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Reforma Administrativa esconde ataque à paridade entre os ativos e os aposentados
Publicado em: 21 de outubro de 2025
Crédito: Richard Silva/PCdoB na Câmara
O Grupo de Trabalho da Contrarreforma Administrativa está alicerçado em uma contrarreforma longa e permanente, cujos marcos mais recentes, no âmbito da austeridade neoliberal (Mattei, 2023) são: Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000/ LC 200/2023) que, entre outras restrições, cindiu o orçamento em despesas primárias e financeiras; o Plano Diretor da Reforma do Estado; a EC-19 (Reforma Administrativa); a EC-20 (Reforma da Previdência); EC-41 (Reforma do Regime Próprio da Previdência), EC 95 (Teto de Gastos), EC 103/2019 (Reforma da Previdência), PEC 32/2020 (Projeto de Lei da Reforma Administrativa, Bolsonaro), Regime Fiscal Sustentável-RFS (PLP 93/LC 200/2023), e as medidas do referido GT, expressas em mudanças constitucionais e legislações infraconstitucionais.
Essas diretrizes resultam da aliança da direita neoliberal (Deputado Pedro Paulo -PSD/RJ), em “nome do mercado”, isto é, dos que manejam os títulos da dívida, com os neoliberais de extrema-direita (Deputado José Trovão-PL/SC), objetivando enfraquecer o serviço público no bojo da guerra cultural presente na PEC 32/2020. A linha de continuidade entre elas é a austeridade neoliberal e, particularmente, a continuidade do Regime Fiscal Sustentável.
Nesse prisma, o aparente alheamento do governo Federal oculta a admissão de que a manutenção do RFS precisa atacar as despesas obrigatórias, notadamente previdenciárias e com o funcionalismo, visto que não há mais margem para cortes nas despesas discricionárias. Frente ao quadro de que as grandes fortunas dificilmente serão taxadas de modo fortemente progressivo e de que as generosas isenções tributárias ao grande capital não serão enfrentadas, o governo está ciente de que não haverá receitas adicionais para assegurar as metas do RFS. Desse modo, há concordância da área econômica de que a redução dos gastos primários obrigatórios incidirá sobre o trabalho dos servidores, sobre a previdência social e sobre gastos não prioritários, como as verbas discricionárias das universidades federais, ainda em padrão Bolsonaro. A pressão do “mercado” para efetivar a desvinculação das verbas da educação e da saúde, tema que vem sendo discutido nos ministérios do Planejamento e da Fazenda, certamente não será acolhida em ano pré-eleitoral.
O presente texto não examinará o evidente intento da precarização das formas de contratação que perpassa a totalidade das medidas do GT; o uso coercitivo da avaliação de desempenho; as aberturas às parcerias público-privadas e às terceirizações nefastas. Esses temas foram indicados no Parecer do Andes-SN e por mandatos parlamentares.
Este texto apresenta uma hipótese: a instauração de novas carreiras agregadas para todo o serviço público federal tem como desdobramento um novo ataque à paridade entre ativos e aposentados, incidindo imediatamente sobre as gerações em vias de aposentadoria e as já aposentadas. Com a carreira “agregada” haverá uma desconexão com a carreira estabelecida na lei 12.772/2012 e, com isso, será possível a criação de níveis adicionais na nova carreira dissociados do “teto” atual: o professor titular. Desse modo, a pretensa segurança dos docentes que alcançaram o “topo” da carreira irá ruir em decorrência da possibilidade de uma nova carreira agregada que pode conter outros níveis, relegando a remuneração dos professores titulares à uma condição semelhante à verificada com os Adjuntos IV no contexto da carreira de 2012. A carreira de 2012, ao ignorar o reposicionamento, relegou os docentes que estavam, então, no topo da carreira, a um novo lugar no piso da carreira de 2012.
A (contra) reforma objetiva também desmanchar os sindicatos dos trabalhadores do funcionalismo federal. Ao extinguir as carreiras existentes e criar as carreiras agregadas, os sindicatos perderão “causas” muito poderosas: as carreiras vinculadas a um determinado serviço público, educação, saúde, cultura, meio ambiente etc. Um agravante adicional é a criação de um centro de poder sobre as carreiras (Conselho de Política de Administração e Remuneração de Pessoal-COPAR)1 dissociado dos ministérios aos quais os órgãos públicos estão vinculados. Assim, a razão de ser de sindicatos como o Andes-SN, a Fasubra e o Sinasefe, por exemplo, será profundamente alterada, resultando no enfraquecimento de entidades que estão na linha de frente da defesa do serviço público e, especificamente, das universidades federais e dos institutos federais de educação tecnológica, categorias que vêm mantendo autonomia e combatividade ao longo dos anos.
