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BRASIL

Chacina na Baixada: A violência policial como política do governo Tarcísio 

Por Raphael Guedes, de Santos (SP)

A Baixada Santista, região metropolitana de São Paulo, foi palco de uma terrível chacina que se estendeu por 40 longos dias. Essa operação policial, conhecida como “Escudo”, foi lançada com o objetivo de vingar a morte de um soldado da ROTA, e desencadeou uma onda de violência que afetou principalmente os territórios periféricos, onde a maioria da população é composta por pessoas negras e pobres. O resultado foi a morte de pelo menos 28 pessoas pela polícia, com a ação mais intensa ocorrendo em Guarujá. O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) documentou “graves violações de direitos humanos” cometidas pela polícia, incluindo execuções sumárias, negligência no socorro às vítimas, invasões de residências sem mandados judiciais e casos de tortura.

O cancelamento dessa operação ocorreu logo após a Defensoria Pública de São Paulo e a ONG Conectas entrarem com uma ação civil pública exigindo que a Justiça estadual obrigue os policiais a utilizarem câmeras nos uniformes e a prestarem contas por essas ações brutais. Eles argumentaram que a operação já se configurava como uma “vingança institucional”, comparando-a a um infeliz capítulo da nossa história, o “esquadrão da morte”. Nesse cenário de terror, até o ouvidor da polícia de São Paulo chegou a ser ameaçado de morte, evidenciando a hostilidade dirigida àqueles que buscam o cumprimento da lei.

A Operação Escudo agora entra para a lista de atrocidades cometidas pelas forças policiais em São Paulo, incluindo os crimes de maio de 2006, a operação Castelinho de 2002, o massacre da Sé, o infame Carandiru e os eventos recentes em Paraisópolis.

Tarcísio e Derrite e o bolsonarismo em São Paulo 

Essa chacina na Baixada Santista reflete o persistente apoio às políticas bolsonaristas que encontraram abrigo sob o governo de Tarcísio. A nomeação de Guilherme Derrite como secretário de segurança já indicava essa trajetória sombria. Derrite, deputado federal eleito pelo PL de Bolsonaro, deixou a ROTA devido a um alto número de mortes em serviço. Em 2015, um áudio revelou suas críticas a policiais que não acumulavam pelo menos três mortes em seus currículos.

Tarcísio e Derrite adotam a estratégia de militarização dos territórios periféricos, trazendo-a do Rio de Janeiro. Essa abordagem, quando combinada com a normalização de execuções sumárias e outras práticas violentas e ilegais, paradoxalmente transforma a própria força policial em algo que, supostamente, deveria combater: o crime organizado. Essa situação abre perigosamente as portas para a potencial proliferação de milícias.

Diante das sérias denúncias que pesam sobre a atuação policial, o governador e o secretário de segurança ecoaram o discurso tradicional do bolsonarismo, desqualificando as denúncias e rotulando-as como simples ‘narrativas’. Tarcísio chegou até mesmo a afirmar estar ‘extremamente satisfeito com os resultados’ da operação policial, enquanto as vidas perdidas eram tratadas como meros efeitos colaterais de sua “guerra às drogas”.

A necropolítica, essa doutrina de morte adotada por Tarcísio e Derrite, provocou uma drástica escalada nas estatísticas de mortes envolvendo policiais. Em agosto, assistimos perplexos ao número de vidas ceifadas pelos policiais militares dobrar, em comparação ao mesmo período no ano anterior, saltando de 19 para 38 casos. Nos primeiros seis meses deste ano, as mortes oriundas das incursões dos PMs em serviço aumentaram em um ritmo assustador, um acréscimo de 26% no estado, indo de 123 ocorrências no primeiro semestre de 2022 para 155 no mesmo período deste ano.

A crescente violência nas regiões periféricas de São Paulo também tem tido um impacto significativo no aumento das mortes dos próprios policiais. Quando a força policial recorre a ações que incluem execuções sumárias e faz uso excessivo e ilegal da força, ela cria um ambiente de hostilidade que, por sua vez, aumenta o risco de conflitos letais entre os políciais e indivíduos envolvidos em atividades criminosas. As estatísticas corroboram esse sombrio quadro; até agosto de 2023, já morreram 24 policiais, representando um aumento de 11% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Qual a saída?

Esse cenário dramático atual reforça a centralidade da luta contra a extrema direita e o bolsonarismo. A guerra contra o povo pobre, negro e periférico é uma política de governo de Tarcísio e Derrite e deve continuar enquanto eles não forem derrotados.

Na Baixada Santista precisamos cercar de solidariedade ações como as que vêm realizando o movimento Mães de Maio, que organizou protestos e ações de apoio aos familiares das vítimas da violência policial na região. Também é imperativo que os partidos de esquerda, como o PT, PSOL e PCB, bem como os sindicatos, movimentos sociais, trabalhem em unidade para construir uma forte mobilização contra a política genocida de Tarcísio.

Na Baixada Santista precisamos cercar de solidariedade ações como as que vêm realizando o movimento Mães de Maio, que organizou protestos e ações de apoio aos familiares das vítimas da violência policial na região. Também é imperativo que os partidos de esquerda, como o PT, PSOL e PCB, bem como os sindicatos, movimentos sociais, trabalhem em unidade para construir uma forte mobilização contra a política genocida de Tarcísio.

Nesse sentido foi muito importante a atuação dos parlamentares de esquerda do estado, como a mandata da Bancada Feminista do PSOL, que esteve no Guarujá, junto com a Comissão de Direitos Humanos da ALESP. A Bancada entrou com uma representação no MP para que seja apurada a operação e os excessos da PM.

Precisamos romper de uma vez por todas com o ciclo vicioso que envolve a violência policial, o encarceramento em massa e as tragédias humanas resultantes. Já passou da hora de deixarmos para trás a herança autoritária da ditadura militar, cuja sombra ainda paira sobre nós, assim como a cultura de impunidade que floresceu graças à anistia concedida aos militares envolvidos em crimes cometidos em nome do Estado naquele período sombrio de nossa história.

Para efetuar essa transformação, torna-se imperativo desmilitarizar as forças de segurança e adotar uma abordagem profundamente antirracista. Precisamos reconhecer a ineficácia da abordagem atual na chamada ‘guerra às drogas’ e a urgente necessidade de descriminalização. Além disso, é essencial que invistamos de forma significativa em inteligência investigativa como medida eficaz para combater o narcotráfico.

Raphael Guedes é professor de História e membro da coordenação Baixada Santista da Resistência/PSOL.