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Algo muda no direito ao aborto legal no Brasil a partir do PDL 3/2025?
Projeto de Decreto Legislativo visa sustar os efeitos da Resolução n° 258, do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), que dispõe sobre o atendimento às vitimas de violência sexual e às situações de aborto legal.
Publicado em: 6 de novembro de 2025
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Coluna Saúde Pública Resiste
Saúde Pública resiste
Uma coluna coletiva, produzida por profissionais da saúde, pesquisadores e estudantes de várias partes do País, voltada ao acompanhamento e debate sobre os ataques contra o SUS e a saúde pública, bem como às lutas de resistência pelo direito à saúde. Inaugurada em 07 de abril de 2022, Dia Mundial de Luta pela Saúde.<br /> <br /> Ana Beatriz Valença: Enfermeira pela UFPE, doutoranda em Saúde Pública pela USP e militante do Afronte!;<br /> <br /> Jorge Henrique: Enfermeiro pela UFPI atuante no DF, especialista em saúde coletiva e mestre em Políticas Públicas pela Fiocruz, integrante da Coletiva SUS DF e presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal;<br /> <br /> Karine Afonseca: Enfermeira no DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB, integrante da Coletiva SUS DF e da Associação Brasileira de Enfermagem, seção DF;<br /> <br /> Lígia Maria: Enfermeira pela ESCS DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB. Também compõe a equipe do Programa de Interrupção Gestacional Prevista em Lei do DF;<br /> <br /> Marcos Filipe: Estudante de Medicina, membro da coordenação da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM), militante do Afronte! e integrante da Coletiva SUS DF;<br /> <br /> Rachel Euflauzino: Estudante de Terapia Ocupacional pela UFRJ e militante do Afronte!;<br /> <br /> Paulo Ribeiro: Técnico em Saúde Pública, mestre em Políticas Públicas e Formação Humana e doutorando em Serviço Social na UFRJ;<br /> <br /> Pedro Costa: Psicólogo e professor de Psicologia na Universidade de Brasília;
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Coluna Saúde Pública Resiste
Saúde Pública resiste
Uma coluna coletiva, produzida por profissionais da saúde, pesquisadores e estudantes de várias partes do País, voltada ao acompanhamento e debate sobre os ataques contra o SUS e a saúde pública, bem como às lutas de resistência pelo direito à saúde. Inaugurada em 07 de abril de 2022, Dia Mundial de Luta pela Saúde.<br /> <br /> Ana Beatriz Valença: Enfermeira pela UFPE, doutoranda em Saúde Pública pela USP e militante do Afronte!;<br /> <br /> Jorge Henrique: Enfermeiro pela UFPI atuante no DF, especialista em saúde coletiva e mestre em Políticas Públicas pela Fiocruz, integrante da Coletiva SUS DF e presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal;<br /> <br /> Karine Afonseca: Enfermeira no DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB, integrante da Coletiva SUS DF e da Associação Brasileira de Enfermagem, seção DF;<br /> <br /> Lígia Maria: Enfermeira pela ESCS DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB. Também compõe a equipe do Programa de Interrupção Gestacional Prevista em Lei do DF;<br /> <br /> Marcos Filipe: Estudante de Medicina, membro da coordenação da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM), militante do Afronte! e integrante da Coletiva SUS DF;<br /> <br /> Rachel Euflauzino: Estudante de Terapia Ocupacional pela UFRJ e militante do Afronte!;<br /> <br /> Paulo Ribeiro: Técnico em Saúde Pública, mestre em Políticas Públicas e Formação Humana e doutorando em Serviço Social na UFRJ;<br /> <br /> Pedro Costa: Psicólogo e professor de Psicologia na Universidade de Brasília;
Chris Tonietto, deputada pelo PL-RJ e autora do PDL 3/2025. Foto: Lula Marques/ Agência Brasil
Por Lígia Maria
A resolução 258 do CONANDA organiza disposições já regulamentadas em leis, portarias, estatutos, diretrizes técnicas em saúde e normativas éticas profissionais para direcionar o devido acolhimento, atendimento, notificação dos casos e seguimento dos cuidados em rede intersetorial de proteção e garantia de direitos, inclusive com comunicação externa à polícia e aos Conselhos Tutelares nos casos aplicáveis. Ao contrário do que dissemina a extrema direita, a normativa não cria novas regras sobre o atendimento às criancas e adolescentes sobreviventes de violências sexuais, tampouco sobre acesso ao aborto legal.
