A escala 6×1 é uma jornada de trabalho em que se trabalha por seis dias consecutivos, seguidos por um dia de descanso. Geralmente, nos primeiros cinco dias, trabalha-se oito horas por dia, e no sexto dia, trabalha-se quatro horas, totalizando 44 horas semanais. No Brasil, o tempo médio gasto no trânsito para ir e voltar do trabalho (geralmente transporte público) é de quatro horas diárias. Assim, é comum sair de casa às 5h, chegar ao trabalho às 7h, fazer uma hora de intervalo, sair do trabalho às 16h e chegar em casa às 19h, sem contar o tempo dedicado à preparação das refeições para levar ao trabalho, uma vez que muitas empresas não fornecem almoço no local e outras oferecem vales-alimentação e vales-refeição insignificantes.
Por que o fim da escala 6×1 é necessário?
O fim da escala 6×1 é necessário devido ao tempo excessivo que consome da vida do trabalhador. Como evidenciado na primeira parte do texto, mal sobra tempo para as obrigações pessoais, lazer, estudo ou mesmo para reflexão. Além disso, no Brasil, a elite, a burguesia, os grandes empresários, a classe dominante – chame como quiser – não demonstra preocupação com o bem-estar social. O fato de o tempo médio gasto para ir ao trabalho ser de quatro horas diárias revela a falta de planejamento urbano voltado para a locomoção do cidadão comum, além da ausência de um transporte público eficiente e a concentração dos empregos em regiões distantes das áreas residenciais dos trabalhadores. O argumento de que “isso é culpa do Estado, não da elite” é falho, pois um Estado burguês é controlado pelos interesses dessa mesma elite, como é o caso do Brasil. Assim, uma elite que dificulta a vida dos pobres ou que simplesmente não se importa com eles não pode exigir desses pobres que aceitem essa situação sem reclamações. Em resumo, o fim da escala 6×1 é necessário para que o trabalhador possa trabalhar para viver, em vez de viver para trabalhar.
Vejamos alguns argumentos contra o fim da escala 6×1
A) “O comércio vai deixar de atuar aos domingos”
Mentira. Argumento semelhante foi utilizado quando foi criado o direito às férias. “O trabalhador vai folgar um mês inteiro? Absurdo. Se o país parar por um mês, vai quebrar”. Hoje em dia, todos sabemos que as férias não são tiradas ao mesmo tempo por todos os trabalhadores e o país não para durante um mês. O mesmo acontece com o fim da escala 6×1: o supermercado ou a farmácia que opera sob essa escala deixará de funcionar aos domingos? Não. As folgas são alternadas, assim como as férias. Além disso, se o comércio deixasse de funcionar aos domingos, os clientes frequentariam nos outros dias, como ocorre em alguns países da Europa. Na Alemanha, é comum que estrangeiros tentem fazer compras nos fins de semana e encontrem tudo fechado. Isso é um problema para o estrangeiro, não para o alemão, que já se adaptou e faz suas compras nos outros dias da semana, pois não precisa sair para trabalhar antes do amanhecer e voltar para casa após o anoitecer. Portanto, trata-se de uma questão de adaptabilidade.
B) “Vai diminuir a produtividade”
Mentira. Um maior equilíbrio entre a vida profissional e pessoal tende a aumentar a produtividade do trabalhador. A ideia de que “quem descansa para trabalhar, trabalha menos do que quem não descansa” é irracional, baseando-se em um desejo que beira a mentalidade escravagista dos senhores de escravos do Brasil pré-república.
O Brasil é um país pouco produtivo, mas que trabalha demais. Para entender essa afirmação, é preciso compreender antes o conceito de “produtividade”: em ciências econômicas, produtividade está relacionada ao resultado do trabalho, e não à quantidade de trabalho aplicada. Se dez pessoas cortam cana com facões e uma única pessoa utiliza uma máquina para cortar cana, essas dez pessoas trabalharão mais que o maquinista, mas cortarão menos cana, ou seja, serão menos produtivas. O mesmo raciocínio aplica-se a um país inteiro: quanto mais tecnológico, mais produtivo, e necessário. O Brasil é pouco tecnológico e sofreu um processo de desindustrialização, sintoma de uma elite com mentalidade exploratória, muitas vezes preferindo humilhar o funcionário a ajudá-lo a produzir mais.
C) “As empresas não vão comprometer seus lucros; elas vão repassar os custos aos produtos e serviços, deixando tudo mais caro, causando inflação”
Meia-verdade. Quando algum avanço é proposto para a classe trabalhadora, os patrões ameaçam aumentar os preços dos produtos ou serviços. No entanto, essas ameaças não devem ser vistas como argumentos suficientes para impedir a melhoria da vida dos trabalhadores. Em uma sociedade cujo modelo de produção visa o acúmulo de capital, os direitos trabalhistas sempre são conquistados com dificuldade, pois representam um custo que atrapalha o acúmulo de capital. Os direitos trabalhistas irritam a classe dominante porque direitos têm custo, como a licença-maternidade — a empresa deve pagar o salário à mulher que, durante a licença, não está trabalhando na empresa. Mas ainda que o lucro da elite diminua um pouco, ele continua existindo e sendo alto, porém, para boa parcela da elite, isso não é o suficiente, pois essa elite busca maximizar seus lucros a qualquer custo, inclusive recorrendo a práticas análogas à escravidão (não à toa, o Brasil é um dos campeões mundiais dessa prática).
