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BRASIL

Por que apagamos fogo com gasolina?

Sobre a exploração da nova frente de óleo e gás em Sergipe, a pilhagem da Zona Costeira.

Por Edji Mendonça Dias, da Coordenação Estadual do Afronte! Sergipe e militante da Resistência
Elisa Mendonça Dias

Em novembro de 1960, de fato, a Petrobras encomendou a dois técnicos brasileiros uma revisão geral  das jazidas sedimentares do país. Como resultado de seus informes, o pequeno estado nordestino de  Sergipe passou à vanguarda na produção de petróleo” (1)

Foi necessário que eu lesse esse trecho no livro “As Veias Abertas da América Latina” para que me desse  conta da importância internacional de Sergipe. Eu não vivi o auge da Petrobrás em Sergipe, apenas o que  conheço é a sua decadência. Um sindicato que se enfraqueceu, uma Petrobrás cheia de dívidas com as  comunidades costeiras (com relação às compensações determinadas pelo IBAMA). Só o que ouço falar  é de um passado de riqueza, de hegemonia da nossa maior estatatal, que assim como veio, se foi, de  repente. Como a cidade de Macondo do romance Cem Anos de Solidão (uma cidade metafórica para  simbolizar as centenas de cidades pilhadas e povos explorados em nome do mercado internacional  colonialista na América Latina), que depois de muito explorada, simplesmente desaparece do mapa, em  Sergipe o “esgotamento” da exploração de petróleo deixou apenas as ruínas dessa indústria. Em 2024,  um estado tão rico e importante internacionalmente que aparece no livro de Galeano, Sergipe aparece  liderando o índice de insegurança alimentar segundo os dados do PNAD (2). A quantidade de riqueza  retirada do solo desse pequeno lugar, se aqui tivesse ficado pelo menos metade, sem dúvida possibilitaria  que nenhuma família passasse fome nos dias de hoje. No mínimo que ninguém nunca mais precisasse  pagar por transporte público. 

Em sistemas organizados ao contrário, quando a economia cresce, cresce com ela a injustiça social.  No período de maior êxito do “milagre brasileiro” (aqui Galeano se refere ao período da ditadura  militar), aumentou a taxa de mortalidade infantil nos subúrbios da cidade mais rica do país (São  Paulo)(3).

Visto esse histórico trago um fato: a Petrobrás vai voltar, com previsão para o início da exploração em  2027. Há uma nova frente de exploração de óleo e gás na região costeira de Sergipe e o SEAP (Sergipe  Águas Profundas), em que Petrobrás está a todo vapor trabalhando arduamente para conseguir as licenças  ambientais para instalar seus monumentos ao desenvolvimento (que se equilibrarão no horizonte de  Sergipe, sugando o subsolo pra transformá-lo em gás carbônico e plástico) e um gasoduto de  aproximadamente 120km (quase o tamanho do litoral sergipano inteiro, que possui 163km). Esse  gasoduto vai passar do mar para dentro da costa, colocando em risco comunidades tradicionais como o  Quilombo Pontal da Barra, que já disse não a um estudo de componente de quilombola, por fazer parte  desse processo de instalação do empreendimento em seu território. Os riscos dessa vez serão maiores,  sem dúvida, visto que não haverá instalação de plataforma fixa e sim de FPSO (Floating Production  Storage and Offloading) (4) que são “navios-plataforma” afretados pela PTBR, que com um furo no casco  já podem ocasionar vazamento de óleo e colocar em risco a segurança de trabalhadores e comunidades (5). Queremos ver acontecer novamente o que aconteceu em 2019 com o maior crime ambiental de  derramamento de óleo em nossa costa? Aparentemente sim. 

