colunistas

A dupla importância do Oscar para ‘Ainda estou aqui’


Publicado em: 5 de março de 2025

Colunistas

Coluna Romero Venâncio

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

Colunistas

Coluna Romero Venâncio

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

Compartilhe:

Ouça agora a Notícia:

Independentemente das polêmicas ou dos limites políticos ou estéticos do filme Ainda estou aqui, o Oscar de melhor filme estrangeiro/internacional veio em boa hora. As polêmicas ocorreram nas redes digitais e algumas foram sérias e nos ajudaram a pensar no real valor do filme. De Chavoso da USP a Jones Manoel; de Marcelo Ikeda a Wesley P. de Castro, o filme virou uma boa polêmica nas redes. Acompanhei todas essas e participei até certo ponto. Mas reconheço uma coisa: as polêmicas não apagaram em nada a importância do filme e nem os autores da polêmica queriam isto.

A vitória no Oscar só não foi completa porque Fernanda Torres não ganhou a estatueta de melhor atriz. Merecida, inclusive. A atriz é a peça chave do filme. Interpretação singular. Não ganhou. Uma pena. Mas o filme tornou-se o melhor filme estrangeiro/internacional neste 2025. E isto é importante. Na América Latina, a Argentina ja levou mais de um vez o prêmio; o Chile já ganhou também. Cuba não ganhou esse titulo pelas razões políticas de sempre. Por exemplo, em 1969 o genial “Memória do subdesenvolvimento” (Tomás Gutiérrez Alea) ganharia tranquilamente o titulo de melhor filme estrangeiro, mas nos EUA dos anos 60 jamais um filme cubano ganharia algo no Oscar.

Em tempo. Ainda estou aqui trouxe o primeiro Oscar para o cinema brasileiro. Ganhou reconhecidamente a estatueta de melhor filme estrangeiro/internacional e este prêmio tem uma dupla importância: primeiro. No âmbito da história do cinema brasileiro. Foi um título que honra a brava e acidentada história do cinema brasileiro. Desde o Cinema Novo não vibrávamos tanto com um filme numa concorrência fora do país. Importante lembrar O Quatrilho ou Central do Brasil. Confesso: não vibrei tanto por eles. Por exemplo, O Quatrilho ganhar o prêmio de melhor filme estrangeiro nos anos 90 no lugar de A excêntrica família de Antonia (filme holandês) seria uma profunda injustiça. Mesmo depois da chamada “Retomada” do cinema brasileiro na segunda metade dos anos 90, não produziram-se filmes com força dentro e fora do país para concorrer a altura com outros filmes “estrangeiros”. Foi um momento importante do cinema brasileiro e preparou o caminho para se chegar ao Ainda estou aqui. E vou além: cria ânimo para avançarmos na produção cinematográfica nativa. Temos diretores/diretoras muito bons. Temos atrizes/atores muito bons. Mas oscilamos demais em governos e Ministérios da Cultura. Cinema é arte cara e precisa de apoio estatal. Precisa de boas escolas. Precisa de pesquisa e produção. E ainda de grande importância, precisa de público. Uma luta histórica nossa.

Segundo. A importância política do Oscar. “Ainda estou aqui” é o triunfo de uma memória. Nunca podemos esquecer: tivemos um golpe civil/militar em 1964. Deste golpe, seguiu-se uma brutal ditadura com consequências graves para os rumos do Brasil. Prisões arbitrárias, exílios, tortura, corpos desaparecidos, sufocamento da democracia, políticas econômicas concentradoras de renda e grande empobrecimento do país. Resumo da história: tivemos governos militares desqualificados para o cargo. O filme de Walter Salles é uma vitória (simbólica) sobre esta turma das casernas. O filme é sobre um homem perseguido pela ditadura. Tem sua prisão fora da lei. É torturado e assassinado. Seu corpo é tornado desaparecido e sua mulher fica sem chão com filhos para criar. Uma família foi destruída por uma ditadura militar. Este fato é necessário que se diga sempre. Depois de 60 anos do golpe de 1964, um filme brasileiro sobre a ditadura e do ponto de vista dos torturados ganha um prêmio internacional e um reconhecimento mundial.

Depois de uma tentativa de mais um golpe civil/militar em 2023 e um ex-presidente na liderança e ainda sem punição merecida. Temos que guardar este dia em que Ainda estou aqui honrou nossa memória democrática e deixar para a memória das futuras gerações. Memória para uso diário.

 

Voir cette publication sur Instagram

 

Une publication partagée par Esquerda Online (@esquerdaonline)


Contribua com a Esquerda Online

Faça a sua contribuição