Já escrevemos nesta coluna que a ausência de revoluções socialistas vitoriosas desde 1975 é um fato que precisamos encarar corajosamente e entender sem auto-engano. Além disso, constitui-se em um drama de dimensões quase existenciais para os revolucionários, com tremendas consequências subjetivas na construção de partidos e correntes socialistas no mundo inteiro. Agora, é preciso abordar a questão desde outro ponto de vista. O “realismo leninista”, na expressão de Trótski, não pode se confundir com o ceticismo estéril, antessala do cinismo e do niilismo. Se não vemos ou vivemos revoluções, que sentido tem fazermos o que fazemos? Sermos quem somos? E o mais importante: quais são as condições para que a revolução deixe de ocupar o distante horizonte histórico e retorne ao horizonte político?
O que é uma revolução?
Não existe uma obra específica em que Marx tenha exposto, de maneira concisa e definitiva, sua teoria da revolução. Talvez o Manifesto Comunista, de 1848, seja o que mais se aproxima desse resumo. Mas em geral, suas indicações estão dispersas em vários escritos. O livro de Michael Löwy A Teoria da Revolução no Jovem Marx é, provavelmente, a melhor sistematização sobre o tema. Mas é justamente isso: uma sistematização, ou seja, precisou se alimentar de muitas obras diferentes para produzir uma síntese. Em alguns textos, Marx se preocupa em entender o mecanismo histórico através do qual uma classe politicamente dominada, economicamente explorada e humanamente alienada se constitui em classe dominante para a libertação de toda a humanidade: Manuscritos Econômicos e Filosóficos, A Ideologia Alemã, Crítica à Filosofia do Direito de Hegel etc. Em outras, o filósofo alemão analisa os processos revolucionários concretos, tratando de tirar conclusões práticas e dar-lhes orientação política: O 18 de Brumário de Luis Bonaparte, As Lutas de Classes na França, Mensagem ao Comitê Central da Liga dos Comunistas (1850) e outros.
Mas isso não significa que não haja um conceito de revolução em Marx. Para ele, que escrevia na aurora do movimento operário, quando muita coisa ainda permanecia encoberta pelo véu do novo, a revolução era um ato ao mesmo tempo político e histórico de auto-emancipação das massas. Como se vê, trata-se de uma ideia geral. Muitas coisas não ficam claras nesta visão: o papel do partido, da Internacional, o mecanismo de tomada do poder. Outras coisas Marx simplesmente não tinha como prever: o surgimento de organismos de tipo soviético como instrumento de luta pelo poder, o papel do imperialismo, a evolução da democracia burguesa. De maneira geral, no entanto, as indicações de Marx são um poderoso guia para a elaboração de qualquer teoria da revolução para o século 21.
As coisas mudaram bastante com a morte de Marx e a massificação dos partidos social-democratas europeus, principalmente o alemão, no último quartel do século 19. Neste caso, estamos falando de um partido com centenas de milhares de membros orgânicos, absolutamente hegemônico na classe trabalhadora, o partido da classe por excelência, que quase se confundia com a classe. A social-democracia alemã conquistou cadeiras parlamentares, municipalidades, sindicatos, criou clubes, fundos de ajuda mútua, associações, publicava dezenas de jornais diários, revistas, promovia encontros culturais, criou uma Internacional Socialista e uma Internacional Sindical. Parecia não haver limites para o crescimento da influência do poderoso SPD.
Mas esse fato, extremamente positivo por si só, provocou uma certa confusão teórica no seio do partido. A social-democracia alemã continuava sendo uma organização revolucionária. Porém, o que entendia por revolução começou a mudar. Dada a enorme influência do SPD e o extremo grau de consciência e organização da classe operária alemã, a revolução socialista começou a ser vista não mais como um ato político concreto, delimitado no tempo e no espaço, uma reviravolta nacional mais ou menos abrupta e violenta, mas como um tipo indefinido de passagem histórica, uma espécie de “transcrescimento” da classe dominada em classe dominante. Não era ainda uma visão reformista, o que só surgiria com Bernstein e só se consolidaria no início do século 20, com a adoção pelo SPD de posições social-patrióticas pró-guerra. Mas a luta pelo poder perdia espaço em benefício de uma visão indeterminada de revolução, com mecanismos, prazos e ferramentas intangíveis. O peso da social-democracia na classe operária e da classe operária na sociedade era tão grande que turvava a visão dos dirigentes, admitindo-se inclusive a passagem do poder de Estado para o proletariado via eleições, hipótese levantada pelo próprio Engels em seu famoso prefácio de 1895 ao livro de Marx As Lutas de Classes na França. Repetimos: não era ainda uma visão reformista. Mas era uma visão limitada de revolução, pois retirava-lhe o seu aspecto político concreto e a encarava como processo puramente histórico, abstrato, portanto relativamente indolor e quase espontâneo.
