editorial
O novo perfil do trabalho público: o “carreirão”, o produtivismo e o enfraquecimento das lutas coletivas
Parte 2
Publicado em: 12 de novembro de 2025
Imagem: Imprensa ANDES-SN
Dando continuidade à análise iniciada no bloco anterior (A nova reforma administrativa: o arcabouço fiscal dos servidores e a substituição do RJU pelo trabalho temporário), este texto aprofunda a compreensão das transformações impostas pela nova reforma administrativa sobre a organização interna do trabalho público. Se o primeiro bloco evidenciou o avanço da austeridade fiscal e da generalização do trabalho temporário como pilares do desmonte do Regime Jurídico Único (RJU), este segundo momento busca discutir os efeitos subjetivos, profissionais e políticos dessas medidas. A proposta de reestruturação das carreiras, a introdução de mecanismos meritocráticos de avaliação por desempenho e a consequente desarticulação do movimento sindical apontam para a consolidação de um perfil de servidor – genérico, competitivo e mais precário – moldado pela lógica da produtividade e pelo enfraquecimento dos vínculos coletivos que historicamente sustentaram o serviço público como espaço de direitos e de mediação democrática. Assim, recomendamos que o leitor retome o primeiro bloco antes de prosseguir, de modo a compreender a totalidade das mudanças em curso e a articulação entre os eixos orçamentário, jurídico e político da reforma.
1. Do servidor especializado ao trabalhador genérico: o “carreirão” da reforma administrativa
A nova reforma administrativa estabelece um conjunto de medidas sobre a gestão do trabalho público. Incidem sobre as formas de organização das instituições e dos trabalhadores; de contratação; de capacitação; de avaliação; de modalidade da jornada de trabalho e; de responsabilização sobre as condições de trabalho.
A proposta das contratações unificadas, seja pela via dos concursos públicos – cada vez mais limitados – ou pela via do processo seletivo simplificado – ampliação dos trabalhadores temporários – , estão diretamente associados a um outro determinante central da reforma, cujo pilar é resgatado da proposta apresentada por Fernando Henrique Cardoso: a racionalização das carreiras.
O projeto prevê a diminuição do número de carreiras e a simplificação das mesmas, defendendo que o atual modelo é excessivamente fragmentado e ineficiente. No Eixo 3 – Profissionalização, o relatório da Reforma Administra afirma que haverá uma:
[…] redução do número de carreiras, com incentivo à transversalidade e mobilidade das carreiras”, de modo a permitir “a seleção de servidores que possam transitar entre órgãos conforme a demanda institucional, evitando sobreposições”, já que “carreiras menos engessadas permitem concursos mais abrangentes (BRASIL, 2025, p. 186–187)
O intuito é a generalização de cargos genéricos[1] que possam ser apropriados no trabalho das instituições públicas vinculadas à todos os entes federativos, ou seja, União, Estados e Municípios. O que significa, por exemplo, prever um mesmo conjunto de atribuições para trabalhadores da segurança pública estadual à política de educação superior federal. É definir assistentes sociais e contadores como Analistas de Nível Superior. A polivalência, a flexibilidade, a capacidade de adaptação e criatividade frente aos “desafios” apresentados no trabalho ganham aqui um novo instrumento de materialidade nos espaços de trabalho público.
Segundo Pereira e Almeida (2019), as experiências de carreiras genéricas já sinalizam a perda de direitos e condições laborais conquistadas, resultando no processo de intensificação do trabalho. Profissionais que haviam alcançado, por exemplo, a redução da jornada para 30 horas em função das particularidades de sua atividade passam a se enquadrar em um modelo genérico, que desconsidera tais especificidades e retira proteções construídas coletivamente. Essa homogeneização compromete direitos vinculados à insalubridade, à jornada diferenciada e à remuneração por qualificação, além de afetar diretamente os códigos de ética e as regulamentações profissionais, ao dissolver as fronteiras entre diferentes campos de atuação. Ao nosso ver, essa proposta caminha na restrição de direitos, adicionais, incentivos, retribuições, benefícios e vantagens específicas que representam, a cada categoria, conquistas de luta.
