Quando canta me comove
Passa três meses cantando
E sem cantar passa nove
Porque tem a obrigação
De só cantar quando chove”.
Passei dois anos vivendo em uma comunidade quilombola do agreste pernambucano. A escolha se deu a partir de uma experiência de trabalho e superou consideravelmente um aprimoramento profissional. Aprendi sobre resistência, militância e sobre como a objetividade disso tudo é mobilizadora.
Fiquei por muito tempo me perguntando como eu não tinha tido nenhuma aproximação ainda com essa realidade, mesmo sendo nordestina e militante socialista. Não é difícil de entender: a aproximação da esquerda com esse debate se dá a partir de movimentos muitos específicos, ou então em uma perspectiva equivocada de tentar enquadrar a população do campo dentro da produção capitalista sem entender suas especificidades.
Essa negligência em conhecer a realidade campesina e tradicional hoje significa atrasos imensos na formulação da esquerda. Negar o que o acesso às políticas públicas implementadas por governos burgueses, ou de frente popular ocasionaram é fechar os olhos para uma parte considerável da população do país.
O Brasil é um país essencialmente agrário. Mais de 70% da produção de alimentos é feita por agricultores familiares. Isso significa que o abastecimento das cidades depende do campo brasileiro. E quem é a população do campo? Ao que ela tem acesso garantido? Pensar nisso envolve discutir diversos elementos. A seca é um deles.
A população campesina vive do trabalho na terra e a falta de água é um fator determinante. Diversas ondas de saques, ocasionadas pela invisibilização das necessidades dessa população, caracterizaram o nordeste brasileiro por muito tempo. Períodos de longas estiagens são elementos cíclicos dessa região e neles não existe possibilidade para o plantio. Na seca da década de 70, uma das mais lembradas, mais de um milhão de mortes foram registradas, a maioria de crianças mortas por desnutrição. A construção de cisternas, no entanto, demorou a ser providenciada, sendo intensificada apenas na década de 80, em Pernambuco, dentro do governo de Miguel Arraes, na época eleito pelo PMDB.
Até hoje, em diversos lugares, não existe essa possibilidade de captação de água. A garantia de energia elétrica é outro exemplo de negligência ao campo. Foi efetivada ainda depois, na década de 90 a partir do programa “Luz que Produz”, que acabou servindo de modelo para o “Luz para Todos”. Apenas nos anos 2000, dentro dos governos do PT, 90% da população obteve acesso à energia elétrica, tanto em casa, como para produção.
Estamos passando por uma das secas mais longas da história do Brasil entrando no 6º ano de estiagem e, até agora, não foi registrada uma única morte. Programas como o “Bolsa Família” são um dos principais responsáveis por isso.
Admitirmos essa questão, assim como o avanço do alcance dos programas citados anteriormente, ou os de construção de casas de alvenaria, o que reduziu drasticamente o número de pessoas infectadas com a Doença de Chagas, não nos impede de denunciar as limitações dessas políricas.
O PBF, por exemplo, é extremamente restritivo, cheio de condicionalidades que dificultam e impedem muitas vezes o seu acesso, além de camuflar a impossibilidade da sociedade capitalista de garantir o direito ao trabalho, ampliando, assim, a assistencialização da proteção social.
Ao passo que deixamos essa discussão em segundo plano, a população do campo está destinada a sofrer o mais cruel do golpe que produziu o governo Temer. Além de todos esses programas específicos ao campo estarem em risco, elementos como a Reforma da Previdência tem muito mais impacto nessa população.
Temer e os seus estão prestes a garantir, institucionalmente, a morte pelo trabalho, aumentando o tempo de contribuição e jogando no lixo a conquista constitucional da aposentadoria especial, voltada aos trabalhadores do campo.
Mas se enganam os que pensam que não existe resistência e luta. A hora é de aproximação da esquerda com a questão agrária. Vamos à luta derrotar esses ataques e polarizar tanto o que foi insuficiente antes e o que agora se apresenta como a garantia de mais um genocídio à população campesina.
*Iris Pontes é mestranda em Serviço Social, residente de Saúde da Família,com ênfase na Saúde da População do Campo
Foto: Reprodução G1
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