“Nem a comunidade cientifica previu que a temperatura em 2023 e 2024 iria subir tanto, em 2022 a media da temperatura do planeta estava 1,2 graus acima da média de referência histórica relacionada aos índices pré-industriais ( 1850-1900). Mas agora estamos a quase 15 meses acima de 1,5 graus, o El Niño acabou em maio e a temperatura continua alta. Esperávamos que a temperatura subiria 0,1 graus e subiu 0,3. E pela primeira vez, bateu recorde de aumento de temperatura todos os oceanos. Acelerou muito o derretimento de gelo na Antártica e a comunidade cientifica está tentando explicar porque houve esse aumento de temperatura e se a mesma vai baixar ou se não baixa mais… Agora em outubro, começa o oposto do El Niño, que é o La Niña, que é o resfriamento, mas é um La Niña fraco… Pode ser que a temperatura pare de crescer, mas há um grande risco, se em 2025 a temperatura continuar em 1,5 graus a mais que a media pre industrial. Provavelmente a comunidade cientifica vai dizer: “Atingimos 1,5 graus!”. Porque é tão perigoso? O acordo de Paris de 2015 e depois a COP 26 na Escócia, tinham como meta não deixar a temperatura passar de 1,5 graus! Pra não passar de 1,5 graus nós temos que reduzir as emissões globais de GEE ( Gases do efeito estufa) em 43% até 2030 e depois zerar as emissões liquidas até 2050, isso para não passar de 1,5 graus. Imaginem se o ano que vem ficar confirmado cientificamente que atingimos 1,5 graus? Isso significa que se continuar com essa meta do acordo de Paris, nós vamos chegar em 2050 com a temperatura de 2 a 2,5 graus, o que é uma explosão climática. Não podemos deixar isso acontecer! Ainda não sabemos se a temperatura vai permanecer 1,5, mas outro detalhe importante, que a comunidade científica já sabe que vai acontecer, é que quando a temperatura chegar a 1,5 graus, todos os eventos climáticos que nós chamamos de eventos extremos, ondas de calor, chuvas excessivas, secas, incêndios florestais, tudo isso aumenta exponencialmente… Os oceanos evaporam muito mais água, tem muito mais energia na atmosfera… então tivemos a maior chuva da história do Rio Grande do Sul, a maior seca da história da Amazônia, e batemos recordes de ondas de calor, setembro do ano passado no sudeste, parte do centro oeste, isso está acontecendo no mundo inteiro, e é o resultado de já estarmos alcançando 1,5 graus, e mostra o risco se a gente passar de 1,5… E o que a ciência está dizendo agora, é que se confirmar que atingimos essa temperatura, não dará mais para esfriar. Ou seja, se chegarmos no inicio de 2026, com 1,5 graus e os oceanos mais aquecidos como estão, vai diminuir a absorção de gás carbônico pelos oceanos, aí não tem mais jeito, mesmo se diminuirmos as emissões. Pois quando emitimos uma molécula de gás carbônico, quanto tempo ela vai ficar na atmosfera? Muito tempo, o tempo de residência do gás carbônico é em media 150 anos…
(Carlos Nobre, pesquisador do INPE, especialista em crise climática, entrevista para o programa Reconversa, outubro 2024)
Tudo indica que as metas climáticas acordadas em Paris, além de estarem distantes de serem atingidas, estão defasadas. Só para termos uma noção das consequências, se nesse século a temperatura da Terra atingir 2º graus a mais que a media dos níveis pré-industriais, por certo, vamos atingir vários pontos de não retorno apontados pela comunidade cientifica mundial. Além da exacerbação de eventos climáticos extremos e do aumento do nível do mar, a ciência já sabe que todos os recifes de corais vão entrar em extinção no mundo, o que seria uma catástrofe de proporções inimagináveis, pois os mesmos são responsáveis por manter a vida de 18 a 25% da biodiversidade aquática.