Desse modo, a reforma cria um padrão unificado de exploração, retirando os limites e proteções construídos nas lutas de cada categoria. Essa desprofissionalização implica a diluição de seu conteúdo objetivo, esvaziando as atribuições específicas, os requisitos formativos e as competências técnicas que historicamente definiram cada campo profissional. Ao reduzir as carreiras a funções genéricas, intercambiáveis e orientadas por metas de produtividade, a reforma transforma o servidor em um trabalhador polivalente e substituível, fragilizando o reconhecimento social das profissões e comprometendo a qualidade e a continuidade dos serviços públicos prestados à população.
É importante destacar que a reforma prevê a criação de outras normativas, como leis, decretos e portarias, para a adequação das carreiras atuais nesses cargos genéricos e tabelas gerais de remuneração. Trata-se, portanto, de uma proposta que busca aprovar um novo formato de carreira sem oferecer explicações ou detalhamentos, uma vez que sua regulamentação será deixada para medidas posteriores, dificultando o debate público e a transparência sobre seus reais efeitos.
Para os novos servidores a PEC impõe a fixação do salário inicial em até 50% do valor do último nível da carreira, conforme previsto no artigo 39, §1º, inciso V. O que representa, na prática, uma forma de rebaixamento estrutural da remuneração, ao alongar artificialmente o percurso até o topo da carreira e reduzir de imediato a remuneração de ingresso no serviço público. Esse mecanismo de compressão salarial cria um fosso entre as faixas iniciais e finais de remuneração, com efeitos diretos sobre a atratividade dos concursos e sobre a capacidade do Estado de recrutar e reter profissionais qualificados.
Assim, o que se anuncia não é apenas uma reestruturação remuneratória, mas a consolidação de um modelo de carreiras genéricas, voltadas para um trabalhador igualmente genérico e explorável, desprovido de garantias profissionais e de reconhecimento das especificidades técnicas, formativas e éticas que historicamente impuseram limites e condições mínimas de exercício das profissões.
2. Avaliação de desempenho: produtividade, bonificação e fim da estabilidade
Conforme abordamos no texto anterior, a lógica da eficiência e produtividade no trabalho, bases de uma avaliação do trabalhador centralizada na quantificação do resultado e não da qualidade do processo, é apresentada como uma diretriz a ser implementada no serviço público desde de a década de 1990, com a reforma administrativa de Fernando Henrique Cardoso.
Deste período até hoje, foi possível avançar na aplicação de parâmetros de avaliação da gestão do trabalho de empresas privadas em algumas carreiras do Estado. No entanto, a resistência dos trabalhadores conseguiu conter parte desse avanço impondo limites à intensificação. A luta fundamentada na identificação de que o perfil da sua atuação tem como princípio norteador a excelência no atendimento à função pela qual foi contratado e que isso requer, tempo, conhecimento e intervenções/encaminhamentos que nem sempre resultam em indicadores quantificáveis.
O pacote da nova reforma administrativa apresenta uma nova estratégia para efetivar essa transformação por produtividade/resultados na gestão do trabalho público. Indica, apesar de não deixar claro, a substituição das progressões por mérito via avaliação de desempenho, pela bonificação – caso o orçamento permita – por intermédio de uma nova forma de avaliar e organizar o trabalho. No art. 37, inciso XI-A (novo), a PEC inclui o “bônus de resultado”, um pagamento anual variável vinculado ao alcance de metas institucionais e individuais.
