juventude

UFC deve revogar títulos de Doutor Honoris Causa de figuras da Ditadura!


Publicado em: 29 de abril de 2025

Juventude

Leandro Rodrigues e Natan Ribeiro, do Afronte Ceará

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

Juventude

Leandro Rodrigues e Natan Ribeiro, do Afronte Ceará

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

Compartilhe:

Foto: Viktor Braga/UFC

Ouça agora a Notícia:

Na disputa pelo futuro, é impossível ignorar os sinais deixados no presente — e, sobretudo, as marcas do passado que insistem em permanecer nos símbolos, nas homenagens, nas estátuas e nos títulos que ocupam lugares de prestígio em nossas instituições. Um desses exemplos é a Universidade Federal do Ceará (UFC), que carrega entre os nomes de seus homenageados como doutores honoris causa figuras ligadas diretamente à ditadura militar, ao eugenismo e ao autoritarismo político.

Diversas universidades brasileiras têm tomado medidas para revogar títulos de Doutor Honoris Causa concedidos a figuras associadas à ditadura militar, como forma de promover a justiça histórica e reafirmar os valores democráticos. A Universidade Federal do Paraná (UFPR) revogou, em 2024, os títulos concedidos aos ex-presidentes Humberto de Alencar Castelo Branco, Artur da Costa e Silva e Ernesto Geisel. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) também revogou, em 2021, o título concedido ao coronel Jarbas Passarinho. Em 2022, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) cassou os títulos de Doutor Honoris Causa concedidos aos ex-presidentes Arthur da Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici. A Universidade Federal de Pelotas (UFPel) seguiu o mesmo caminho, revogando, em 2024, os títulos concedidos a Médici e Passarinho. Em 2025, a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) cassou os títulos de Doutor Honoris Causa concedidos aos ex-presidentes Emílio Garrastazu Médici e Humberto de Alencar Castelo Branco, bem como ao ministro da Educação Rubem Carlos Ludwig. Mais recentemente a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) também seguiu esse exemplo e revogou os títulos de Castelo Branco e Médici. Essas ações refletem um movimento crescente nas instituições de ensino superior do Brasil em revisar e corrigir homenagens que não condizem com os princípios democráticos e os direitos humanos.

É necessário perguntar: quem estamos exaltando como exemplo? E mais ainda: essas pessoas merecem lugar de honra na sociedade do futuro?

Tomemos como ponto de partida a homenagem da UFC a Humberto de Alencar Castelo Branco (título concedido em 25 de junho de 1964), o primeiro presidente da ditadura militar (1964-1967), responsável pela institucionalização da repressão, da censura e da perseguição política. Enquanto universidades citadas acima já revogaram títulos semelhantes em um processo de reparação histórica, a UFC segue silenciosa — ou pior: cúmplice.

Castelo Branco: a institucionalização da violência de Estado

Humberto de Alencar Castelo Branco foi o primeiro presidente do regime militar instaurado pelo golpe de 1964. Sua gestão, entre 1964 e 1967, foi fundamental para a consolidação da ditadura, não apenas como transição autoritária, mas como projeto de longo prazo de supressão das liberdades democráticas. Ele foi o responsável pela promulgação do Ato Institucional nº 2 (AI-2), em 1965, que extinguiu os partidos políticos e centralizou ainda mais o poder nas mãos do Executivo. Ele também sancionou a Lei de Imprensa e a Lei de Segurança Nacional, instrumentos utilizados para criminalizar opositores políticos, jornalistas, estudantes e sindicalistas.

Sob sua presidência, ocorreram:

  • As primeiras cassações em massa de mandatos parlamentares e a aposentadoria compulsória de juízes, professores e servidores públicos.
  • A prisão, tortura e perseguição de estudantes, inclusive em universidades federais.
  • A construção da arquitetura legal da repressão, que viria a se intensificar com o AI-5 (1968), mas que teve em Castelo Branco o seu alicerce jurídico e político.

Castelo Branco não foi um moderado, como alguns tentam pintar. Ele legitimou e estruturou o aparelho de repressão que sustentou duas décadas de autoritarismo, censura e violência de Estado. Seu título de doutor honoris causa na UFC representa uma glorificação inaceitável de um dos principais responsáveis pela destruição da ordem democrática no Brasil.