Segundo as projeções cientificas de pesquisadores de vários países que vem colaborando e trabalhando para os estudos encomendados pela ONU através do Painel Intergovernamental de Mudança Climática – IPCC , se atingirmos 2 graus, a disponibilidade de água doce cairá quase o dobro ao redor do mar mediterrâneo. Várias regiões tropicais vão reduzir significativamente a produção de grãos com fortes quebras de safras, tensões inflacionárias serão dramáticas, fome e maior desigualdade seriam desdobramentos inevitáveis. Além de ondas de calor mais frequentes que vão levar a morte milhares de pessoas na Europa, a saúde publica será severamente afetada, a temperatura mais quente aumentará a reprodução de várias especies de mosquitos, mais pessoas vão ser atingidas por doenças que tem insetos como vetores. O derretimento do solo congelado, conhecido como “permafrost”, tem potencial para liberar bilhões de toneladas de dióxido de carbono e metano na atmosfera devido a grande quantidade de matéria orgânica que se encontra abaixo da camada de gelo, além de liberar antigos microrganismos presentes em restos de animas e humanos preservados nesse ambiente, e que podem causar novas pandemias. Ou seja,uma cadeia de acontecimentos trágicos vão acelerar seu desenvolvimento em proporções que já podem ser previstas e outras que não foi possível ainda a ciência projetar… Mas com certeza em várias regiões do planeta ficará muito perto de ser impossível ter a plenitude da biodiversidade e consequentemente serão regiões inóspitas para o ser humano.
A principal iniciativa para interromper a escalada do aquecimento global, é diminuir o efeito estufa provocado pela emissão de gases na atmosfera, como o dióxido de carbono( CO2) e metano. O primeiro é jogado através da queima de combustíveis fósseis e o segundo através da pecuária e agricultura especialmente. A diminuição da emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE) tem sido o centro das discussões e tentativas de acordos das COPs, que é a sigla para “Conferencias das Partes”, um evento anual da Organização das Nações Unidas ( ONU) para negociar medidas para combater as mudanças climáticas. As decisões da COP são coletivas e consensuais, podendo ser tomadas se forem aceitas pelas partes, mas ao mesmo tempo, ainda que os países tenham acordo, não há nenhum instrumento global que imponha a obrigação de cumpri-las. A ultima edição, COP 29, foi realizada recentemente e terminou no dia 23 de novembro desse ano, no Azerbaijão, na cidade de Baku, expressando imensas dificuldades para se chegar em acordos entre lideres das nações membros da ONU sobre mudanças climáticas causadas pelas atividades humanas.
Quem deve financiar medidas que visam diminuir a emissão de gases?
Há uma corrente cientifica que tem elaborado a tese de que já estamos vivendo uma nova época geológica forjada pela atividade humana no planeta chamada “Antropoceno”. Essa hipótese se baseia na ideia de que, tal como o clima, a biodiversidade, os oceanos e etc, as pessoas se tornaram um fator no sistema global capaz de alterar de maneira irreversível processos biogeofísicos em escala planetária. O Antropoceno como um conceito de uma nova época ainda está em discussão, trata-se de um tema ainda polêmico, mas a maioria esmagadora da comunidade científica não discorda que é a atividade humana que tem provocado mudanças impactantes em curto prazo no planeta, ao ponto de causar uma desconfiguração ecológica capaz de colocar a vida de milhares de especies de seres vivos em risco, assim como, ameaça a própria existência da humanidade.