Essa visão de revolução se refletia também na concepção de partido. Para a social-democracia alemã, o partido não era um dirigente político, mas uma espécie de “pedagogo” que acompanharia a classe em seu processo de amadurecimento e transformação histórica. Essa opinião era compartilhada tanto pelos setores mais moderados, quanto pelos mais radicalizados do SPD, como Rosa Luxemburgo, para a qual a revolução era uma ação fundamentalmente de auto-emancipação das próprias massas, exatamente como apontara Marx.
A virada de Lênin
Aquilo que veio a se chamar “leninismo” se desenvolveu em condições completamente distintas daquelas encontradas na Alemanha, e isso em vários sentidos.
Em primeiro lugar, o sistema imperialista mundial havia chegado a seu máximo grau de desenvolvimento para aquele período histórico. Até certo ponto, atingira um limite. O capitalismo não crescia mais linearmente e sem contradições, fornecendo ao proletariado todas as condições para sua auto-organização e conquista de reformas. Ao invés disso, a luta pelo mercado mundial e pelo controle do sistema internacional de Estados empurrava os países para o abismo da crise econômica, social e política, o que acabaria desembocando na Primeira Guerra Mundial, precedida na Rússia pela Guerra Russo-Japonesa de 1905. A lenta, porém segura, evolução reformista não tinha mais espaço no início do século 20. Assim, a tarefa da época não era mais desenvolver o pensamento de Marx, mas levar suas ideias à prática.
Além disso, na própria Rússia as condições eram muito diferentes. O proletariado russo era jovem, ainda muito ligado ao campo, sem experiências significativas de auto-organização e luta. Os sindicatos, tanto quanto os partidos, eram proibidos e não havia nenhuma possibilidade de um desenvolvimento “à la Alemanha”, ou seja, um crescimento gradual e regular da influência dos partidos operários. Para tomar o conceito de Gramsci, o grau de consenso na sociedade russa era muito pequeno e o Estado se baseava fundamentalmente na coerção.
Lênin percebe essa diferença entre os dois países e conclui que o modelo alemão não pode servir como parâmetro para o desenvolvimento da social-democracia russa. Ele levanta então sua grande questão: O que fazer? E responde a ela.
Dado o grau de coerção da sociedade, a revolução socialista na Rússia não pode ser um transcrescimento mais ou menos prolongado e indolor do proletariado em classe dominante. É preciso assaltar o poder. Lênin transfere então a revolução do horizonte histórico para o horizonte político. A revolução passa a ser um problema prático, e não apenas teórico-filosófico. Daí sua obsessão em definir as condições de vitória da revolução: o conceito de situação revolucionária. A revolução não é mais uma longa passagem metamórfica, mas uma crise aguda, insuportável, um colapso nacional que envolve todas as classes e instituições, onde o poder pende inerte e pode ser tomado via uma ação político-militar decidida. A fórmula leninista é uma contribuição tão simples quanto genial: “os de cima não podem, os de baixo não querem”.
Assim, ao invés das forças cegas da história, entra em ação a força consciente da política. É preciso mudar a correlação de forças, empurrar a situação em um sentido que permita ao proletariado avançar, se organizar, tomar consciência de suas tarefas e possibilidades. Por isso, Lênin é também um fanático da tática: encontrar caminhos, buscar aliados, atacar os flancos mais frágeis, retroceder temporariamente para tentar uma nova ofensiva, evitar o confronto nos quadrantes mais difíceis, ganhar tempo, golpear de surpresa.