Em tempos de reconstrução democrática e justiça histórica, manter essa honraria ativa é desonrar as vítimas da ditadura, os estudantes perseguidos e a própria memória da Universidade como espaço de liberdade e pensamento crítico.

Mas Castelo Branco não está só. Outros nomes que constam na lista de homenageados pela UFC incluem:

Foto: Integralistas prestam homenagens a Gustavo Barroso em seu mausoléu, na cidade de Fortaleza (CE)

Gustavo Barroso (título concedido em 29 de setembro de 1959), eugenista, racista declarado e teórico do integralismo brasileiro — o movimento fascista nacional. Barroso não apenas defendia ideias de supremacia racial como também tem uma estátua em sua homenagem no Centro de Fortaleza, reverenciada até hoje por grupos integralistas.

Lincoln Gordon (título concedido em 02 de junho de 1965), foi embaixador dos Estados Unidos no Brasil entre 1961 e 1966 e desempenhou papel crucial no apoio ao golpe militar de 1964. Documentos revelam que, dias antes do golpe, Gordon solicitou ao governo americano medidas para fornecer armas clandestinas aos apoiadores de Castelo Branco em São Paulo, além de preparar uma possível intervenção militar direta. Ele também foi um dos articuladores da Operação Brother Sam, que previa apoio logístico e militar ao golpe, incluindo o envio de navios petroleiros e aviões militares.

Virgílio Távora (título concedido em 8 de dezembro de 1966), César Cals (título concedido em 12 de agosto de 1974) e José Adauto Bezerra (13 de dezembro de 1977), os “coronéis” que governaram o Ceará durante os anos de chumbo, operando a máquina da ditadura em nível estadual com mão de ferro e servindo aos interesses do regime.

Tarso de Morais Dutra (condecorado em 5 de janeiro de 1968). Como Ministro da Educação durante a ditadura, Dutra foi responsável por implementar políticas alinhadas ao regime, incluindo a obrigatoriedade da disciplina de Educação Moral e Cívica nas escolas. Ele também assinou convênios com a USAID, que influenciaram a estrutura educacional brasileira conforme os interesses dos Estados Unidos.

Jarbas Passarinho (condecorado em 24 de julho de 1970). Ministro do Trabalho e da Educação durante o regime militar, Passarinho foi um dos principais defensores do Ato Institucional nº 5 (AI-5), que intensificou a repressão no país. Sua célebre frase “Às favas, senhor presidente, todos os escrúpulos de consciência” simboliza sua postura autoritária. Em 2021, a Unicamp revogou o título honorífico concedido a ele, reconhecendo seu papel na repressão.

Roberto Marinho (condecorado em 7 de março de 1985). Fundador das Organizações Globo, Marinho apoiou abertamente o golpe de 1964 e o regime militar subsequente. Ele utilizou seus veículos de comunicação para legitimar o governo autoritário e censurar opositores. Em 2013, a Globo reconheceu que seu apoio à ditadura foi um erro.

Jorge Alberto Vieira Studart Gomes (Beto Studart – condecorado em 23 de fevereiro de 2022), empresário bolsonarista que recebeu a honraria durante a intervenção federal na UFC, em um dos momentos mais sombrios da autonomia universitária, marcada por ataques à democracia e ao pensamento crítico.

Essas homenagens não são neutras. Elas dizem muito sobre os valores que a universidade deseja perpetuar. Ao manter esses títulos, a UFC contribui para a normalização da violência política, do racismo e do autoritarismo. Pior: passa a mensagem de que esses comportamentos merecem ser reverenciados — uma ideia absolutamente incompatível com os princípios democráticos, científicos e sociais que uma universidade pública deve cultivar.

Do golpe de 64 ao golpe frustrado de 8 de janeiro: o fio da extrema-direita

O silêncio da UFC diante desses títulos não é apenas um erro histórico — é também um risco presente. Não há como dissociar a permanência dessas homenagens ao avanço do discurso autoritário da extrema-direita que, nos últimos anos, chegou ao seu ápice com a tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023.

Ali, vimos não só a invasão e destruição das sedes dos Três Poderes, mas o desejo explícito de assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes. Um atentado à democracia tramado por setores que reverenciam a ditadura, o AI-5 e os generais que a UFC ainda homenageia.