Mas se quisermos ser mais rigorosos, ainda que esteja absolutamente correto afirmar que a atividade humana está gerando impactos ecológicos irreversíveis. Em primeiro lugar, é preciso sublinhar que essa atividade humana, é regida pela dinâmica e desenvolvimento da formação econômica das nações, que por sua vez obedece intensamente a logica do sistema capitalista, desde a primeira revolução industrial, hegemonizando a geopolítica mundial, pelo menos nos últimos 200 anos. Em segundo lugar, todos nós sabemos que no modo de produção capitalista, são as nações mais industrializadas do ocidente e que colonizaram boa parte do sul global, as responsáveis em consumir a maior parte dos recursos naturais do planeta e emitir a maior quantidade de gases do efeito estufa na atmosfera. Logo, é fácil perceber que existe uma fração da humanidade que concentra muita riqueza via a exploração da força de trabalho e de um amplo controle de recursos naturais, devendo portanto, maiores responsabilidades sobre as mudanças climáticas.
O relatório publicado em março de 2024, pelo Painel Internacional de Recursos do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), conclui que a extração dos recursos naturais triplicou nas ultimas cinco décadas, em decorrência da significativa expansão da infraestrutura em muitas partes do mundo e dos altos níveis de consumo de materiais, especialmente em países de renda media-alta e alta. Desde 1970, o uso de recursos cresceu de 30 para 106 bilhões de toneladas – ou de 23 para 39 quilos de materiais por pessoa por dia. No geral, a extração e o processamento desses recursos são responsáveis por mais de 60% das emissões de gases que aquecem o planeta e 40% dos impactos da poluição do ar relacionados a saúde.
A Global Footprint Network, uma organização internacional, tem apresentado cálculos científicos alarmantes sobre a relação do consumo dos recursos naturais e a capacidade da natureza regenerar tais recursos num período de um ano. Esse calculo é feito desde 1971, quando o dia de “sobrecarga da terra” foi calculado no dia 25 de dezembro, o aumento exagerado do consumo dos recursos naturais especialmente promovido por países ricos, elevou o dia de sobrecarga da terra para o dia 1 de agosto em 2024. Ou seja, nesse ano, todos os recursos naturais que a terra é capaz de regenerar num período de um ano, já tinham sido consumidos no primeiro dia de agosto, após essa data o planeta entra numa espécie de “cheque especial ecológico”. Logicamente esse calculo é o resultado da media entre os países que possuem padrões de consumo diferentes, nos EUA por exemplo, o dia da sobrecarga da terra em 2024 está calculado em 14 de março. O que significa que se todos os habitantes da terra tivessem o padrão de consumo dos americanos, seria necessário de 4 a 5 planetas para satisfazer essa demanda.
São por essas razões que o debate central da COP 29 esteve envolvido sobre o tema do financiamento de medidas globais para evitar as tragédias da emergência climática que já estamos vivendo. A maioria dos estudos científicos legitimados pelas instancias da ONU revelam que as nações mais ricas que concentra a maior quantidade de bilionários, são as que detêm o controle da extração de recursos naturais no mundo e são as que mais emitem gases do efeito estufa na atmosfera. Por tanto, deveria ser obrigatório que esses países e sua infraestrutura de empresas estatais e privadas financiassem a maior parte de projetos e iniciativas para diminuir a emissão de gases do efeito estufa em todo mundo. Através de medidas que impulsionasse a transição energética, o reflorestamento, a proteção de florestas, a reeducação para diminuir os padrões de consumo, ações econômicas em equilíbrio com a natureza, a defesa dos povos originários e do seu modo de vida, entre outras medidas.
Após muito debate, protestos, adiamento do fim da COP 29 para se chegar num acordo, o evento terminou com as lideranças e representações dos países mais pobres insatisfeitos e reclamando que os 300 bilhões de dólares por ano em financiamento climático que receberão até 2035 são uma soma insuficiente, em forma de empréstimos e subsídios. Nas palavras do conselheiro da Casa Branca, John Podesta, que estava liderando a delegação americana em Baku: “Estou muito ciente da decepção que os Estados Unidos às vezes causam às partes do regime climático, que já vivenciaram lideranças fortes, engajadas e eficazes dos EUA, seguidas de um desengajamento repentino após uma eleição presidencial nos EUA”.