Quando a revolução recua, em 1906-1907, o chefe bolchevique volta suas atenções à Duma de Estado, o limitado parlamento tsarista. Suas táticas parecem não ter limites: boicote às eleições, participação nas eleições, unidade do POSDR contra os kadetes, alianças com os kadetes contra as Centúrias Negras, candidaturas próprias dos bolcheviques. Uma vez conquistada a maioria da cúria (bancada) operária na Duma, Lênin, além de dirigente político da organização, cumpre quase as funções de um assessor parlamentar: escreve discursos para os deputados, negocia, articula.
Quando vem o ascenso, em 1910-1914, seu interesse gira novamente ao movimento de massas. É preciso reconectar, restabelecer vínculos, se ligar às lutas concretas. Em 1914-1917, seu foco é a guerra e suas consequências na vida nacional: a situação do soldado-camponês, a crise econômica, o movimento operário.
Por fim, em 1917, trata de convencer seus camaradas que aquilo que eles estão vendo é a própria revolução, sobre a qual falaram e escreverem tanto. Sua abordagem novamente é tática e concreta: em fevereiro-abril não apoia o Governo Provisório, mas também não chama à sua derrubada. A crise ainda não amadureceu. É preciso desenvolver os organismos de duplo poder, sem os quais não pode haver um governo genuinamente proletário. Em maio-junho admite a possibilidade de um governo socialista amplo que ascenda ao poder de forma pacífica, via um simples divórcio entre os sovietes e o Governo Provisório. Se compromete a ser a ala esquerda do hipotético novo governo e acatar as decisões e o regime dos sovietes. Em julho-agosto, levanta a hipótese de que os sovietes tenham fracassado enquanto organismos de combate e faz uma curta aposta nos comitês de fábrica, que, no entanto, não se comprova. Finalmente, o golpe de Kornílov fornece à chama da revolução o combustível de que necessitava para voltar a arder. Sua certeza de que o momento chegou se transforma frequentemente em ansiedade e irritação. Seu relativo isolamento é aquele de quem vê mais longe. “A crise amadureceu” é a expressão que mais aparece em seus escritos do período. São dezenas de cartas ao Comitê Central, desesperadas, ameaçadoras. Chantageia, manobra. Por fim, não se contém e retorna incógnito a Petrogrado, apesar da ordem de prisão expedida contra ele. Desconfia das inflexões táticas que Trótski implementa à frente do Comitê Militar Revolucionário. Pensa que talvez o presidente do Soviete de Petrogrado também não esteja convencido de que é o momento, assim como não estavam Zinóviev e Kámenev quando vazaram a polêmica bolchevique sobre a tomada do poder para a imprensa burguesa. Depois se acalma, aceita as explicações de Trótski e se engaja nos operativos da noite de 24 para 25 de outubro. Triunfa.
Este homem, conhecido por sua intransigência teórica e principista, se nos apresenta aqui como política pura, tática magistral, faro e empiria, vida elevada à máxima potência. Esse aspecto de sua atividade, tanto quanto sua solidez estratégica, foi a base de sua vitória.
E paralelo a tudo isso está o partido. Na Rússia, ele não pode ser um “pedagogo”, um arquiteto distante, filósofo ou sociólogo. Ele tem que sujar as mãos. Assim, em Lênin, o partido é um dirigente das lutas, um organizador da experiência prática, um condutor do cotidiano. Ele não pode crescer em longo prazo, orgânica e pacificamente. Precisa avançar aos saltos porque tem que pegar o tsarismo de surpresa. É um partido político, em um sentido que o SPD alemão jamais foi. Sua organização interna, seu regime centralista democrático são apenas consequências desse fato primordial: um partido para ação, para a experiência. Não um grupo de discussão, não um conselho de sábios, mas um partido militante.
