A Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira, também conhecida como Frontex (“Fronteiras externas”) cumpre no dia 26 de outubro, seus 20 anos. Inicialmente foi criada para coordenar os esforços de controle das fronteiras externas da União Europeia (1). A partir da crise migratória europeia de 2015, foi promovida a responsável plena, ou seja, a Polícia de Fronteiras da União Europeia (UE). Atualmente, é uma das agências mais poderosas e com maior orçamento, chegando a 5,6 bilhões de euros para o período de 2021-2027 (859 milhões de euros só em 2024). (2) É a única instituição da UE com pessoal armado, um verdadeiro exército de guardas de fronteira e tem como meta ter 10.000 guardas até 2027. Pode comprar seus próprios equipamentos – como navios, helicópteros e drones- das empresas de armas.
Sua função principal é a de dirigir operações de controle de fronteiras no Espaço Schengen (3), no mar Mediterrâneo e nos países dos Bálcãs, enquadrados na política migratória repressiva da UE. A Frontex fornece também “apoio” (humano e material) aos Estados-Membros que desejam reforçar suas medidas de controle de fronteiras.
O que é menos conhecido, é que a Frontex também realiza publicações de “análises de risco”: relatórios que determinam o nível de “risco” que a UE enfrenta em relação à “ameaça” migratória. A Frontex retrata a migração como uma “ameaça”, uma narrativa que só alimenta o aumento do nacionalismo, do racismo, da xenofobia e da islamofobia. A Frontex usa esses relatórios para recomendar a UE reforçar os controles nas fronteiras, ampliando os destacamentos da Frontex e aumentando os recursos da agência. Além disso, a agência atua como intermediária entre os países da UE e as empresas de defesa e segurança (armamento), para a aquisição de tecnologias e produtos de vigilância e controle de fronteiras.
Uma política de guerra contra os migrantes
A União Europeia, dividida entre sua política de asilo, que lhe deu a imagem de uma “Terra dos Direitos Humanos”, e seu discurso liberal em defesa da livre circulação interna de pessoas e mercadorias, sempre quis controlar seus fluxos migratórios. Sua política migratoria oscilou entre a necessidade de mão de obra e a luta contra a imigração ilegal. Sua política inicial de asilo para pessoas que o necessitam, está cada vez mais relegada.
Essa política migratória tem como base os principais acordos seguintes: 1.-os Acordos de Schengen de 1985, que permitem a circulação livre entre as fronteiras internas do bloco; 2- A Convenção de Dublin de 1990, que estabelece as condições para a concessão de asilo; 3- Os Acordos de Haia de 2004, que regulam a luta contra a imigração irregular. 4- O novo pacto europeu sobre asilo e migração, em discussão desde 2020 e aprovado em abril de 2024, está centrado em intensificar a externalização da política migratória: reduzir chegadas irregulares de imigrantes na UE e acelerar o retorno dos imigrantes ilegais.
No centro de sua política externa, a UE está travando uma guerra contra os migrantes. A migração é retratada como uma ameaça à segurança. A resposta é militarizar a segurança das fronteiras, tanto nas fronteiras externas da UE quanto em países terceiros, se estendendo no Mediterrâneo e nos Bálcãs. Inclui o envio de forças armadas para proteger as fronteiras, a construção de cercas de segurança e a instalação de tecnologias de vigilância e detecção (drones), o treinamento e o fornecimento de equipamentos para guardas de fronteira (para)militares em países terceiros. Assim a UE ganhou o nome de Fortaleza Europa.
Essa política é de grande violência e a UE tem sangue em suas mãos: mais de 40.555 pessoas mortas desde 1993 (1) e as cifras de vítimas se disparam nos últimos anos (8.565 só em 2023) com os afogadas no Mediterrâneo, mortas a tiros nas fronteiras, esquecidas em centros de detenção, torturadas e mortas após serem deportadas. A agência FRONTEX foi acusada e reconhecida em várias ocasiões por violações de direitos fundamentais.
Apesar dos perigos e da violência, houve em 2023 um aumento nos pedidos de asilo na UE, que chegaram a 1,14 milhão em 2023, seu nível mais alto desde 2016, de acordo com a Agência Europeia de Asilo. As entradas “irregulares” na UE também estão aumentando, chegando a 380.000 em 2023, de acordo com a Frontex.
