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O Centro Dom Bosco e o projeto católico de restauração conservadora

Romero Venâncio

Romero Venâncio é Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco e professor da Universidade Federal de Sergipe (Departamento de Filosofia e Núcleo de Ciências da Religião). Atua em pesquisas sobre: Marx, Sartre, F. Fanon, Enrique Dussel e o pensamento Decolonial Latino Americano.

Acabei de ler o ensaio do saudoso historiador mineiro Francisco Iglésias sobre o pensamento reacionário católico brasileiro no livro: “História e ideologia” (editora perspectiva, 1981). O texto do Iglésias tem o sugestivo titulo: “Estudo sobre o pensamento reacionário. Jackson de Figueiredo”. Mais de 40 páginas sobre a formação e o desenvolvimento de um pensamento reacionário e inteligente do sergipano J. de Figueiredo que esteve a serviço da Igreja Católica até sua trágica morte. Iglésias vai nas origens do pensamento reacionário católico desde a França no Século XIX na esteira de Pio IX e demonstra sua influência na Igreja do Brasil através da liderança do enérgico cardeal Leme.

A referência a Jackson de Figueiredo não foi gratuita. Mas uma escolha objetiva e direta de um personagem marcante no conservadorismo católico brasileiro. Este senhor ofereceu régua e compasso para um pensamento conservador presente e futuro e chegou até hoje. Figueiredo escrevia bem e muito. Mas sempre foi além da escrita. Ser católico no mundo moderno é lutar contra o mundo moderno. E não se luta sem “armas”, ou seja, estruturas. É preciso montar estruturas para a batalha (das ideias, inclusive). O grande feito do reacionário sergipano: criar o Centro Dom Vital. O nome do centro e sua estrutura não foram pensadas aleatoriamente. Foi caso pensado e bem pensado.

O Centro Dom Vital foi (é, ainda) uma associação de leigos católicos fundada no Rio de Janeiro em 1922 pelo advogado e jornalista sergipano Jackson de Figueiredo e com total apoio do então cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Sebastião Leme, com o objetivo de congregar a intelectualidade católica brasileira num pensamento conservador para enfrentar as ideias modernistas. Anticomunista de primeira e crítico das ideias liberais, o Centro buscava uma “terceira via” (que nunca existiu) que seria uma espécie de “integrismo católico” em modelo francês. Ao longo de sua história, o CDV teve entre seus membros intelectuais, figuras como Alceu Amoroso Lima (que muda no decorrer da história. Vai do conservadorismo à esquerda no fim da vida), Gustavo Corção, Sobral Pinto, Tarcísio Padilha, Luiz Paulo Horta, Carlos Frederico Calvet e Ricardo Cravo Albin.

O CDV procurou aproximações com o Integralismo e seu mentor, Plínio Salgado… Sempre no combate ao comunismo e na defesa de um catolicismo romanizado e tridentino na linha do Concílio Vaticano I. Partia do pressuposto de que a “alma do brasileiro/brasileira” é conservadora por natureza. Só que era preciso “formar essa “alma conservadora” da média dos católicos brasileiros. Partiam de uma ideia importante e produtiva: formar quadros intelectuais católicos para agir no mundo. Ou seja, tornar o Brasil mais católico ainda. Ampliar o domínio político e cultural (essa palavra é chave nos anos 20 e 30 dentro e fora da Igreja). Homens em sua maioria e algumas mulheres, intelectuais brancos, bem nascidos e enfiados na classe média carioca e conscientes de sua classe e de sua religião. Uma coisa não vinha sem a outra. Para um cardeal politiqueiro como Sebastião Leme, era uma mão na roda ter essa gente do seu lado e subservientes.

Aqui entra o Centro Dom Bosco do Rio de Janeiro. Sentem-se herdeiros direito do Centro Dom Vital e tem como objetivo recuperar na atualidade o espírito e o projeto do CDV de 1922. Só que sem apoio do atual Cardeal do Rio de Janeiro e de boa parte do clero católico carioca. Toda a direção do CDB (Centro Dom Bosco) é composta de leigos assumidamente reacionários. A presença constante nas redes digitais é uma marca deles. Equipamentos de primeira linha em termos digitais. Som, câmeras, versatilidade nas plataformas digitais e apelo cada vez mais virulento.

Nascido em 17 de setembro de 2016, o CDB se define assim: “somos uma família que reza, estuda e defende a fé. Homens e mulheres na condição de leigos católicos que, unidos, buscam levar uma vida a serviço da Santa Igreja. Estudamos a doutrina bimilenar a fim de resgatar o que foi perdido por causa do modernismo e das diversas infiltrações na estrutura eclesiástica.” (página pública deles). Mais explícito, impossível. Semelhante e na linha do Centro Dom Vital, não têm apenas o objetivo de estudar e organizar missas tridentinas. Vão bem além. Têm um projeto profissional de formação.

Assumem abertamente o combate canino ao Concílio Vaticano II e suas consequências na Igreja do Brasil. Ancorados no espírito de Dom Marcel Lefebvre, recuperam cotidianamente a linhagem tradicionalista. Do Concílio de Trento ao Concílio Vaticano I, traduzem textos de Papas tradicionalistas, recuperam textos anacrônicos de padres e leigos e dão uma série de cursos com esse material traduzido. Impressionante trabalho para um laicato católico. O perfil deles é quase o mesmo do antigo CDB: maioria de homens, com algumas poucas mulheres na linha de frente, jovens e brancos em sua maioria. De classe média, para variar. Divulgam um selo editorial. Criaram uma editora com livros luxuosos, capas cuidadosamente preparadas e de conteúdo reacionário no campo católico.
Por fim, estão desenvolvendo um projeto de tentar articular todos os grupos possíveis de Católicos conservadores do Brasil e América Latina. Para isto, criaram o evento: “Liga Cristo Rei”. Evento anual que congrega uma série de grupos reacionários de católicos que estão nas redes digitais. Estão avançando cada vez mais. Com rigor intelectual de direita, com disciplina e com agitação e propaganda (que chamam de “apostolado”), têm crescido dentro e fora do catolicismo romano no Brasil.

Venho pesquisando a extrema direita católica brasileira nas redes digitais e em algumas dioceses desde 2018. Demarco o inicio da pesquisa em 2013 por conta das “jornadas de junho” que fez aparecer uma direita virulenta e organizada e por conta da eleição do Papa Francisco na liderança do catolicismo romano. Na esquerda brasileira e na esquerda católica acontece um fenômeno comum: a esquerda só estuda a esquerda. São raros os estudos sobre as direitas vindo de pesquisadores de esquerda. Resolvi mudar um pouco esta estatística.

Uma descoberta curiosa: simplesmente, impressionante o crescimento deste conservadorismo entre os jovens. Quem pensa que essa nova leva de reacionarismo católico é de pessoas com mais de 60 anos de idade e pré-conciliares, está redondamente enganado. São jovens que procuram sedentamente este tipo de “espiritualidade”. Há uma onda conservadora em meios juvenis no Brasil e no mundo. A luta e o sonho deles: a “restauração da tradição”. Tema de um outro texto.