Na quarta-feira, dia 26 de novembro, sob a presidência da deputada bolsonarista Caroline de Toni (PL – SC) a CCJ da Câmara dos Deputados aprovou a PEC 164/12, um entulho resgatado de 2012, proposto pelo hoje ex-deputado Eduardo Cunha, que prevê a inclusão do termo “inviolabilidade da vida desde a concepção” na Constituição Federal. Agora, a Proposta irá tramitar em comissões especiais antes de ir ao Plenário para a votação final. Porém é urgente a mobilização da sociedade contra ele porque pune as mulheres mais uma vez, retirando direitos sobre o aborto legal, presente na legislação desde a década de 1940. É, como podemos ver, um retrocesso secular.
Resumidamente, essa PEC prevê a proibição total da prática do aborto no Brasil, mesmo nos casos amparados hoje pela lei – como os de gestação oriunda de estupro, risco de vida à gestante e gestações inviáveis (anencefalia) -, além de impedir o avanço científico com a extinção da utilização de células tronco em pesquisas. Ou seja: piora o conteúdo do já nefasto Projeto de Lei 1904/24, arquivado após os atos “Criança não é mãe”, que queria proibir os abortamentos legais realizados após 22 semanas, incriminando a mulher, enquadrando o ato em homicídio com previsão de pena maior para a vítima do que para o agressor — o que não só revitimizaria meninas e mulheres, mas também significaria a perpetuação de um ciclo de violência física e psicológica, sobretudo às vítimas de violência sexual.
Se a PEC já afeta mulheres adultas, são as crianças e adolescentes que mais sofrerão as consequências. O estupro de vulnerável cresce de forma alarmante. São 56 mil denúncias por ano, uma média 156 casos por dia registrados. Isso contando apenas os que chegam ao conhecimento do sistema judiciário. Crianças e adolescentes têm maior dificuldade de denunciar as violências que sofrem, sendo que a gravidez é a consequência extrema desse processo.
Todos os casos de aborto legal já sofrem com o impeditivo cotidiano de acesso. No sistema de saúde, médicos se negam a cumprir a lei por “valores pessoais” (na sua maioria ligados à visão religiosa individual, desconsiderando a laicidade do Estado e atribuição de funcionário público), obrigando as mulheres a entrarem com ações judiciais, que se prolongam por meses, impondo a gestação indesejada, a convivência com a violência ou com a perspectiva de risco de vida permanente. Nos últimos anos, vimos casos de crianças de 9, 10 anos, violentadas por pessoas da família, que necessitam recorrer à justiça para o aborto legal, precisando viajar 2 mil km até um hospital que aceitasse fazer o aborto e sofrendo a vítima, a família e a equipe médica, perseguição e exposição nas redes sociais.
Mas o que leva, nesse momento, a pauta misógina e reacionária novamente ao plenário? É fato que o bolsonarismo está acuado nestes dias. As denúncias sobre o detalhado plano golpista que envolve generais, coroneis, militares de base, civis e o ex-presidente Jair Bolsonaro tomou conta dos noticiários, bate forte na opinião pública. Na tentativa de construir um contra-fato, a aceleração do processo de avaliação da PEC do Estuprador ajuda no engajamento das suas bases e na quebra do monotema dos últimos 10 dias, reorganiza sua base em uma das pautas que mais a unifica: o conservadorismo moral e a misoginia.
Porém de forma alguma devemos entender que o tema é uma “cortina de fumaça”. O afã do neofascismo contra direitos básicos das mulheres e meninas é parte de um projeto político que está em disputa e muito vivo na sociedade. Não podemos acreditar que foi apenas uma agitação. A caracterização correta é de um contra-ataque. Desta forma cabe a nós mulheres e ao movimento ferminista dirigirmos a mobilização da sociedade, apoiadas na ampla repercussão que engavetou o PL 1904 no mês de julho.
Em consulta feita no site do congresso, 85% dos votos eram contra aquele PL. As ruas foram tomadas por atos e denúncias. Agora, precisamos reorganizar essa potência: realizar agitação de rua, aulas públicas, utilizar as redes a nosso favor. A resistência ao neofascismo bolsonarista tem tido nas mulheres sua principal trincheira. E é com elas que precisamos dialogar nesse momento.
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