Vergonhoso ciclo de violência: detenção, expulsão, deportação
O primeiro risco para o migrante é a detenção. De acordo com o Global Detention Project, há mais de 200 locais de detenção de migrantes na UE, em condições de vida muito difíceis, sofrendo superlotação, comportamento abusivo dos guardas, falta de acesso a assistência médica e jurídica.
Logo, vem o risco de expulsão para os migrantes que não estão autorizados a permanecer em seu território (80 % não conseguem o direito de ficar), geralmente colocando alguns deles em voos de deportação especialmente fretados. Expulsão significa enviar as pessoas de volta para situações das quais fugiram, geralmente zonas de guerra, repressão, violações de direitos humanos, violência, fome, pobreza, etc.
Mas também desenvolveram o conceito de “retorno voluntário” -em oposição ao retorno forçado (expulsão)- promovido pela Organização Internacional para as Migrações (OIM) das Nações Unidas. As autoridades, às vezes com a ajuda de ONGs/organizações que auxiliam pessoas em trânsito, pressionam os migrantes a aceitar a deportação, únicas alternativas à detenção, subornando-os às vezes com a vaga promessa de apoio económico para construir uma vida no país de origem.
Neste marco, uma das “tarefas” da agência FRONTEX, cada vez mais relevante, é atuar como a “agência de retorno” da UE, coordenando voos conjuntos de expulsão dos países da UE, auxiliando os chamados “retornos voluntários” e pressionando os países terceiros a readmitir os refugiados expulsos. Uma primeira “equipe de retorno permanente” foi criada no aeroporto de Roma Fiumicino em janeiro de 2021.
Como parte dos esforços da UE para externalizar seu controle de fronteiras, financia e apoia a detenção de migrantes fora da UE. A agência coopera ativamente com “países terceiros”, como a Nigéria, o Senegal e os Bálcãs. Na Líbia, a Frontex também fornece treinamento aos “guardas costeiros líbios”, que são responsáveis por várias deportações para a Líbia, onde os migrantes são detidos em “condições semelhantes às de um campo de concentração”.
Gendarme da movimentação dos migrantes
O “Novo Pacto sobre Migração e Asilo” foi apresentado como uma vasta reforma com dez textos, fruto de um difícil compromisso em discussão desde 2020 entre os 27 países-membros, que entrará em aplicação a partir de 2026. Mas as medidas adotadas são uma continuação de uma abordagem repressiva e orientada para a segurança, contenção e deportação, em detrimento de uma política de uma política de acolhida. Recursos muito substanciais são dedicados para financiar a construção de barreiras físicas, legais e tecnológicas e a construção de acampamentos ao longo das rotas migratórias.
Para fortalecer essas políticas, a UE quer rastrear e monitorar os movimentos de pessoas. Assim, financiou vários bancos de dados biométricos para coletar “legalmente” o máximo de dados possível de potenciais migrantes. Podemos mencionar Eurodac, VIS (Sistema de Informações sobre Vistos), SIS II (Sistema de Informações Schengen), EES (sistema de entrada/saída) e ETIAS (sistema europeu de informação e autorização de viagem), para os quais gastou mais de 1 bilhão de euros até 2020. Com essas informações, criar um portal europeu de pesquisa e um serviço de correspondência biométrica compartilhado, que permite facilitar a identificação de migrantes e acelerar os processos de detenção e expulsão.
Como explica a plataforma AbolishFrontex, “as mesmas tecnologias também são usadas de forma inversa, por exemplo, permitindo que viajantes “legais” passem pelos controles de fronteira rapidamente e sem impedimentos. Dessa forma, se implementa um sistema de “apartheid de fronteira”, em que algumas pessoas podem passar facilmente, enquanto outras são imediatamente sinalizadas para controles rigorosos, baseados em características biométricas e outras consideradas como ameaça, sem mencionar o elemento cor da pele.”
O “sistema de sistemas” de vigilância de fronteiras da UE, chamado O EUROSUR, permite que imagens e dados sejam trocados em tempo real entre os Estados-Membros da UE por meio de uma rede de centros de coordenação nacionais, para criar um “quadro situacional” das fronteiras externas da UE e das fronteiras internas da UE e além delas, com o objetivo de interceptar pessoas em movimento. Os países vizinhos da UE (especialmente os do norte da África) estão sendo solicitados a também fornecer informações à rede. A Frontex gerencia a rede EUROSUR e a unidade central do ETIAS.