Art. 37, XI-A – “Lei poderá instituir bônus de resultado para os agentes públicos em atividade […] desde que não excedidos 90% dos limites de despesa de pessoal, observadas as seguintes regras:
a) existência de acordo de resultados […] com objetivos e metas institucionais avaliadas em ciclos anuais;
b) existência de avaliação periódica de desempenho;
c) pagamento destinado apenas aos agentes públicos em efetivo exercício;
d) limite individual anual de até duas remunerações mensais (quatro para cargos comissionados estratégicos);
e) pagamento anual em parcela única, não incidindo sobre o teto remuneratório.”
O chamado “bônus de resultado” é apresentado como uma medida de incentivo ao aumento da produtividade. O pagamento só poderá ocorrer quando as despesas com pessoal estiverem abaixo de 90% do limite máximo definido pelo art. 169 da Constituição, que é regulamentado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A LRF estabelece que o gasto com pessoal não pode ultrapassar 50% da receita corrente líquida (RCL) no âmbito da União, 60% nos Estados e no Distrito Federal, e 60% nos Municípios, sendo esses percentuais subdivididos entre Poderes e órgãos.
A PEC, entretanto, introduz uma nova trava constitucional: o bônus só pode ser pago se o ente federativo estiver abaixo de 90% desse limite legal. Em termos práticos, isso significa que, se o teto de despesa com pessoal de um Estado é de 60% da RCL, o bônus só poderá ser pago se o gasto efetivo estiver até 54% (90% de 60%). No caso da União, cujo limite é de 50%, o bônus apenas seria permitido se as despesas com pessoal não ultrapassassem 45% da RCL. E nos municípios, com o mesmo teto de 60%, o pagamento só seria possível se as despesas estivessem também até 54%. É preciso destacar que a União, por exemplo, possui um gasto com pessoal já abaixo do determinado na LRF.
Essa regra, válida para União, Estados, Distrito Federal e Municípios, não cria recursos adicionais: o bônus deverá ser pago dentro da própria despesa existente com pessoal, competindo com reajustes, progressões e outros direitos remuneratórios. O dispositivo, portanto, condiciona o pagamento do bônus individual à redução do quadro de servidores e à compressão da folha salarial, já que o gasto precisa diminuir para abrir espaço para a bonificação.
Ademais, o benefício não se estende a todos os servidores, pois o pagamento depende do alcance simultâneo de metas institucionais e de avaliações individuais de desempenho. Mesmo que um órgão atinja os resultados pactuados, o bônus não será concedido de forma universal, destinando-se apenas aos servidores considerados mais produtivos segundo os critérios de avaliação gerencial. Dessa forma, o instrumento reforça a lógica competitiva e hierarquizante no interior do serviço público, estimulando disputas individuais e desarticulando vínculos coletivos de solidariedade entre os trabalhadores. O que se apresenta como política de valorização transforma-se, assim, em um mecanismo de controle e racionalização fiscal, que converte o reconhecimento profissional em prêmio eventual e seletivo, dependente da economia de gastos e da classificação de desempenho, e não em direito decorrente do trabalho público.
Apresentadas sob o paradigma da eficiência, esse discurso mascara um profundo processo de precarização estrutural do serviço público, apoiando-se em uma falsa narrativa que converte um problema de financiamento em um problema de pessoal. A alegação reformista, ao confundir intencionalmente burocracia com ineficiência, cria as bases para legitimar o gerencialismo como norma da gestão estatal. Nesse movimento, promove-se uma campanha de deslegitimação dos servidores que, ao invés de serem vistos como mediadores dos direitos fundamentais, acabam sendo retratados como inimigos do contribuinte. O que se pretende, em última instância, é reduzir os custos de pessoal por meio da intensificação do trabalho individual, exigindo do servidor maior dispêndio “físico, mental e afetivo”, sem, contudo, ampliar as condições materiais de trabalho ou de remuneração. Trata-se de uma racionalidade que aumenta a produtividade à custa da saúde e da sobrecarga dos trabalhadores, transferindo para o corpo e para a subjetividade do servidor o ônus do ajuste fiscal.