Com a multiplicidade de guias, normas e leis, ter uma resolução que as sintetize para balizar as condutas protetivas e assistivas às crianças e adolescentes é um grande ganho. Melhor ainda pelo fato da Resolução recomendar tanto a educação permanente de profissionais quanto a educação em saúde para segurança sexual e planejamento reprodutivo para crianças e adolescentes.
Por outro lado, o PDL 3/2025, que visa suspender a Resolução 258 do CONANDA, é uma ferramenta da extrema direita para cercear os direitos reprodutivos e fragilizar a proteção de crianças e adolescentes. É uma falácia a argumentação da qual lançam mão Chris Tonietto, Bia Kicis, Luiz Girão e outros de que sua preocupação é a persecução penal contra os ofensores. Ao apontar como equívoco da Resolução 258 a recomendação de que não seja exigido boletim de ocorrência para atendimento em saúde, omitem que esta previsão já consta de outras legislações, como a Lei do Minuto Seguinte (2013), e que se trata de assegurar a inviolabilidade do direito à saúde.
A busca por atendimento em saúde não deve, sob nenhuma hipótese, depender de qualquer ação no âmbito da segurança pública, pois uma é sobre cuidado e a outra, sobre a atuação penal. Não cabe, portanto, a nenhum serviço de saúde condicionar sua atuação às medidas de outra política pública, o que não dispensa a articulação intersetorial com vistas à proteção – sobre o que dispõe o CONANDA.
A realidade é que lavrar boletins de ocorrência consiste, muitas vezes, em grande revitimização para vítimas de violência sexual em qualquer idade, isto porque são constantemente descredibilizadas nos serviços de segurança pública e nas etapas do judiciário. O registro da ocorrência tampouco assegura a persecução penal, menos ainda em tempo oportuno. O objeto da ação da extrema direita é, portanto, inviabilizar o acesso de sobreviventes de violência sexual aos cuidados em saúde.
Para mais, o PDL 3/2025 incorre em outros falseamentos:
1. Acusa o CONANDA de submeter obrigatoriamente a criança ou adolescente ao procedimento de aborto:
Na verdade, a Resolução prevê em seu texto que todas as alternativas sejam apresentadas, sem hierarquia ou juízo de valor, para uma tomada de decisão autônoma. Quando chega a uma unidade de saúde especializada em aborto legal, a pessoa sob cuidados é cientificada sobre o direito a manter a gestação para vinculação familiar ou para entrega à adoção, além da possibilidade de interrupção da gravidez. A partir das orientações, oportuniza-se uma decisão informada.
Ao se referir aos responsáveis legais, o CONANDA recomenda que os dispositivos do sistema de proteção e garantia de direitos lancem mão do judiciário para responder pela criança quando há inviabilidade de dissolução de conflitos decisórios ou quando a participação de responsáveis legais representa risco em vez de proteção. Na prática, isto significa atuar para que se garanta a decisão da criança ou adolescente e para que estejam protegidas quando vítimas de violências intrafamiliares.
A maior importância disso no cotidiano da assistência à saúde se dá, por exemplo, nos casos em que o autor da violência sexual é um familiar ou o próprio responsável legal. Enquanto o CONANDA preza pela proteção, a extrema direita atua para que ofensores sexuais intrafamiliares estejam impunes e crianças e adolescentes grávidas em decorrência do estupro de vulnerável sigam submetidas ao risco de reincidência de violências e aos riscos acarretados pela gravidez precoce.
2. A extrema direita atribui à Resolução CONANDA a permissão de que a interrupção gestacional seja feita a qualquer tempo
Entretanto, esta é uma disposição legal brasileira. O Código Penal Brasileiro, Decreto-Lei que dispõe sobre o excludente de ilicitude para o abortamento no Brasil, não estabelece nenhum limite de idade gestacional.
A barreira é imposta por um grave equívoco do Ministério da Saúde, que, em uma Norma Técnica – portanto, um dispositivo infralegal – atribui à interrupção voluntária da gravidez o conceito de abortamento espontâneo. Este, por sua vez, é definido como a finalização da gestação de maneira fisiológica até 22 semanas; ao passo que uma interrupção gestacional voluntária se define, de acordo com a OMS, por condutas ativas que visem interromper a gravidez para que não resulte em um nascido vivo.
