Há uma semana diversas cidades do país foram tomadas por atos pelo fim da escala 6×1. Um movimento iniciado pelo Vida Além do Trabalho (VAT), liderado pelo vereador eleito Rick Azevedo, foi acolhido pela deputada Erika Hilton e agora percorre o caminho institucional enquanto PEC. Um tema que tomou o debate popular, encontrou grande apoio entre o povo e obrigou até mesmo os grandes meios de comunicação a se posicionarem — escancarando sua linha em defesa do capital e contra os trabalhadores. A jornada contra a escala 6×1 ainda está no seu início, por isso é importante termos plena consciência sobre como agir daqui em diante.
A superexploração no Sul Global
A escala 6×1 reflete uma prática histórica de superexploração do trabalho que marca os países do Sul Global. Enquanto os países centrais do capitalismo, como Canadá e Alemanha, avançaram na regulação de jornadas para médias semanais abaixo de 35 horas, países como Brasil, Índia e México mantêm cargas superiores a 40 horas semanais, com um número significativo de trabalhadores ultrapassando 49 horas semanais. Esse modelo se insere no contexto de um sistema global desigual, em que o trabalho nos países periféricos é constantemente desvalorizado e submetido a condições extremas para maximizar os lucros, enquanto no Norte Global possibilita-se melhorias estruturais para a população mais em geral. O Brasil, por exemplo, é o maior exemplo desse desequilíbrio no G20, ficando atrás apenas de Índia e China no número de horas trabalhadas. Esse quadro reflete o impacto de uma legislação que permite regimes intensos como o 6×1, aliados à desestruturação intencional e estratégica que os direitos trabalhistas enfrentam em nosso país. Nos setores mais precarizados, como no serviço e comércio, essa lógica de exploração se agrava, revelando como a dinâmica colonial do trabalho ainda persiste na forma como a força de trabalho do Sul Global é tratada.
Dessa forma, a luta contra a escala 6×1 não é apenas uma batalha por direitos trabalhistas no Brasil. Trata-se de um movimento que denuncia e desafia uma ordem global que continua a explorar a classe trabalhadora dos países periféricos, ao mesmo tempo que escancara a necessidade de unidade da classe entre os diversos setores que a compõem para que consigamos enfrentar um inimigo que se articula nacional e internacionalmente.
Da compreensão à ação: é preciso avançar o diálogo com a classe trabalhadora
Os atos do dia 15/11 cumpriram um importante papel para o movimento, marcaram a expressão nas ruas da luta contra a escala 6×1. De todo modo, ainda não conseguiram demonstrar a extensão do apoio popular à pauta. Nas redes sociais, onde a opinião se demonstrou avassaladoramente em favor da PEC, a campanha de conscientização segue firme. Influencers, artistas e movimentos misturam-se nas suas declarações de apoio ao fim dessa escala superexploratória. Entre memes, trends e textos políticos, a opinião geral demonstra o absurdo de manter esse regime de trabalho. O que explica, portanto, os atos não terem sido massivos?
Primeiro, é preciso compreender que vivemos numa conjuntura muito reacionária. Pelo menos desde o golpe de 2016, a classe trabalhadora está jogada na defensiva, precisando combater os mais retrógrados planos da burguesia. E, infelizmente, perdemos muitas batalhas. Reforma trabalhista, da previdência, o Novo Ensino Médio, 4 anos de governo Bolsonaro, a tragédia da pandemia. A vitória de Lula em 2022 representou um alívio na corda, mas não muda o signo do nosso tempo: ataques incessantes contra a classe trabalhadora e pouca capacidade nossa de reagir. Assim, a potência da luta contra a escala 6×1 parece um fenômeno completamente fora da curva, mas imensamente necessário. É um movimento ofensivo: acabar com um mecanismo de exploração, garantir melhoria de vida para a classe. Mas os anos de sucessivos ataques desestruturam nossa capacidade organizativa. Há, por assim dizer, um desencontro entre a consciência e a organização da classe — ao menos no que diz respeito a este ponto, onde demonstrou-se uma consciência avançada sobre o tema.
Segundo, compreendendo a conjuntura e o grau de organização da classe, é preciso pensar cuidadosamente em como agiremos. Opinião pública pode alterar-se, o cansaço pode afetar a disposição de luta, os anos de derrotas podem arrastar o povo para o pessimismo. Apesar de apoiarem a pauta, muitas pessoas podem desistir por não acreditarem ser possível vencer. Mas podemos! E a única forma de construir essa luta é no diálogo constante com a classe. O VAT tem construído um importante movimento de diálogo e conscientização, coletando assinaturas de apoio à PEC e partindo pro corpo a corpo em panfletagens e ações do tipo. Essa é a movimentação que precisamos aprofundar agora, mais do que tentar puxar atos um atrás do outro. Precisaremos ter uma variedade de táticas para a luta: panfletagens em pontos de grande circulação, em locais de trabalho que aplicam a 6×1, em escolas e universidades, assim como manter atos estratégicos e ações mais ousadas, quando possível e construtivo. Mas o central, sem o qual não será possível avançar, é o diálogo constante. Grandes assembleias, plenárias e outros formatos para debate e deliberação coletiva. Integrar cada vez mais os trabalhadores nos espaços de discussão e decisão do processo. O movimento é longo, mas dá resultado.
Construir uma atuação unificada e classista
A mobilização e o diálogo devem ser permanentes, assim como a unidade. A esquerda está pautando, depois de muito tempo, um tema de nível nacional e crucial. Não podemos perder essa oportunidade de impactar positivamente a correlação de forças para o nosso lado, o lado da classe trabalhadora. O VAT é o movimento que conseguiu levantar e popularizar a pauta, especialmente através do companheiro Rick, mas a esquerda como um todo precisa se somar na pauta. E veja bem, somar: partidos, organizações e sindicatos devem se incluir nas iniciativas do movimento, encorpar as agendas de panfletagem e mobilizações e ajudar que a luta contra a escala 6×1 alcance ainda mais setores e públicos.
Junto do VAT, devemos fazer uma forte campanha de diálogo com a população. Os sindicatos, especialmente a partir das centrais sindicais, têm capacidade de colocar seus representados em contato com a pauta e também iniciar um importante movimento de solidariedade de classe. Aqueles que não são afetados pela 6×1 diretamente, também precisam se somar na luta. É preciso ter certeza: escalas abusivas tendem a ser a regra, não a exceção. Mesmo quem não trabalha nesta escala, corre o risco de ser submetido a ela. A vitória do movimento será uma vitória para toda a classe trabalhadora do nosso país. Assim, as centrais e organizações devem apoiar com militância e também com estrutura, seja para produção de panfletos, espaços para reunião, carro de som e peso nas manifestações, mas sempre entendendo onde reside o protagonismo da pauta.
Fortalecer este movimento cumpre um papel central na vitória contra a escala 6×1, mas também para voltar a engajar a classe trabalhadora. Podemos nos moralizar neste combate e preparar para outras batalhas, ganhar um saldo organizativo dos trabalhadores e, até mesmo, fortalecer laços de confiança entre os novos movimentos de trabalhadores e as estruturas mais tradicionais — podendo, inclusive, renová-las. Não são poucos os desafios para a classe na atual conjuntura, mas um movimento unificado pode nos posicionar melhor para as lutas que estamos travando e as próximas que virão. Novamente, é difícil, mas podemos vencer. É preciso mobilização, pé no barro e unidade. Até a vitória!
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