É possível identificar outras medidas produtivistas na esfera pública. O Programa de Gestão e Desempenho (PGD)[2] , atualizado no governo Lula, teve a sua gênese construída no governo Bolsonaro no contexto da pandemia, em que o trabalho remoto era uma ferramenta essencial na perspectiva de salvar vidas. Para os defensores do ajuste fiscal e do desinvestimento do Estado nas políticas sociais, uma nova possibilidade – muito comemorada – de redução dos custos do Estado para estas finalidades. No período sinalizado, Paulo Guedes, ex-Ministro da Economia, divulgou dados que exemplificavam essa economia, recorrendo à antiga argumentação de que os trabalhadores do serviço público são onerosos e ineficientes.
O PGD, em implantação em muitas instituições públicas federais, instituiu uma nova forma de organização do trabalho no serviço público, nas palavras do governo: “disciplina o desenvolvimento e a mensuração das atividades realizadas pelos seus participantes, com foco na entrega por resultados e na qualidade dos serviços prestados à sociedade“. Não se restringe a definição de tipos de modalidade (presencial, remota ou híbrida), mas diz respeito a uma mudança geral na gestão do trabalho público. O projeto da reforma administrativa estabelece mudanças às normativas em vigor, ao propor limite ao teletrabalho a um dia por semana, correspondendo a 20% da força de trabalho de cada órgão, além de proibir a participação de servidores que residam fora do município, estado ou país onde está lotado. A proposta prioriza gestantes, lactantes, responsáveis por crianças pequenas ou com deficiência, e vítimas de violência doméstica ou no trabalho, e exige que os servidores em modalidade remota permaneçam disponíveis durante o horário de trabalho oficial da instituição. Além disso, manteve a responsabilidade do trabalhador pela garantia das próprias condições de trabalho quando em trabalho remoto.
No PGD o processo de trabalho se resume à entrega que a unidade e o trabalhador executa. Restringe, particulariza e individualiza o trabalho, ao invés de ampliar, integrar e estimular a interlocução do trabalho entre os setores e entre as pessoas. Atualiza a materialização das transformações do mundo do trabalho em curso: fragmentação, produtividade e responsabilização do trabalhador/colaborador.
Responsabilização que se amplia com a proposta de avaliação de desempenho por bonificação via cumprimento de metas. Presentes no pacote da reforma administrativa, essas duas medidas (PGD e bonificação) trazem mais peso e responsabilização individual ao trabalhador. Este que já é cobrado por um bom desempenho à despeito das condições de trabalho e da organização/subsídio institucional; por se capacitar e qualificar; por executar as suas funções mesmo que com alto risco de acidente de trabalho ou descompromisso ético.
A PEC aprofunda o caminho até aqui percorrido, acrescenta uma nova forma de demissão de servidores públicos, ao prever que a insuficiência de desempenho poderá ensejar a perda do cargo efetivo, conforme critérios que serão definidos posteriormente por lei complementar. Essa mudança altera profundamente a lógica do Regime Jurídico Único (RJU), que garante a estabilidade como mecanismo de proteção contra perseguições políticas, arbitrariedades administrativas e pressões externas sobre o trabalho público. Ao vincular a manutenção do cargo ao desempenho individual e institucional, a PEC introduz um local permanente de instabilidade dentro do RJU, enfraquecendo o princípio da impessoalidade e a autonomia técnica do servidor.
O que está em disputa vai muito além de ajustes administrativos: trata-se da própria redefinição do papel do Estado e do sentido do trabalho público. Nossa posição é que os trabalhadores atuantes na viabilização das políticas públicas precisam ser avaliados, no entanto, a métrica para aferir os resultados almejados é que precisa ser alterada. O foco não deve ser a quantidade, mas a qualidade dos atendimentos. O resultado não deve estar centralizado exclusivamente nos resultados apresentados pelo trabalhador, mas na qualidade de sua atuação profissional durante o processo: das articulações, inovações/aprimoramentos, investigações e encaminhamentos realizados, como um conjunto de resultados frente ao atendimento de determinada demanda/meta.