Bases do Ataque aos Direitos Previdenciários
Como resultado de um dos maiores ascensos das classes trabalhadoras, o texto original da Constituição de 1988 estabeleceu (art. 40) que, no serviço público, os proventos da aposentadoria serão revistos, na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos inativos quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria. Desse modo, mudanças na carreira teriam de ser asseguradas para os aposentados e pensionistas.
Entretanto, essa conquista constitucional foi desfeita pela Reforma do Estado iniciada por FHC e, de modo específico para os servidores públicos, na contrarreforma do regime próprio da previdência no primeiro governo Lula (EC 41/2003). A EC 41 criou a contribuição de aposentados e pensionistas, tornou a aposentadoria por invalidez proporcional ao tempo de serviço, acabou com a paridade e reduziu os valores das pensões por morte. Por meio de lei ordinária, a lei do Funpresp2, os futuros servidores com salário superior ao teto do RGPS (Estabelecido pela EC 20/98) poderiam contar com um regime de previdência complementar, por meio da capitalização, com contribuição definida. Com a contrarreforma de 2003, se instaurou, por conseguinte, a ruptura da solidariedade entre os servidores que ingressaram antes da EC 41 e os futuros docentes – institucionalizada a ruptura ativos e aposentados.
No entanto, restava um grande problema para a austeridade neoliberal, o estoque de professores já aposentados, muitos deles para se protegerem de futuras reformas, como as de FHC e Lula. Com apoio de setores sindicais pelegos, após árdua greve, o governo logrou aprovar a Lei 12.772/2012 que asseguraria benefícios para os docentes na ativa (sobretudo a promoção para titular, no lugar do antigo concurso público), contudo, em detrimento dos docentes já aposentados.
O posicionamento dos aposentados e dos pensionistas nas tabelas remuneratórias constantes dos […] desta Lei, respectivamente, será referenciado à situação em que o servidor se encontrava na data da aposentadoria ou em que se originou a pensão, respeitadas as alterações relativas a posicionamentos decorrentes de legislação específica.”
A carreira de 2012 promoveu uma ruptura com as gerações que conquistaram a carreira (PUCRCE), o regime de Dedicação Exclusiva e a própria Constituição Federal. No âmbito do sindicalismo, ficou evidente que havia setores pelegos dispostos a negociar benefícios para os docentes em atividade, em detrimento dos já aposentados e dos futuros aposentados, como ocorreu em 2003. Desse modo, o GT da contrarreforma administrativa, ao propor as carreiras agregadas, está trabalhando com a “jurisprudência” das contrarreformas da previdência anteriores que estabelecem que mudanças na carreira não alteram a situação em que o servidor se encontrava na data de aposentadoria.
Bases que podem corroborar o cenário de quebra da paridade entre os ativos e os aposentados na Reforma Administrativa
A (contra)reforma administrativa envolve mudanças constitucionais, entre as quais, a prerrogativa da União para legislar sobre (art.22):
Art. 22. XXXII – normas gerais sobre o ciclo laboral da gestão de pessoas nas administrações públicas direta e indireta de qualquer dos Poderes e Órgãos autônomos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, inclusive quanto ao planejamento e organização da força de trabalho, à estruturação de carreiras, (…), às políticas de remuneração e de benefícios, à avaliação de desempenho e reconhecimento por resultados.
Art. 37. XXIII – aos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos das administrações públicas direta e indireta, aos membros de qualquer dos Poderes e Órgãos autônomos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos detentores de mandato eletivo e aos demais agentes políticos são vedados:
l) extensão de qualquer direito, benefício ou vantagem específica de uma carreira a outra sob alegação de simetria constitucional e paridade entre carreiras.
“Art. 39. § 1º A fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará: IV – previsão de, no mínimo, vinte níveis para o alcance do nível final da carreira, com interstício mínimo de um ano entre cada progressão ou promoção;
Disposições Transitórias. Art. 3o – A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo máximo de quarenta e oito meses contados da data da promulgação desta Emenda Constitucional, deverão implementar as seguintes medidas de gestão de pessoal:
II – reestruturação do quadro de pessoal, mediante eliminação de sobreposições de atribuições e reorganização das carreiras, com a priorização de carreiras transversais aptas a atuar em diversos órgãos e entidades, (…) devendo a definição dos respectivos níveis remuneratórios na tabela remuneratória única considerar o grau de complexidade das atribuições.
Conclusão das propostas de mudanças na Constituição
A estrutura da nova carreira da educação federal (carreira agregada ou transversal) deverá possuir, pelo menos, 20 níveis, e a progressão envolverá novas métricas de avaliação considerando metas etc. Supondo que os atuais professores titulares em atividade estejam, por exemplo, em um lugar equivalente ao 15o nível, a garantia da paridade para os titulares aposentados terá se perdido. Foi isso, como exposto, que aconteceu com os docentes que se aposentaram antes da lei 12.772/2012.