D) “Quanto menos horas trabalhadas, mais pobre ficará o país”
Mentira. Como explicado anteriormente, no segundo ponto (B), as horas trabalhadas ou o trabalho aplicado não é mais importante do que a produtividade. A média de horas trabalhadas no México é superior à brasileira, que por sua vez é superior à dos EUA. Isso não significa, de nenhuma forma, que o México é mais rico que o Brasil, que por sua vez é mais rico dos EUA. Não é assim que funciona. O que vai enriquecer o Brasil não é o trabalho até à exaustão; é deixar de ser uma grande fazenda com pouca tecnologia.
E) “O trabalhador só tem que trabalhar tantos dias e tantas horas, recebendo pouco pra isso, pois o Estado dificulta a vida das empresas; ele é o verdadeiro culpado e, portanto, menos impostos = maiores salários”
Mentira. Se esse argumento procedesse, veríamos isso na prática. No entanto, das vezes que os governos concederam isenções fiscais bilionárias a determinados setores da economia, nenhuma resultou em aumento de salários e benefícios para os trabalhadores. Nenhuma. Essa experiência prática e corriqueira no Brasil deixa claro que a diminuição dos custos operacionais para as empresas acarreta apenas em aumento do lucro para seus donos, nunca para melhorias nas vidas dos trabalhadores.
F) “As pequenas empresas vão falir”
Mentira. As pequenas empresas vão continuar a falir independente da jornada de trabalho, pois já temos agora mesmo a jornada 6×1, e tal jornada não impede que 25% dos pequenos empresários declarem falência — atribuindo a culpa majoritariamente à própria má gestão. Outros culpam ainda mais os encargos tributários, todavia, parte disso pode ser explicada pela má gestão que não consegue lidar com a parte tributária do negócio, embora seja, sim, verdade, que os encargos tributários brasileiros em cima das pequenas e médias empresas sejam absurdos e precisam de revisão imediata.
G) “Trabalhar menos só funciona em países com populações pequenas, como a Islândia”
Esse argumento não procede por um motivo muito simples: a Alemanha tem 150x a população da Islândia, e se trabalha menos tempo por ano na Alemanha do que na Islândia. Além disso, só podemos afirmar que funciona em país pequeno, pois o país pequeno testou. Como podemos afirmar com tanta convicção que não funcionará em países médios ou grandes sem antes testar? Não podemos.
Breve história dos direitos trabalhistas no Brasil
Por causa da escravidão, o Brasil imperial era o paraíso para a classe empresarial, que na época era formada, em boa medida, por grandes latifundiários. Era o paraíso pois o lucro era maximizado devido aos poucos encargos tributários para as empresas; escravos que não davam custos relevantes aos empresários; pouco ou nenhum direito trabalhista para os trabalhadores que não eram escravos, etc. Assim, o fim da escravidão foi visto pela classe escravagista como um grande ultraje, afinal, era algo que mexia cos seus lucros maximizados.
Tanto é verdade que, como vingança, grande parcela dessa classe apoiou o golpe militar de 1889 que derrubou a monarquia. Os ex-escravos então foram deixados à própria sorte e, juntos dos combatentes da Guerra dos Canudos, povoaram o Morro da Previdência, nascendo, assim, a primeira favela do Brasil.
Depois, já no Brasil república, todos os direitos trabalhistas adquiridos pela população foram igualmente vistos como ultraje. Seja a proibição do trabalho infantil, o décimo terceiro salário, as férias, o salário mínimo, a licença-maternidade, a diminuição das horas trabalhadas e tudo mais que hoje consideramos normal — mas que foi conquistado com muita luta.
Nenhum desses direitos foi dado pela classe empresarial. Nenhum. Os chamados “grevistas vagabundos” foram os responsáveis pela maior parte dessas conquistas. Eles, com seus grupos de pressão, movimentos populares, sindicatos organizados, ações diretas. Elas, com suas greves, protestos, sangue. Nada disso foi dado por livre e espontânea vontade; nem dos empresários, nem dos políticos. De certo modo, tudo isso foi conquistado à força, na base da pressão.
Considerações finais
Não podemos esquecer que a classe dominante não domina apenas fábricas, fazendas, bancos, redes de supermercados, shoppings, etc. Ela também domina os jornais impressos, os canais de TV, a indústria musical, e toda a sorte de fontes de entretenimento e de informação. Por isso, é necessário estar sempre vigilante. Não será difícil, de agora em diante, encontrar pessoas da própria classe trabalhadora sendo contra o fim da escala 6×1, já que a classe dominante irá, como sempre, usar de todos os artifícios que puder usar para fazer com que os trabalhadores se posicionem contra seus próprios interesses, e a favor dos interesses da classe dominante. É preciso estar atento, e dialogar com essas pessoas o máximo possível e o quanto antes, antes que os tentáculos da elite agarrem todos de uma vez. Não podemos deixar de pressionar, tanto no âmbito virtual como nas ruas.
Trabalhar menos. Trabalhar todos. Produzir o necessário. Redistribuir tudo.
João Paulo Pessoa é economista e ativista em defesa do fim da escala 6×1
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