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MOVIMENTO

40 anos da CUT: passado, presente e futuro

Mauro Puerro

1983. Nesse ano o Brasil perdia o mestre e artista da bola, Garrincha. A triste ironia é que a Taça Jules Rimet, que Garrincha ajudou a conquistar em 1958 e 1962, foi roubada da sede da CBF no final deste mesmo ano. Perdia também a genial e artista da voz, Clara Nunes, no auge do sucesso. Sua última apresentação foi cantar em janeiro para cerca de 100 mil pessoas na Av. Paulista em São Paulo. A ditadura civil-militar seguia cambaleante seu curso final, abalada pela crise econômica e política, mas principalmente pelas grandes greves e mobilizações dos principais batalhões da classe trabalhadora. Em março, tomavam posse os 22 governadores, primeiros eleitos diretamente após o golpe militar de 1964. Lá fora, Klaus Barbie, alto oficial do regime nazista, acusado de inúmeros crimes de guerra e crimes contra a humanidade é preso na Bolívia. Raul Alfonsin é eleito presidente da Argentina substituindo o último presidente do regime militar. A guerra fria entre EUA, ainda lambendo as feridas da sua derrota no Vietnã em 1975, e a União Soviética, também já mal das pernas, seguia seu curso que terminaria em 1989 com a queda do muro em Berlin. Foi nesse cenário que em 28 de agosto de 1983 foi fundada a Central Única dos Trabalhadores em São Bernardo do Campo por mais de 5 mil delegados de todo o país.

Dois anos antes, em 1981 tinha ocorrido a CONCLAT (Conferência da Classe Trabalhadora) na Praia Grande, litoral de São Paulo, também com mais de 5 mil delegados. A necessidade de unificar a classe trabalhadora e suas lutas era urgente. A CONCLAT estava dividida em dois setores. Um defendia a fundação de uma central apoiada nas bases dos sindicatos e nas oposições sindicais, muito fortalecidas neste período, para isso propunha uma comissão pró-CUT para organizar o congresso de fundação. Outro defendia a construção de uma central apoiada nas cúpulas dos sindicatos, reorganizando por aí a CGT que havia sido colocada na ilegalidade pelos militares em 64. A Comissão pró-CUT foi aprovada. Porém depois da CONCLAT os que defendiam a CGT romperam com a Comissão pró-CUT.

As delegações que chegavam a São Bernardo em 28 de agosto vinham do país inteiro: norte, nordeste, sul, sudeste, centro-oeste, do campo e da cidade. Eram metalúrgicos, bancários, trabalhadores da educação, petroleiros, trabalhadores rurais, funcionários públicos, enfim todos os segmentos da classe trabalhadora que se colocaram em movimento desde o final da década de 1970 e o início dos anos 1980. Delegados e delegadas que representavam as grandes greves e enfrentamentos do período. Sabiam que era necessário unificar as lutas por salário, emprego, condições de trabalho e também pelo fim da ditadura. Sabiam que era necessário um instrumento democrático para isso. Assim nasceu a CUT aprovada praticamente pela totalidade do congresso. Foi fundamental na centralização das lutas no período e no apoio às oposições sindicais que organizavam a vanguarda das greves na retomada dos sindicatos e na fundação de outros, nos setores proibidos de ter sindicatos pela ditadura. A independência perante governo e patrões, como também a autonomia frente às organizações políticas foram base para sua fundação. Foi o período de ouro do movimento sindical brasileiro que se estendeu até grande parte dos anos 1990 do século passado.

A grande virada nesta trajetória ocorre, paradoxal e contraditoriamente, após uma importante vitória no terreno eleitoral da classe trabalhadora: a eleição de Lula em 2002. Sem entrar em balanço dos erros e acertos dos governos do PT, a Central errou muito nos 14 anos das gestões de Lula e Dilma. Perdeu sua independência e autonomia. Esta já vinha cambaleante, mesmo antes da ascensão de Lula. Isso se expressou em vários momentos, o mais decisivo foi o apoio da maioria da direção da CUT à Reforma da Previdência feita pelo governo logo no início do seu mandato. Era uma medida que retirava direitos dos trabalhadores e tinha oposição da maioria dos sindicatos, particularmente do setor público, o mais atacado. Essa postura da central, que muitas vezes se portava mais como braço do governo no movimento do que representante dos trabalhadores perante o governo, a enfraqueceu relativamente e gerou várias rupturas importantes ainda que minoritárias. Daí surgiram a Conlutas( hoje CSPConlutas), a Intersindical Central e a Intersindical Instrumento de Luta. Sindicatos importantes se desfiliaram da CUT neste processo. Sua estrutura interna já não era mais a mesma, altamente democrática, do período inicial da central. Com o repasse de verbas do imposto sindical às centrais durante as gestões petistas, muitas outras centrais foram oficializadas. As duas centrais do passado transformaram-se em mais de 10, por razões políticas e, em maior caso, por razões financeiras, resultando em uma grande fragmentação na nossa classe. Mesmo assim a CUT continuou e continua como a maior delas.