3. A desarticulação do movimento sindical
As medidas indicadas na nova reforma administrativa colocam em pauta a própria organização das nossas lutas e indicam uma possibilidade de destruição do formato sindical construído no trabalho público nas últimas décadas.
Ademais, as limitações fiscais e gerenciais para os reajustes salariais destacadas nos pontos acima, indicam severos impactos à capacidade de mobilização sindical. O salário dos servidores não é submetido ao mesmo movimento de correção inflacionária previsto aos trabalhadores via a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), pelo qual há uma alteração tendo em vista o valor do salário mínimo vigente. Os reajustes salariais aos servidores públicos são conquistados exclusivamente pelas suas lutas e mobilizações. Representam, portanto, uma das principais frentes de atuação e reivindicação dos sindicatos.
O pacote da reforma administrativa, ao limitar esses reajustes tanto pela via do orçamento de pessoal, quanto pela criação de carreiras genéricas – que também fragiliza os benefícios e vantagens de carreiras específicas -, atinge de modo significativo a razão dos sindicatos. Sendo possível prever uma desarticulação, desmobilização e enfraquecimento das lutas.
Ademais, o modelo de carreiras genéricas, por nós chamado “carreirão”, impõe outros desafios ao movimento sindical e às formas de organização coletiva. Como se organizar em uma estrutura que dissolve as fronteiras entre profissões, cargos e atribuições? Haverá um sindicato único de “carreira ampla”, que representará um conjunto heterogêneo de trabalhadores com formações e realidades distintas? Ou será necessária uma composição sindical paritária, reunindo as diferentes categorias que foram fundidas sob uma mesma denominação genérica? A forma atual de organização sindical continuará a fazer sentido diante desse novo cenário? Essas questões evidenciam o risco de desarticulação da representação sindical, uma vez que o “carreirão” tende a diluir as identidades profissionais.
Ao homogeneizar o trabalho público, a reforma também pode homogeneizar a representação, minando a capacidade de resistência coletiva e dificultando a defesa das pautas específicas que expressam a diversidade e a complexidade do serviço público. Assim, a luta contra o “carreirão” é, ao mesmo tempo, uma luta pela preservação da pluralidade sindical, da autonomia das categorias e do direito de organização dos trabalhadores, sem os quais não há possibilidade real de defesa do Estado como espaço público e democrático.
Outro desafio que se impõe ao movimento sindical é a proliferação do trabalho temporário e precário no interior do Estado. A ampliação dos processos seletivos simplificados e a substituição de concursos públicos por contratos temporários cria um contingente de trabalhadores sem estabilidade, com salários rebaixados e vínculos frágeis, que podem ser encerrados a qualquer momento. Essa condição de instabilidade estrutural dificulta a organização política e sindical, uma vez que o medo da demissão e a alta rotatividade inibem a filiação e a mobilização coletiva. Além disso, o achatamento salarial e a ausência de direitos equivalentes aos dos servidores efetivos produzem uma divisão interna entre trabalhadores, enfraquecendo a solidariedade de classe e reforçando a lógica individualizante da gestão por desempenho. Assim, o crescimento do trabalho temporário no serviço público não é apenas uma forma de redução de custos: é também uma estratégia de desarticulação política, que desmobiliza as lutas coletivas e mina as bases históricas do sindicalismo.
Essa tendência já pode ser observada em diversas experiências municipais, sobretudo nas áreas de assistência social e saúde, onde o Regime Jurídico Único (RJU) vem sendo progressivamente substituído por formas precárias de contratação, muitas delas mediadas por Organizações Sociais (OSs) e fundações privadas. Nessas realidades, o baixo quantitativo de servidores efetivos torna-se insuficiente para exercer qualquer tipo de pressão política ou reivindicação coletiva em defesa da carreira, da valorização salarial e das condições de trabalho.
