negras-e-negros

ADPF das Favelas: Em meio a mentiras do governador no Rio de Janeiro, Supremo decide sobre controle externo das polícias


Publicado em: 30 de janeiro de 2025

Negras e Negros

Fórum Popular de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

Negras e Negros

Fórum Popular de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

Compartilhe:

Ouça agora a Notícia:

No próximo dia 05 de fevereiro o Supremo Tribunal Federal (STF) vai retomar  o julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, popularmente conhecida como a “ADPF das Favelas”. A ação constitucional foi protocolada pelo PSB no ano de 2019 e  tem  como marco o protagonismo de organizações de favelas e movimentos de mães e familiares de vítimas do terrorismo do Estado que  atuam no processo como amicus curiae. Por meio da  ADPF 635, essas organizações e movimentos sociais fizeram chegar ao Supremo a sua luta histórica contra a violência de Estado dirigida de forma seletiva e racista contra os territórios de favela e o modelo de segurança pública sustentado na lógica bélica, que só tem produzido insegurança, dor e sofrimento para a maior parte da população do estado do Rio de Janeiro. À época da propositura da Ação, o estado possuía os piores indicadores relacionados à violência e à letalidade policial do país.  

A ADPF das Favelas discute temas decisivos para o futuro da segurança pública no Rio de Janeiro. É uma ação judicial que busca ampliar o controle social, político e jurídico sobre as forças de segurança do Estado, o que é um requisito básico para podermos falar em uma democracia constitucional. No próximo dia 05, o  Supremo Tribunal Federal decidirá sobre temas como redução da letalidade policial, funcionamento das perícias em casos de violência produzida por agentes de Estado, condições e regramentos para a realização de operações policiais, atuação do Ministério Público como órgão constitucional de controle externo das polícias, entre outras questões como o fim do uso dos blindados aéreos em operações policiais, a proteção a comunidade escolar e às unidades básicas de saúde, a efetivação do direito à participação e ao controle social nas políticas de segurança pública, o acesso à justiça e a garantia de produção de provas que incluam a participação da sociedade civil e movimentos sociais como uma das ferramentas principais na resolução das investigações de casos de homicídios e desaparecimentos forçados. 

É importante destacar que alguns dos temas discutidos no âmbito da ADPF 635 possuem estreita relação com a condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Favela Nova Brasília. Na sentença condenatória da Corte, foi determinado, entre outras medidas de reparação e não repetição, que o Estado reduza a letalidade policial e adote mecanismos normativos que garantam investigações sérias, eficazes e independentes em casos de violência policial, com destaque para a autonomia dos órgãos de perícia técnica e de medidas que viabilizem a efetiva participação de vítimas e familiares em todas as etapas da investigação e processo.

Foto: Reprodução/Voz das Comunidades

A garantia das investigações das violações de direitos humanos cometidos por agentes de Estado é peça fundamental para sua responsabilização e somente esta pode fazer valer a não repetição dessas violações. Este tem sido justamente o principal desafio da democracia brasileira: sob as estruturas racistas que caracterizam o Estado desde sua fundação no regime escravista, na prática, a dinâmica investigativa permanece voltada para garantir a impunidade dos perpetradores. Aqui, é importante destacar a questão da autonomia das perícias, um dos temas centrais que pode estar em jogo no julgamento desta ADPF. A vinculação da perícia-técnico científica com as forças policiais gera uma série de restrições à sua atuação em virtude do seu posicionamento como órgão de acusação.  O próprio CNJ, em relatório publicado em 2021, recomenda “a desvinculação do órgão de perícia-técnica da estrutura da Polícia Civil, passando a constituir um órgão independente, não subordinado às Secretarias de Polícia e com dotação orçamentária compatível com as necessidades do serviço”.

Hoje, a população negra e favelada permanece submetida à mesma dinâmica estabelecida quando da criação do auto de resistência, durante a ditadura empresarial civil militar: culpabilização e criminalização da vítima; falta de transparência no procedimento investigativo (e que é a marca histórica de tudo que envolve a política de segurança pública no país); órgãos periciais sem independência e diretamente subordinados à vontade dos perpetradores com a sistemática quebra da cadeia de custódia das provas coletadas; falta de participação ativa de familiares; e, ainda mais grave, uma prevalência de justiça militar em quaisquer casos que não sejam comprovados enquanto homicídios dolosos, divergindo dos padrões estabelecidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A ausência de uma perícia autônoma e independente produz resultados que se explicitam ainda mais no devastador cenário de desaparecimentos forçados no Estado do Rio de Janeiro. Dados produzidos pela Iniciativa em 2023 demonstram que aproximadamente 25% dos desaparecimentos no Estado estão situados na Baixada Fluminense e que há indícios da existência de pelo menos 92 cemitérios clandestinos em funcionamento na região. Ouvir os familiares e seguir as pistas descobertas por eles é um passo fundamental da investigação desses casos, o que na prática, não ocorre e faz com que este seja um cenário endêmico no estado.  É evidente que esses casos apontam também para uma possível subnotificação nos já alarmantes índices de violência letal divulgados por órgãos oficiais do Estado.

