“Acaso a tragédia do Holocausto implica uma política de eterna impunidade?
Ou essa luz verde provém da potência mais poderosa que tem em Israel o mais incondicional dos seus vassalos?”
Eduardo Galeano
O governo fascista e assassino de Netanyahu fez um escândalo com a declaração de Lula contra o genocídio do povo de Gaza. A comparação com o Holocausto feita por Lula em uma intervenção oral pode não ser a mais correta, mas a essência é a de que se trata de um genocídio, como diz a acusação feita pela África do Sul junto à Corte Internacional de Justiça, honrando a memória de Nelson Mandela que dizia que “eles nunca seriam livres enquanto os palestinos não o fossem”. Sabemos que não todos os genocídios são iguais, mas genocídio é genocídio. O Holocausto é um deles e se diferencia especialmente pelo número de vítimas e pela preparação cuidadosa e a técnica industrial com que foi perpetrado. Mas o que já sabemos e o que saberemos depois sobre o massacre contra Gaza pode certamente se constituir no maior massacre na Palestina Histórica.
A verdadeira lição do Holocausto é que se deve lutar para que nada assim ocorra nunca mais, para nenhum povo. Mais do que ninguém por um estado que se reivindica de forma abusiva como estado representativo de todos os judeus, o que não é o caso, como pelo mundo todo ecoam vozes judaicas dizendo “Não em meu nome!”.
Lula se posicionou do lado correto. Corretíssimo. O sentido claro de sua fala foi o de alertar e buscar deter o massacre e/ou a limpeza étnica anunciada abertamente pelo governo israelense.
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Além disso, criticou a suspensão da ajuda humanitária por parte dos países mais ricos para a UNRWA, a agência da ONU para os refugiados palestinos, devido a uma simples denúncia sem provas de que uma ínfima minoria de seus funcionários estariam ajudando o Hamas. Uma atitude criminosa, a começar pelos EUA e pela União Europeia, quando esta ajuda é literalmente a diferença entre a vida e a morte em Gaza. O exemplo anunciado por Lula de aumentar a verba doada para a UNRWA (embora não tenha dado cifras) deve ser seguido por todos os países do mundo que não se vergam aos Estados Unidos e seu assecla Israel. Em particular os mais ricos, como a China. Esta é uma ação urgente porque sem a ajuda desta Agência uma parte importante dos habitantes de Gaza, em particular as crianças, pode não sobreviver. Além disso, conforme explicou o Programa de Alimentos da ONU, o bloqueio de fascistas israelenses, comandados pelo ministro de Segurança, Itamar Bem Gvir, está impedindo a entrada de comboios humanitários no Norte de Gaza.
O cinismo do governo de Israel e dos que o apoiam é tremendo: negam-se a reconhecer que Gaza tem 80% de sua população constituída de refugiados e seus descendentes, como produto da limpeza étnica de 1948 e 1967, e que é uma imensa prisão a céu aberto desde 2006. Tudo que entra em Gaza é controlado por Israel, seja por mar ou por terra. Até a moeda é o shekel (moeda israelense) e a documentação pessoal é emitida por Israel. A Faixa de Gaza tem mais 75% de desempregados e há anos as Nações Unidas avaliaram que em 2020 a vida humana nela não mais seria possível.
É este o contexto (como disse Antonio Guterres, secretário-geral da ONU, logo depois dos ataques do Hamas) em que se deve entender os fatos de 7 de outubro. Como disse de forma precisa, logo depois dos ataques, o corajoso jornalista israelense Gideon Levy, “trancaram a população de Gaza em uma jaula por 17 anos, o que vocês esperavam?”
Estes mais de 4 meses foram tremendos: Israel destruiu o resto de vida civilizada em Gaza, matou pelo menos 30 mil pessoas, mais da metade crianças e mulheres, há mais de 60 mil feridos em condições desconhecidas, além dos que estão desaparecidos embaixo dos escombros bombardeou e invadiu hospitais, escolas, moradias e foi expulsando a população palestina para o Sul. Utilizando as armas e bombas mais pesadas do arsenal americano, como as bombas de 1000 quilos (!!!), não utilizadas desde a guerra do Vietnã, além das bombas de fósforo branco, incendiárias, que são proibidas por causar danos terríveis sobre as pessoas, lançadas, segundo a Human Rights Watch e a Anistia Internacional, pelos militares israelenses.
Agora parece ter chegado o momento de executar a anunciada estratégia do governo de Netanyahu no sentido de proceder a uma segunda Nakba, expulsando a grande maioria da população palestina para o deserto do Sinai e recolonizando-a como querem os mais fascistas neste governo extremista.