A pauta dos trabalhadores terceirizados ou subcontratados é de outra natureza: esses profissionais não possuem direito à carreira, estão vinculados pela CLT, recebem salários e benefícios distintos e enfrentam uma dinâmica de luta marcada por atrasos salariais e instabilidade contratual decorrentes das fontes pagadoras e das gestões terceirizadas. Nesses contextos, a própria natureza da luta trabalhista se transforma – deixa de estar centrada na valorização das carreiras e na ampliação de direitos públicos, passando a girar em torno da defesa imediata da sobrevivência e do cumprimento mínimo dos contratos, o que revela o grau de precarização e despolitização que o desmonte do RJU vem impondo ao trabalho no setor público.
Revelados os eixos centrais das transformações previstas para o serviço público, reafirmamos: a reforma administrativa é uma reforma trabalhista! O que está em jogo é a redução dos “custos” do Estado com os trabalhadores que materializam as ações estatais/políticas públicas. O discurso neoliberal/ultraneoliberal se dedica a apresentar argumentos que justifiquem essa economia. O principal deles está na ineficiência do trabalho público e nos “privilégios” alcançados por esses trabalhadores.
No entanto, antes de adentrarmos nas falácias dos algozes do ajuste fiscal, precisamos ressaltar a importância da luta contra esse projeto de nova reforma trabalhista. O avanço de toda reforma administrativa não atinge apenas os servidores, mas o conjunto da sociedade. Cada congelamento, cada corte e cada vínculo precário degradam não só as condições de trabalho, mas também a qualidade e a universalidade dos serviços públicos que garantem direitos básicos à população. O desmonte do trabalho estatal é, ao mesmo tempo, o desmonte das políticas públicas e da presença do Estado nos territórios. Ao fim, o que estamos debatendo e lutando é pelo provimento dos direitos sociais via política pública e pela garantia de direitos para os que trabalham exercendo essa função pública.
Diante desse cenário, torna-se urgente a organização de frentes amplas e unificadas de servidores federais, estaduais e municipais, capazes de articular uma resistência nacional ao projeto de desmonte em curso. A fragmentação das categorias e das esferas de governo favorece a narrativa reformista e enfraquece a defesa do serviço público como bem coletivo. Somente uma unidade de ação entre as diferentes carreiras e níveis de governo, sustentada por uma unidade sindical em prol do RJU dos atuais e futuros servidores públicos, pelos movimentos populares e pelos mandatos parlamentares comprometidos com a pauta do funcionalismo e a defesa do serviço público, poderá enfrentar a ofensiva que ameaça o que ainda resta do serviço público brasileiro.
No próximo texto, analisaremos dados primários e secundários extraídos do Siga Brasil, SIOP e Painel Estatístico de Pessoal, de modo a evidenciar a farsa do servidor custoso e ineficiente, desmentindo o discurso de que o funcionalismo é o responsável pelo desequilíbrio fiscal e demonstrando, com evidências empíricas, o real impacto do gasto com pessoal na estrutura do orçamento público. De modo a instrumentalizar a luta dos companheiros/as/es organizados em prol da defesa do serviço público.
Notas
[1] Em algumas carreiras é possível, inclusive, identificar que esse projeto já está em curso. Ver artigo 131 da Lei 15.141 de 02 de junho de 2025.
[2] Normatizado pelo: Decreto nº 11.072, de 17 de maio de 2022; Instrução Normativa Conjunta SEGES-SGPRT/MGI nº 24, de 28 de julho de 2023; Instrução Normativa Conjunta SGP-SRT-SEGES/MGI nº 52, de 21 de dezembro de 2023 e; Instrução Normativa Conjunta SEGES-SGP-SRT/MGI nº 21, de 16 de julho de 2024.
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