Com o golpe contra Dilma em 2016, aumentaram violentamente os ataques ao povo trabalhador. Isso só piorou com a eleição do fascista Bolsonaro em 2018, pois seu governo de ultradireita além de retirar mais direitos também ameaçava as já frágeis conquistas democráticas da população. Situação política dura que só piorou com a pandemia e a posição negacionista do genocida. Nessa realidade, corretamente foi criado o Fórum das Centrais Sindicais para dirimir a fragmentação. Mas o grande acerto foi a criação do Comitê Fora Bolsonaro, organismo de frente única da classe que reuniu além do Fórum das Centrais, as Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular, a Coalizão Negra por Direitos, o Fórum Sindical e Popular por Direitos, a UNE, os partidos políticos da classe e diversas entidades dos movimentos sociais, inclusive dos setores mais explorados e discriminados na sociedade capitalista. As grandes mobilizações convocadas pela Frente Única não estabeleceram a necessária correlação de forças para botar abaixo o governo do fascista, mas foram decisivas para que ele fosse derrotado por Lula nas eleições e para que não fosse vitorioso em um golpe, como era seu desejo. A tentativa de golpe no 08 de janeiro foi fracassada. Esta lição do passado recente é fundamental para comprovar como a fragmentação dos organismos da classe, a começar pelas centrais, deve ser superada e como é decisiva a manutenção de um organismo de Frente Única, pois Bolsonaro foi derrotado eleitoralmente, mas a ultradireita segue com muito peso e governa os estados de São Paulo, Minas e Rio de Janeiro entre outros. A ultradireita e os fascistas ainda não foram derrotados categoricamente na luta direta. Quando tiverem oportunidade podem tentar novamente um golpe contra a população e nossa parca democracia. O movimento sindical deve ter a batalha contra os fascistas como política fundamental nesta conjuntura.

Ao comemorar os 40 anos de sua fundação, a CUT deve refletir bastante sobre a realidade atual, mas também nos acertos e erros destes 40 anos de história. Apesar da vitória eleitoral de Lula, seu governo tem uma fortíssima oposição de ultradireita ainda com muito peso popular. Além disso, vive sobre pressão da direita liberal que exige medidas que vão contra os interesses da população, como o arcabouço fiscal. Direita liberal que pressiona também por ampliação maior do já errôneo governo de frente ampla, inclusive com a incorporação de Lira e seus asseclas. A ultradireita fascista deve ser combatida e derrotada. Também deve ser enfrentada a política da direita liberal. A melhor forma de fazer isso é exigir do governo que cumpra com os compromissos com a classe. É preciso cobrar do governo investimento em saúde, educação, moradia, transporte. Para isso taxar as grandes fortunas e isentar do imposto de renda os que ganham até 5 mil reais por mês como foi prometido na campanha. É preciso revogar os grandes ataques que vieram depois do golpe, ampliados nos 4 anos de Bolsonaro: as reformas trabalhista, da previdência e do ensino médio entre outras. É preciso governar atendendo as reivindicações da população trabalhadora e dos setores mais discriminados da nossa classe e não se submetendo às reivindicações de Lira e companhia ilimitada. É preciso defender o MST e a reforma agrária diante da campanha caluniosa que o movimento está sofrendo. Assim o fascismo fica mais fraco. Essa é a melhor forma de defender o governo eleito perante os ataques da oposição de ultradireita e também das pressões da direita liberal. Para isso é urgente manter o organismo de frente única e um calendário de mobilizações. O congresso da CUT não pode se omitir sobre todas essas questões.

A CUT precisa retirar lições dos erros que cometeu durante os 14 anos das gestões petistas do passado. Não pode se tornar novamente braço do governo no movimento sindical e popular. Deve também retirar lições de por que os sindicatos, importantes organismos da classe, estão enfraquecidos com raras exceções, sem falar das próprias centrais. Há uma tarefa fundamental hoje que é similar à tarefa da geração dos inícios dos anos 80. Assim como naquela época, é decisivo construir um organismo unitário, democrático e de luta da classe trabalhadora, apesar da realidade atual distinta à daquele momento. É um absurdo a fragmentação em mais de 10 centrais. É necessário acabar com essa divisão. É necessário reorganizar nossa classe de forma democrática, independente e autônoma em base a um programa de reivindicações do povo trabalhador. É preciso dar vida a muitos sindicatos para que eles recuperem o prestígio perdido. Estar em conexão permanente com as reivindicações de sua base, salário, emprego, direitos, mas também com as demandas por moradia, transporte público, saneamento. É preciso lutar contra o machismo, o racismo, a misoginia e a homofobia. É preciso defender o meio-ambiente, os quilombolas e os povos originários transformando os sindicatos e central em instrumentos também de todas estas lutas em unidade com os movimentos sociais. A CUT precisa definir qual será seu papel nessa nova realidade. É preciso enfrentar os difíceis desafios da atualidade como Garrincha enfrentava as duras defesas adversárias com seus dribles e criatividade. É preciso enfrentar os desafios com a força e a garra que tinha a operária e cantora Clara Nunes. Nós estamos dispostos a essa batalha.

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