É essa ênfase na ação partidária que foi, à sua época e mesmo depois, muito criticada como “jacobinismo” e confundida com ultra-esquerdismo. Mas Lênin e os bolcheviques aceitavam com orgulho a pecha de “jacobinistas”. Para eles, o jacobinismo representava o melhor da tradição revolucionária: a luta incansável pelo poder, a radicalidade que se nutria de uma profunda compreensão das necessidades e possibilidades da história. O grande ancião do marxismo russo Plekhánov percebeu essa característica de Lênin muito cedo e logo formulou sua famosa sentença sobre o jovem Uliánov: “É dessa massa que se fazem os Robespierres”. E ele estava certo.
O irrepetível século 20
O século 20 teve características singulares e contraditórias. Por um lado, confirmou a visão leninista de política e organização. Por outro, deu alguma razão ao modelo alemão. Em que sentido?
A concepção leninista se mostrou correta em vários pontos. Em primeiro lugar, a revolução se tornou um problema político prático. O século 20 foi, com mediações, a época da “revolução iminente”. Revoluções triunfaram nos mais diversos países e pelas mais diferentes vias: guerra popular prolongada na China, foco guerrilheiro em Cuba, ocupação do Exército Vermelho na Europa Oriental, levante anti-imperialista no Vietnã e Coreia do Norte, resistência antifascista na Iugoslávia. Além disso, ocorreram revoluções que poderíamos chamar de “abortadas”, desviadas ou derrotadas em Portugal, Chile, Nicarágua, El Salvador, Espanha, Grécia. Em todas elas, havia uma organização que atuava como direção político-militar: a resistência titoísta, o exército de Mao, o Movimento 26 de Julho, a Frente Sandinista, os vietcongues etc. Nesse sentido, Lênin teve razão.
Mas o século 20 foi tão espetacular em termos de ascenso revolucionário que acabou permitindo também algo não tão desenvolvido por Lênin: o surgimento de grandes partidos proletários que detinham a hegemonia na classe trabalhadora e cresciam “linearmente” na sociedade segundo o “modelo alemão”. Isso ocorreu devido ao poder avassalador da Revolução Russa e, mais tarde, da vitória do Exército Vermelho sobre o nazifascismo. Graças a esses dois grandes fatos, o socialismo se tornou parte do imaginário político da classe trabalhadora e muitas organizações que se referenciavam na Revolução Russa e na União Soviética chegaram à influência de massas. O socialismo parecia uma alternativa ao alcance das mãos e as grandes organizações socialistas e comunistas do século 20 se apresentavam como instrumento dessa luta. Os PC’s e PS’s do mundo repetiram um pouco do caminho trilhado pelo SPD alemão, embora nunca tenham chegado ao mesmo nível de desenvolvimento e influência.
Voltar a Lênin, voltar à política
E o que nos trouxe o século 21? O fim da União Soviética significou uma derrota histórica para a classe trabalhadora e o projeto socialista. O comunismo se viu desmoralizado, pisoteado, ridicularizado. A marcha avassaladora do neoliberalismo e da reestruturação produtiva pelo mundo durante os anos 1990 culminou na dispersão econômica do proletariado e em uma profunda crise de sua subjetividade. O socialismo saiu do horizonte político e se deslocou para o horizonte histórico. Novamente, surge a questão: O que fazer?
Certamente, sabemos o que não se pode fazer. Não é mais possível atuar como no século 20, quando o socialismo era uma referência palpável, um modelo real com méritos e defeitos, mas detectável e compreensível. A classe trabalhadora perdeu seu instinto de poder. Aliás, nem mesmo o fato de ela ser uma classe específica lhe é evidente. Muito menos a consciência de seus interesses imediatos e de seu projeto histórico. Aqui, não basta apelar à “crise de direção”. Se existe uma crise, é a da própria classe trabalhadora.
O que temos então? Uma classe trabalhadora amplíssima, diversa, altamente produtiva, mas atomizada econômica e politicamente, inconsciente de sua condição, de seus interesses e até mesmo de sua própria existência. Não há uma referência socialista – nem reformista, nem revolucionária. A ideia de que existe uma alternativa ao capitalismo está simplesmente fora do radar da ampla maioria do proletariado. A única “alternativa” que avança é a distopia fascista, fundamentalista, colonial e climática.