A denúncia da África do Sul à Corte Internacional de Justiça (CIJ), apoiada por tantos países e povos do mundo, fala com propriedade em intento de genocídio. A CIJ, em uma declaração preliminar, disse que havia indícios de genocídio e ordenou que Israel adotasse medidas para impedi-lo. A decisão final pode levar um bom tempo ainda. A cínica resposta de Israel tem sido a de preparar a limpeza étnica e/ou o massacre de 80% da ensanguentada Faixa, O momento é de dramática urgência. Netanyahu disse as forças de ocupação israelenses invadirão Rafah, o que pode escalar tremendamente o genocídio.
As informações dos jornais israelenses falam da previsão de uma operação no começo do Ramadã (10 de março) em Rafah, com seus 1,4 milhão de habitantes vindos em sua grande maioria empurrados pelo avanço mortal das tropas israelenses. O Egito, para onde esses palestinos seriam empurrados, adota uma atitude de duplicidade: declarou que não aceitará isso, mas os informes são de que já haveria preparações para isso, ainda que talvez não na proporção desejada pelos israelenses.
Além disso, o governo Biden deu mais uma demonstração hoje de que, apesar de algumas críticas verbais a Netanyahu, resolveu lhe dar mais tempo, ao vetar a proposta de cessar-fogo temporário feito pelos países árabes, o que concede mais tempo para Israel seguir com seus planos.
Por outro lado, Netanyahu deu apoio à proposta de Itamar Ben Gvir, que quer impedir os muçulmanos da Cisjordânia de irem rezar na Esplanada das Mesquitas em Jerusalém durante o mês do Ramadã que começa ao redor de 10 de março, o que pode ser outro ponto de extrema tensão. Ou seja, como já estão fazendo na Cisjordânia desde o 7 de outubro (onde mais de 400 palestinos foram assassinados e milhares aprisionados nas masmorras sionistas), querem seguir a expropriação de suas terras e acelerar a colonização.
A repercussão da fala de Lula e os próximos passos
Os fatos se precipitaram. É hora de dar um passo adiante: o governo Netanyahu convocou o embaixador do Brasil para uma reunião. O que era para ser uma instância diplomática protocolar, transformou-se em uma tentativa de humilhar o embaixador. Em vez de a reunião se realizar no Ministério de Relações Exteriores, ela se deu no Museu do Holocausto em Jerusalém, o Yad Vashem, dirigido por um ultra-direitista, Dany Dayan, que foi dirigente dos colonos da Cisjordânia. Em 2015, ele tinha sido nomeado como embaixador de Israel no Brasil. O governo Dilma, corretamente, vetou seu reconhecimento porque a colonização israelense era condenada pela diplomacia brasileira.
Além disso, o Ministro das Relações Exteriores de Israel, anunciou que Lula tinha sido considerado como persona non grata em Israel.
Lula adotou uma medida rápida. Chamou o embaixador brasileiro para consultas em Brasília, o que é um passo muito importante, pois pode degradar as relações dos dois países em termos econômicos, diplomáticos e políticos.
Hoje, dia 20, houve uma sessão da Corte Internacional de Justiça para apreciar o caso contra Israel pela ocupação dos territórios palestinos há quase 57 anos. Nela a representante brasileira Maria Clara de Paula Tusco declarou que “o Brasil espera que o Tribunal reafirme que a ocupação israelense dos territórios palestinos é ilegal e viola obrigações internacionais por meio de uma série de ações e omissões”. Além disso acrescentou que essas práticas equivalem à anexação daqueles territórios e pediu que Corte leve em conta medidas tomadas por Israel, como o confisco de terras palestinas, a destruição de casas dos palestinos, a construção de colônias israelenses e do muro na Cisjordânia, além da adoção de medidas que alteram a composição demográfica dos territórios ocupados.
O passo consequente depois do discurso de Lula em Adis Abeba seria o de romper relações diplomáticas com Israel. E também as relações comerciais, em particular aquelas que têm a ver com a importação de materiais militares de repressão às manifestações no Brasil, que são uma especialidade israelense obtida na larga experiência obtida com a repressão sobre o povo palestino. Apesar de o ritmo da diplomacia seja lento, o momento exige presteza.
A hora é decisiva! O Brasil é um país importante e seu exemplo ainda mais decisivo seria de grande ajuda na solidariedade com o povo palestino. E, mais além das posições adotadas no campo diplomático, é preciso que haja grandes manifestações em solidariedade aos palestinos pelo mundo porque, por incrível que pareça, o perigo de aumento no genocídio ocorrido até agora é mais do que provável.
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