No dia 7 de abril de 1924 o Vasco escrevia uma das mais importantes páginas do futebol brasileiro ao negar fazer parte da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA) quando esta exigiu que o clube afastasse do elenco os jogadores Negros.
O contexto do futebol nos anos 20
Apesar de hoje ser o esporte mais popular do país no começo do século XX o futebol era um esporte das elites. O amadorismo servia como uma barreira para os filhos da classe trabalhadora já que os atletas não podiam receber para jogar, isto era visto como uma questão de honra, só os ricos conseguiam praticar o esporte.
O país vivia um momento de crescimento da vida urbana, sobretudo no Rio de Janeiro então capital do Brasil, e um aumento da classe trabalhadora. Ligados ao operariado desde o seu surgimento na Inglaterra o futebol cresce junto com a ascensão da classe operária e toma o lugar do turfe e do remo como esportes que atraíam grandes multidões.
A população negra era impedida de jogar nas principais ligas por conta de duas proibições: Analfabetismo e profissões humilhantes. A Liga Metropolitana de Desportos terrestres usava esses critérios que atingiam sobretudo os negros e estes acabavam atuando em ligas menores e com pouca visibilidade. O Brasil aboliu a escravidão em 1888 então este período é marcado pelos ex-escravizados tentando se inserir na sociedade sem qualquer tipo de apoio estatal.
Os Camisas Negras
A partir de 1920 o Vasco começou a recrutar jogadores nas ligas de subúrbio para a disputa do campeonato estadual. Para vencer os critérios da Liga o clube passou a mandar professores até as casas dos atletas que os letravam e também os empregar em comércios dos sócios do clube.
Com um time formado majoritariamente por negros e operários o Vasco foi campeão de forma avassaladora do Estadual de 1923. São 12 vitórias em 14 jogos e o time se consagra como a potência local.
Diante da ascensão do Vasco os clubes rivais romperam com a Liga Metropolitana e criaram a AMEA que contava com novos princípios e pedia um registro mais rigoroso dos participantes. E surge um impasse quando o Vasco tenta inscrever seus clubes, mas a associação exige que os 12 jogadores negros sejam retirados do plantel da equipe. A resposta é a carta enviada pelo presidente José Augusto Prestes no dia 7 de abril que ficou conhecida como Resposta Histórica.
Destaca-se na carta: “São esses doze jogadores, jovens, quasi todos brasileiros, no começo de sua carreira, e o acto publico que os pode macular, nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que elles com tanta galhardia cobriram de glorias.
Nestes termos, sentimos ter que comunicar a V. Exa. que desistimos de fazer parte da A.M.E.A.”
Após ser excluído do torneio o Vasco viu a sua popularidade aumentar, pois foi abraçado por boa parte da população carioca que ia aos estádios para ver aquela equipe formada majoritariamente por homens negros.
Após um ano a AMEA aceitou a entrada do Vasco com os jogadores negros e exigiu a construção de um estádio a altura do torneio. Vem desta exigência a construção de São Januário, erguido pela torcida, que foi durante muito tempo o maior estádio do Brasil e segue sendo o maior estádio privado do Rio de Janeiro.
O racismo no país do futebol
Lembrar desta data histórica é importante para pensar na relação que hoje se estabelece no futebol brasileiro. Em 1947 Mario Filho escreveu O Negro no Futebol Brasileiro, livro basilar para entender as percepções da época e perceber como o campo era visto como espaço onde as desigualdades sociais não entravam, embora o próprio autor tenha revisto várias de suas ideias originais segue sendo válido ler e analisar esta obra.
Atualmente fica nítido um projeto de embranquecimento dos estádios de futebol a partir de um projeto de arenização que coloca preços caros nos ingressos e dificulta a vida dos mais pobres de acompanhar seu time de perto. Refletindo uma sociedade que segrega ricos e pobres nos espaços de poder e de lazer. Reflete-se também ao analisar a cor dos dirigentes dos clubes e federações. O futebol é um esporte praticado em grande medida por negros, mas quem comanda são os homens brancos quase sempre oriundos da elite.
Recentemente também é necessário ressaltar o papel importantíssimo do Vini Jr que tem se levantado contra o racismo nos campos espanhóis e no mundo todo. Abandonando a ideia de que se deve responder ao racismo jogando bola e aceitando passivamente. Os gestos de Vini são um marco na mudança da relação com os racistas no futebol.
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