Desde que a Ação foi proposta, o STF proferiu decisões liminares determinando a adoção de diversas medidas por parte do estado do Rio de Janeiro, dentre elas, a elaboração de um plano visando à redução da letalidade policial e ao controle de violações de direitos humanos pelas forças de segurança fluminenses, que contenha medidas objetivas, cronogramas específicos e previsão dos recursos necessários para a sua implementação. Entretanto, nesses 05 anos, as decisões já proferidas têm sido sistematicamente desrespeitadas pelo governo do estado do Rio de Janeiro. 

Em que pese as limitações já impostas em sede liminar – as quais, segundo o governador Claudio Castro, têm impedido a ação da polícia no Estado -, as operações policiais seguem sendo cotidianas, ignorando ou burlando a exigência de justificada excepcionalidade, violentando famílias inteiras de trabalhadores e matando seus membros nas favelas fluminenses.

Segundo dados da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial ao longo dos anos de 2020 até o 1° semestre de 2024 ocorreram 4386 operações policiais apenas na Baixada Fluminense! Essas operações policiais resultaram em 230 pessoas assassinadas, 383 pessoas feridas e/ou baleadas e 3349 pessoas presas. No primeiro semestre de 2024 ocorreram 782 operações policiais, um crescimento de 26% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Outros dados que contradizem o governo do estado são os números de crianças baleadas a partir de confrontos policiais e o número de chacinas. Entre 05 de junho de 2020 e 31 de dezembro de 2024, o Instituto Fogo Cruzado identificou 24 crianças baleadas e 161 chacinas policiais, que produziram o número de 662 pessoas assassinadas. 

Cabe ressaltar que essa política de segurança pública possui o maior orçamento do Estado: 15,8% do total do orçamento público, equivalente a R$ 19,3 bilhões de reais (dados da PLOA 2015).  Assistimos ao quarto ano consecutivo de crescimento dos gastos públicos com segurança pública, um orçamento maior que pastas inteiras como Educação, Assistência Social, Trabalho e Habitação, Ciência e Tecnologia, Saneamento e Cultura, chegando hoje a mais de 19 bilhões de reais (lembrando que este orçamento é separado daquele destinado ao sistema de justiça). Se a prioridade do Governo no orçamento público é a execução e expansão de uma política de morte através do aumento da militarização da vida e do investimento em armamentos bélicos, é preciso que o Judiciário intervenha exigindo o redirecionamento dos recursos para a proteção de direitos e garantias fundamentais. O sistema de freios e contrapesos é um mecanismo central ao sistema democrático. 

O Fórum Popular de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, composto por mais de 30 organizações da sociedade civil fluminense, têm recebido, desde 2020, inúmeros relatos de violações de direitos humanos da população negra, pobre e favelada no curso de operações policiais. Os relatos se intensificam semanalmente, variando desde o desaparecimento e o assassinato de crianças e jovens ao abandono sistemático de cadáveres nas portas de suas casas, a interrupção de serviços públicos básicos, e desdobramentos na saúde da população que vive nesses territórios como o aumento nos números de infarto durante as incursões policiais e de doenças crônicas como hipertensão. É especialmente preocupante que o órgão que deveria exercer o controle externo da atividade policial no estado – o Ministério Público – esteja participando ativa e cotidianamente de incursões policiais que violam sistematicamente direitos e garantias fundamentais.

Para que o direito à vida e à democracia seja uma realidade para todos os brasileiros, é imprescindível que os Ministros do STF desempenhem seu papel como guardiões da Constituição brasileira e garantam que o Ministério Público cumpra com seu dever constitucional no controle da atividade policial e que o Poder Executivo implemente decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, como as já proferidas no Caso Favela Nova Brasília.


Compartilhe:

Contribua com a Esquerda Online

Faça a sua contribuição