Outro aspecto é a militarização crescente da política migratória e nesse aspecto também, a agência FRONTEX joga um papel importante, porque tem vínculos cada vez mais estreitos com empresas de armamento e segurança impulsionados por um orçamento de cerca de 2 bilhões de euros para a compra/locação de equipamentos durante o período 2021-2027. Essas grandes empresas (como Airbus, Leonardo e Thales e outras) são influentes na definição das políticas de migração e fronteiras, sendo convidadas pelas instituições da UE a participar de órgãos consultivos oficiais, onde a migração é apresentada como um problema de segurança que deve ser combatido com os produtos e serviços que esse setor “especializado” oferece. Além de aumentar os gastos militares da UE, por exemplo, com a criação do Fundo Europeu de Defesa – que beneficia também o complexo militar-industrial fronteiriço. A Organização Europeia para a Segurança (EOS) é o principal grupo de lobby.
A política de externalização: “fora da vista, fora da mente”!
Um ponto central dessa reforma, é o aumento do número de acordos com países não europeus, de origem e/ou trânsito de migrantes (Tunísia, Mauritânia, Egito, etc), em uma tentativa de impedir a saída de pessoas para a Europa ou de “exportar” o tratamento de solicitudes de entrada em centros de detenção para fora da UE. A “externalização das fronteiras” se baseia em exercer pressão sobre países terceiros para que atuem como postos avançados de guarda de fronteiras para a UE, impedindo a entrada de migrantes antes mesmo que eles cheguem às fronteiras da UE.
Além da “triagem” obrigatória dos migrantes que chegam às fronteiras da UE, registrando-os no banco de dados comum do Eurodac, está previsto um “procedimento de fronteira” para aqueles que são estatisticamente menos propensos a receber asilo: eles serão mantidos detidos em centros fora da UE, enquanto seu caso é examinado em uma base acelerada, com o objetivo de enviar os solicitantes de asilo rejeitados de volta mais rapidamente. “É o pacto da vergonha, porque abole o direito individual ao asilo”, denuncia Abolish Frontex. Existe grande preocupação com a “detenção de famílias com crianças” e a “criminalização” dos migrantes..
Um exemplo dessa política de externalização é o recente acordo de Itália (confrontada com um fluxo de migrantes de 145.000 em 2024) com a Albânia. Neste pequeno país vizinho da Itália, que não é parte da União Europeia, serão construídos dois centros para transferir os migrantes resgatados pela Itália no mar mediterraneo, durante o processo express de análise de sua demanda por asilo. Os centros serão financiados e administrados pela Itália, com apoio da polícia albanesa. A Albânia espera atrair o apoio da Meloni para ingressar na União Europeia.
Entretanto, para ajudar os países com grande número de exilados que chegam, como Itália, Grécia e Espanha, o novo pacto de migração prevê um sistema de “solidariedade obrigatória” entre os países da UE: Os outros Estados-Membros devem contribuir, aceitando receber parte dos solicitantes de asilo (realocações) ou fazendo uma contribuição (financeira ou material) para o país sob pressão migratória, ou seja, pagar para não recebê-los!
Essa abordagem repressiva e orientada para a segurança de contenção e deportação dos movimentos migratórios aumenta os riscos nas estradas sem impedir a mobilidade ou proteger de fato os direitos das pessoas. Os esforços de externalização também costumam ter consequências graves em países terceiros, legitimando e fortalecendo regimes autoritários e suas forças de segurança, minando as economias locais (baseadas na migração) e desviando os fundos da ajuda ao desenvolvimento. As medidas contidas no Pacto levarão a um aumento de tragédias humanitárias e violações dos direitos e liberdades fundamentais dos migrantes. As políticas de fronteiras da UE são inerentemente racistas e reforçam as estruturas de poder colonial e capitalista. É hora de abolir a Frontex e o sistema que ela representa.
A plataforma do movimento pela abolição de FRONTEX (4) defende as seguintes exigências: Abolir a Frontex; Regularizar o status dos migrantes; Acabar com a detenção, Parar todas as deportações; Parar a militarização das fronteiras (e do complexo militar-industrial); Parar a vigilância das pessoas que estão se deslocando, em movimento; Liberdade de movimento para todos; Fortalecer a solidariedade com os migrantes; Parar o regime de fronteiras da UE.
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