Com o IBAMA nitidamente enfraquecido, sendo proibido judicialmente até mesmo de seu direito básico  de fazer greve, está difícil barrar uma empresa com poderes internacionais. Além disso, se a presidente  da Petrobrás já afirmou que vai mesmo furar a foz do Rio Amazonas, sabemos que o que não falta é  coragem para furar a costa de um pequeno Estado que não comove nacionalmente. Todos esses fatores  são agravados pelo apoio dado por parte da esquerda sergipana, que, nessa pauta, são aliadas a direita e extrema direita, na defesa da exploração de petróleo e gás natural via projeto SEAP. Agindo como agentes  da conciliação de classes, que recuam os movimentos de base, em favor do empresariado e acreditam  que é bom continuar explorando petróleo e gás para “desenvolver o país”, “gerar emprego”, “garantir  soberania nacional”. Sobre isso, evoco mais uma vez Galeano: 

Entretanto, sempre que o Estado passa a ser dono da principal riqueza de um país, é bom perguntar  quem é o dono do Estado. A nacionalização dos recursos básicos não implica por si só, a redistribuição  da receita em benefício da maioria, nem põe, necessariamente, em perigo os privilégios da minoria  dominante” pg 343 (6)

No Brasil vemos hoje uma verdadeira pilhagem da costa. Isso é nítido quando vemos a PEC das praias  (Projeto de Emenda a Constituição, cujo relator é Flávio Bolsonaro (PL-RJ) que busca privatizar as áreas  de Marinha), o processo de mapeamento das áreas da União através da SPU, que se iniciou em Sergipe  por ser o menor Estado do Brasil, portanto mais fácil de mapear e que são não fosse pelo Fórum de Povos  e Comunidades Tradicionais de Sergipe seria feito sem participação das comunidades costeiras e  tradicionais, apenas com empresários que já grilaram as terras, e agora o SEAP. 

Os prejuízos humanos são incalculáveis, incompensáveis. Não há mitigação que salve. Além de  prejudicar a vida e reprodução social de uma centena de comunidades tradicionais entre o Norte de  Sergipe e o Norte da Bahia, impedindo pescadores artesanais e marisqueiras continuarem seus trabalhos  em equilíbrio com o meio ambiente, ainda colocando todas as comunidades costeiras em risco de se  afogarem em óleo, usurpando e destruindo os mangues e as praias, como o caso da PEC das praias, para  construir condomínio, resort e casino, dando privilégio à grande carcinicultura ao invés de preservar e  cultivar essas comunidades que são criadoras de cultura e possibilidades de futuro, ainda vamos  contribuir com lenha para fritar a nós e às futuras gerações, que arcarão com a consequência de viver o  inferno na terra. 

Sabendo de tudo isso, nos perguntamos: até quando vamos apagar fogo com gasolina? Até quando vale  a pena explorar petróleo e gás? As comunidades tradicionais e comunidades costeiras terão o direito de dizer não? Vale tudo pelo desenvolvimento? 

Vamos crescer! Vamos deixar tudo em ordem e progresso! Afinal: “Nada mais em ordem que um  cemitério” (7)

Notas

1 GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina: tradução de Galeano de Freitas. Ed.  49. Rio de Janeiro, Paz e Terra, (2009, estudos latino-americano, v.12). Do original em espanhol: Las  venas abiertas da America Latina. p.: 210. 

2 g1 SE. Sergipe lidera ranking de insegurança alimentar, aponta IBGE. 24 de março de 2024.  Disponível em: <https://g1.globo.com/se/sergipe/noticia/2024/04/25/sergipe-lidera-ranking-de inseguranca-alimentar-aponta-ibge.ghtml>. Acesso em: 18 de julho de 2024. 

3 Idem, p.: 360 

4 PAES, Mariana Cavassin. Projeto Sergipe Águas Profundas (SEAP). 16 de agosto de 2023.  Disponível em:<https://sergipeoilgas.com.br/wp-content/uploads/2023/08/PETROBRAS-Projeto Sergipe-Aguas-Profundas-SEAP-Mariana-Cavassin-Paes.pdf>. Acesso em: 18 de julho de 2024.

5 SindipetroNF. FPSO operado pela Modec coloca em risco segurança e meio ambiente. 24 de  agosto de 2019. Disponível em: <https://sindipetronf.org.br/fpso-operado-pela-modec-coloca-em-risco seguranca-e-meio-ambiente/> Acesso em: 18 de julho de 2024. 

6 Idem, p.: 343 

7 Idem, p.: 362