A ausência de limitação de idade gestacional na regulamentação legal é importante para dar atenção às pessoas mais vulneráveis: crianças, adolescentes e jovens, sobretudo negras, que residem em periferias urbanas ou zonas rurais e atravessam barreiras de acesso substanciais para acessar serviços de saúde, chegando, muitas vezes, em tempos gestacionais avançados nas unidades especializadas. São essas pessoas que a extrema direita vulnerabiliza ainda mais e mantém em situações de risco biológico, psicológico e social.
3. O PDL 3/2025, em sua justificativa, afirma que o CONANDA interfere no direito dos profissionais à objeção de consciência
Na realidade, o Conselho reafirma este direito, em um sentido de equilíbrio entre os direitos profissionais e os direitos das pessoas sob cuidados.
Se há algo em que se vê verdade no PDL 3/2025 é na maneira como sistematiza o status criminalizado do aborto no Brasil, onde não há, efetivamente, um direito, mas um excludente de ilicitude que afirma que as mulheres que buscam os cuidados em saúde reprodutiva para a interrupção de uma gravidez seguem cometendo um crime, mas não serão punidas. Este é o pano de fundo para a manutenção da penalização social das meninas, mulheres e outras pessoas que gestam as quais recorrem aos cuidados reprodutivos em saúde para abortamento, o que se recrudesce com o fundamentalismo religioso e o conservadorismo social, numa perspectiva de manutenção de dominação e poder de gênero, raça e classe.
A incidência da extrema direita sobre a Resolução 258 chama atenção para a omissão do Estado brasileiro diante da necessidade urgente de progredir o estatuto legal dos direitos reprodutivos no País, fazendo do abortamento seguro um direito no âmbito sanitário e não apenas uma exceção. Em uma conjuntura de ascenso e atuação intensa do neofascismo, sabe-se que não se trata de um avanço simples, porém se reconhece, ainda, os poros para progressos em âmbito menor que poderiam colaborar para cuidados mais efetivos e dignos às pessoas em situação de abortamento.
A ausência do Ministério da Saúde no que diz respeito à atualização das normativas técnicas deixa o espaço aberto para o questionamento à assertividade dos procedimentos e para a insegurança jurídica das práticas profissionais das categorias que compõem as equipes multiprofissionais dos serviços especializados de interrupção gestacional prevista em lei. Estabelece-se a relação, dessa forma, entre a ausência e a omissão, por um lado, e a orientação do governo federal para que os representantes do governo no CONANDA votassem contra a Resolução.
Ante a este cenário, são as meninas, mulheres e outras pessoas que gestam, junto aos movimentos sociais e aos profissionais de saúde, que ficam com a tarefa de desmentir os falseamentos da extrema direita sobre instrumentos normativos que colaboram com a proteção e a garantia de direitos, sobretudo dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos para crianças e adolescentes; de organizar e manter serviços de saúde que atendam dignamente as pessoas com necessidades de saúde reprodutiva; de promover educação permanente para profissionais de saúde a fim de qualificar o cuidado.
Mais latente está a tarefa de mitigar o pânico: o PDL 3/2025 não modifica nada em relação à lei e às diretrizes técnicas vigentes sobre o atendimento às sobreviventes de violência sexual e às situações de aborto previsto em lei. Profissionais de saúde seguem podendo – e devendo – acolher, atender, avaliar a adequabilidade aos permissivos legais com humanização, imparcialidade, técnica e segurança, notificar o sistema de saúde sobre os casos de violência sexual, realizar os procedimentos de interrupção gestacional quando for o desejo de sobreviventes de violência sexual, gestantes em risco de vida e gestantes de fetos em condições incompatíveis com a vida, e articular a rede intersetorial para a continuidade do cuidado de forma integral.
Enquanto o trabalho segue, é necessário fortalecer a campanha Criança não é Mãe, junto aos mandatos feministas, aos movimentos sociais, aos coletivos de profissionais de saúde para tensionar o Senado, prezando pela vigência da Resolução 258 e pela proteção das atividades do CONANDA enquanto ferramenta de promoção da dignidade de crianças e adolescentes.
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