A contrarreforma é expressa quanto a impossibilidade de transposição de direito, benefício ou vantagem específica de uma carreira a outra sob alegação de simetria constitucional e paridade entre carreiras. Isso significa, concretamente, que a nova carreira anunciada está dissociada das carreiras já existentes. Apenas os níveis remuneratórios serão definidos em lei, o que pressupõe que não haverá correspondência entre as carreiras atuais e a nova carreira.
Essas medidas apontadas nas mudanças Constitucionais serão objeto de um Projeto de Lei Parlamentar que irá instituir o marco legal da administração pública brasileira, para:
Art. 1- II – estruturação de carreiras;
Art. 8º- III – organização das carreiras em grupos com atribuições semelhantes, no âmbito de cada Poder ou órgão autônomo;
Art. 9º O Poder Executivo de cada ente federativo organizará suas carreiras em Grupos de Carreiras, utilizando metodologia que considere, dentre outros elementos, a natureza, a complexidade, o nível de responsabilidade e os requisitos de formação dos cargos.
§ 1º A metodologia de classificação e a alocação das carreiras nos respectivos grupos serão definidas por lei ou, quando delegada, por ato normativo do Chefe do Poder Executivo.
Art. 12. O desenvolvimento do servidor na carreira será orientado por critérios objetivos que combinem mérito e tempo de serviço, vedada a progressão baseada exclusivamente no interstício temporal.
§ 2º Os planos de carreira deverão prever período mínimo de vinte anos para o alcance do nível final da carreira, com interstício mínimo de um ano entre cada progressão ou promoção.
Art. 15. Cada ente da Federação instituirá, no período máximo de 10 (dez) anos a contar da publicação desta Lei, tabela remuneratória única, aplicável a todos os cargos, empregos e funções públicas.
§ 1º Lei de iniciativa de cada Poder disporá sobre o enquadramento de seus respectivos cargos, empregos e funções nos níveis remuneratórios dispostos na tabela remuneratória única.
Conclusões
O PLP define a competência da União para reestruturar as carreiras do serviço público federal, estabelece a agregação das carreiras existentes em grupos por “afinidade” de atividades fins e possibilidade de transversalidades (grupos de carreira), em no máximo 48 meses. Não há dúvida de que o foco da reforma é a instauração de novas carreiras – grosso modo, uma para as tais carreiras típicas de Estado, outra para a massa do funcionalismo, ao mesmo tempo em que irá criar bases para a proliferação de contratos precários. As diretrizes das novas carreiras poderão ser, quando delegadas, do chefe do poder Executivo. No governo Bolsonaro, por exemplo, seria ele a definir os balizamentos.
As carreiras terão pelo menos 20 níveis, todos por avaliação de desempenho a partir de indicadores de desempenho. Em dez anos, haverá uma harmonização de todas as carreiras agrupadas em uma única tabela de remuneração. As negociações de melhorias salariais terão como lócus não os ministérios específicos, mas o Conselho de Política de Administração e Remuneração de Pessoal (COPAR), constituído por tecnocratas, o que afetará a função dos sindicatos, exigindo, possivelmente, reorganizações das formas de lutas. O cenário da desvinculação das atuais carreiras e estruturas remuneratórias em relação às novas carreiras agrupadas está expressamente exposta nas mudanças constitucionais e no PLP.
Por isso, um dos focos axiais das lutas pra enfrentar a contrarreforma administrativa terá de ser a paridade ativos e aposentados. É crucial que todos os docentes, técnicos e administrativos – já aposentados ou não – lutem fortemente contra a reforma administrativa. Nas universidades, os servidores perderão os últimos resquícios da paridade – já perdida, com contribuição dos pelegos e aliados, com as contrarreformas de 2003, com a criação do Funpresp, e com a carreira de 2012 que prejudicou severamente os já aposentados. O tema da organização sindical igualmente terá de estar no centro dos debates visto ser um dos grandes objetivos da aliança da extrema-direita com a direita que representa os interesses do Estado Maior do Capital.
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PLP – (Dep.Pedro Paulo e outros) Art. 16. Fica instituído o Conselho de Política de Administração e Remuneração de Pessoal (COPAR), órgão colegiado de caráter consultivo, no âmbito da União (…) Art. 17. Compete ao COPAR: I – realizar estudos técnicos sobre a evolução remuneratória no setor público e privado; II – propor diretrizes para a fixação e a estrutura das tabelas remuneratórias; III – emitir parecer técnico sobre propostas de reestruturação de carreira que impliquem impacto orçamentário; IV – sugerir, com base em critérios de sustentabilidade fiscal, inflação, mercado de trabalho e variação do Produto Interno Bruto (PIB), percentuais de reajuste para o serviço público federal e para a tabela única remuneratória federal, quando instituída; V – emitir parecer técnico sobre propostas de alteração no quantitativo de cargos efetivos;VI – outras competências definidas em ato do Poder Executivo.
- Lei 12.618, de 30 de abril de 2012- institui Funpresp – Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo (Funpresp-Exe).
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