A COP 29 aconteceu logo após o resultado da disputa eleitoral dos EUA, que deu a vitória a Donald Trump, que provavelmente fará um governo inimigo do acordo de Paris, e totalmente alinhado aos interesses das grandes petroleiras, mineradoras e das bigtechs. Para colocar o seu projeto de “Fazer a América Grande Novamente – MAGA”, será necessário desmoralizar os alertas científicos sobre as emergências ecológicas, manter ou aumentar o padrão de consumo de recursos naturais, incentivando e dando liberdade total as grandes empresas americanas para explorar recursos naturais dentro e fora dos EUA. Entre as principais palavras de ordem da campanha eleitoral de Trump, estava: “Drill, Baby,Drill”, na tradução em português: “Fure, Bebê, fure!” Trata-se de uma agitação política para incentivar projetos relacionados a mais extração de petróleo em solo norte americano. Trump é o grande representante mundial de uma fração do capitalismo que não acredita, ou melhor, não quer acreditar, nos alertas da ONU sobre as crises climáticas. É o negacionismo cientifico a serviço dos interesses econômicos de grandes corporações que estão anunciando uma batalha política pelo livre direito em seguir destruindo toda a biodiversidade da terra para fazer a América grande novamente.
É possível conter crises climáticas sob o capitalismo?
Estamos diante de uma burguesia mundial bilionária que se divide numa fração radical de extrema direita que não vai recuar um centímetro na destruição ambiental e emissão de gases do efeito estufa na atmosfera. Como também há outras frações burguesas que em maior ou menos medida, vestem a fantasia de ativista ambiental para tentar lucrar com a criação de um mercado de carbono e com a “economia verde”, se recusando financiar efetivamente projetos em países em desenvolvimento para evitar o agravamento da crise climática.
As disputas por fontes de recursos naturais que envolve combustiveis fósseis, a restruturação produtiva tecnológica por diferencial de produção exigindo a extração de mais minérios, a drenagem absurda dos reservatórios naturais de água doce para empreendimentos privados, as queimadas e desmatamentos permanentes para a produção de produtos do agronegócios, a violência contra os povos originários para expropriar suas terras, a total liberdade de emissão de gases na atmosfera sem contrapartida alguma e um longo etc, são atividades humanas que se intensificam sob a lógica capitalista sem a menor possibilidade de cessar a curto prazo. Pelo simples fato de que não é possível ter uma inserção soberana na disputa por hegemonia sobre mercados, e consequentemente na geopolítica mundial, abrindo mão de métodos que causam estragos irreparáveis à biodiversidade. O horizonte é ainda mais desanimador, quando além das graves crises climáticas que ameaçam a vida na terra, estamos nesse momento diante de duas grandes guerras regionais que só escalaram desde que se iniciaram, envolvendo mais nações, emitindo ainda mais gases de efeito estufa a cada bombardeio, deslocando populações em condições precárias, ameaçando o mundo com armas nucleares e consumindo cada vez mais recursos naturais para a guerra em si, e provavelmente na reconstrução da infraestrutura pós-guerra.
A COP 29 não avançou… Consequentemente a COP 30 em Belém do Pará, no Brasil, em 2025, será realizada sob forte questionamento da sua efetividade em articular acordos entre lideranças das nações mais ricas para o enfrentamento da crise climática e suas consequências devastadoras para a vida no planeta terra. Nos parece que a tarefa para “adiar o fim do mundo” não pode ser dada para quem tem “vantagens econômicas nababescas” com a destruição do meio ambiente, essa será uma tarefa dos povos do sul global, em especial, da população mais pobre, que precisa desesperadamente ter acesso urgente a uma educação ambiental anticapitalista que possa despertar uma consciência capaz de mobilizar multidões em defesa da vida, obrigando os ricos e bilionários do mundo a pagarem o custo da sobrecarga da terra que eles mesmos criaram.
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