Por outro lado, há crise, ebulição, revoltas. A luta de classes segue existindo. Os velhos sindicatos entraram em crise e respiram por aparelhos, mas surgiram novos movimentos sociais, novas questões, novas lutas. Organizações de esquerda surgiram, se fortaleceram, venceram e foram depois apeadas do poder. Outras resistem. Praças foram ocupadas, estátuas foram derrubadas e o poder central foi ameaçado. Guerras civis eclodiram. Se é assim, há espaço para a política. Aliás, o único espaço que existe é o da política.
Nesse sentido, é preciso voltar a Lênin. As condições adversas enfrentadas pelo proletariado na atual etapa histórica não são uma determinação absoluta, um fenômeno da natureza, mas o resultado de uma certa combinação de fatores, todos eles humanos. São o resultado de uma determinada correlação de forças. E a correlação de forças é, por excelência, o objeto da política.
A política revolucionária do século 21 não pode ser uma declaração de princípios que ninguém conhece nem concorda. Também não pode ser uma “retropolítica”, uma nostalgia identitária stalinista. Mas também não pode ser uma acomodação às confortáveis cadeiras de couro do parlamento ou mesmo das administrações municipais.
Ela precisa ser a reconstrução de uma hegemonia perdida, a luta pelo fortalecimento dos movimentos reais envolvidos em lutas reais. Trata-se de um longo processo histórico porque muito foi perdido. Mas ele começa agora, com a política, com a inteligência tática, com a saudável empiria leninista e com todas as mediações táticas necessárias assentadas sobre uma sólida base de princípios e um profundo senso de estratégia.
A reconstrução dessa hegemonia perdida não será a repetição mecânica dos passos do SPD ou da fração bolchevique. A história não se repete. A classe trabalhadora mudou. O mundo mudou. O caminho rumo à influência de massas será inédito e específico do nosso século. Muitas das velhas fórmulas devem ser descartadas. Algumas conservadas. Outras inventadas.
Por isso, a construção de um partido revolucionário em um tempo sem revolução faz todo o sentido, desde que esse partido saiba em que mundo vive. Porque a política não acabou. Ao contrário, na sociedade do século 21 ela se tornou mais importante e mais necessária. Porque trazer a revolução do horizonte histórico de volta ao horizonte político só é possível com a política. “Tudo agora é política!”, se queixam alguns. É verdade. Mas fazer política se tornou também mais difícil.
Em O Partido e a Revolução, seu mais importante livro, o dirigente trotskista argentino Nahuel Moreno nos explica a complexa dialética entre o histórico e o imediato. A crise revolucionária é o momento em que as tarefas históricas se fundem com as tarefas imediatas em um único ato, ao mesmo tempo histórico e imediato: a tomada do poder. A política é o catalisador dessa fusão, a linha dessa costura, é quem aproxima, dia a dia, luta a luta, esse programa histórico do programa imediato. Muitas organizações esqueceram isso, esqueceram que foram fundadas para fazer política. Mas essa foi a grande obra de Lênin. Esse era o sentido de suas cartas desesperadas desde sua palhoça no esconderijo finlandês. Tolos! Não veem que isto é exatamente uma revolução? E por isso ele venceu onde a vitória era menos provável: em um país atrasado, com uma classe operária oprimida, desorganizada, analfabeta e inconsciente. Ele reconhecia o peso da história, mas não atribuía a ela um valor absoluto. Acreditava, como Marx, que a história era forjada por seres humanos e a submetia aos golpes pacientes de outra atividade humana: a política.
A Rússia foi “o modelo avançado” durante muitos anos porque foi lá que triunfou a revolução mais poderosa e mais complexa. Mas Lênin queria que ela se tornasse um “modelo atrasado”. Seu sonho era a superação do modelo russo, que a Rússia voltasse à retaguarda da revolução mundial e outros países ocupassem esse posto. A história se encarregou de por alguns obstáculos à realização desse sonho. Hoje, mais do que nunca, é preciso voltar a Lênin, mas num sentido mais amplo e mais profundo. Para superá-lo. Não intelectualmente, mas praticamente. Quer dizer: por meio da política, dar carne e vida ao programa, à estratégia, aos princípios. Realizar a tarefa histórica não de outro, mas do nosso tempo.
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