Hoje, parte da elite política e econômica tenta impor um novo pacto de esquecimento — uma anistia aos golpistas, como se fosse possível virar a página sem ler o conteúdo. Mas sabemos onde isso leva: ao reaparecimento dos fantasmas do autoritarismo, ao fortalecimento das milícias ideológicas e à legitimação do ódio como ferramenta política.

É justamente por isso que o debate sobre os títulos honoris causa na UFC não é simbólico — é urgente. Não podemos permitir que as universidades públicas sejam vitrines para homenagens a figuras que, ontem e hoje, atentam contra a liberdade, a diversidade e a democracia.

A sociedade do futuro exige memória crítica, justiça histórica e compromisso com a democracia. Se queremos construir um mundo mais justo, plural e livre, precisamos começar pelas instituições que formam e educam as próximas gerações. A UFC precisa dar esse passo. A hora é agora.

Memória que inspira: as homenagens que nos orgulham

Apesar das distorções que ainda precisam ser corrigidas, a Universidade Federal do Ceará também carrega em sua trajetória homenagens que são motivo de orgulho — nomes que nos inspiram e apontam caminhos de resistência, cultura e transformação social.

A mais recente delas foi o título concedido à Maria da Penha Maia Fernandes, símbolo da luta contra a violência doméstica e responsável por uma das legislações mais importantes do país em defesa das mulheres. Ao homenagear Maria da Penha, a UFC reafirma seu compromisso com a justiça e os direitos humanos.

Outros nomes também se destacam nessa galeria:

Rodolfo Marcos Teófilo, farmacêutico, escritor e sanitarista cearense que dedicou sua vida à saúde pública, enfrentando epidemias e a negligência do Estado com coragem e generosidade.

Jorge Amado, cuja obra deu voz aos marginalizados e denunciou injustiças sociais com lirismo e contundência.

Ariano Suassuna, que celebrou a cultura popular nordestina e defendeu a arte como resistência.

Rachel de Queiroz, primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, cuja importância literária é inegável, apesar de suas contradições políticas.

Maria Bethânia Viana Teles Veloso, artista gigante que levou a cultura brasileira ao mundo e sempre se manteve ao lado das lutas do povo.

Essas homenagens mostram que é possível — e necessário — construir uma memória institucional que valorize quem ampliou os horizontes da liberdade, da arte e da justiça. Mas talvez nenhum nome simbolize melhor essa urgência de rever o passado e reescrever o futuro do que o de Bergson Gurjão Farias.

Bergson vive: o estudante que virou símbolo da resistência

Bergson era estudante de Filosofia da UFC. Tinha apenas 25 anos quando foi assassinado pelos militares em 1972, em Recife, durante uma emboscada. Militante da Ação Popular (AP), ele foi perseguido e executado pelo regime enquanto lutava por um Brasil mais justo e democrático.

Décadas depois, seu corpo foi velado na Concha Acústica da UFC, em um momento histórico de reparação simbólica, que contou com a presença de familiares, ex-companheiros de luta e comunidade acadêmica. Em 2024, a própria Concha foi oficialmente nomeada Concha Acústica Bergson Gurjão Farias — uma justa homenagem ao estudante mártir da ditadura.

No entanto, em pouco tempo, a decisão foi lamentavelmente revogada por pressão da extrema-direita, sob o argumento de “despolitizar os espaços públicos” — uma contradição grotesca, já que o que está em disputa não é política partidária, mas memória, justiça e verdade.

É hora de reparar essa injustiça. Bergson não só merece ter seu nome mantido na Concha Acústica: merece também ser reconhecido como doutor honoris causa da UFC, como símbolo máximo da resistência estudantil e do preço pago por tantos jovens assassinados por sonharem com liberdade.

Enquanto figuras da repressão ainda são homenageadas, aqueles que tombaram lutando pela democracia seguem invisibilizados. Isso precisa mudar.

Uma universidade do futuro exige memória justa e coerente com seus princípios.

Valorizar Maria da Penha, Jorge Amado, Suassuna, Bethânia e tantos outros é um caminho. Reconhecer Bergson como doutor honoris causa é outro passo fundamental. E retirar o título de quem representou a morte, a censura e a opressão é parte do mesmo processo.

Chegou a hora de escolher: quem merece lugar na sociedade do futuro?

Leandro Rodrigues é membro do DCE UFC; Natan Ribeiro é da Coordenação Nacional do Afronte!


Contribua com a Esquerda Online

Faça a sua contribuição