Um laudo da perícia papiloscópica realizada a partir de uma cooperação técnica entre o Sistema de Segurança Pública do Estado do Pará e a Polícia Federal confirmou que as digitais do coronel Leonardo Franco Costa, chefe do gabinete militar da Procuradoria Geral de Justiça do Pará, estão no veículo particular do jornalista Kleyton Silva, que o acusa de abuso de autoridade, ameaças e promessas de represália. A Amazônia Real teve acesso ao documento e acompanha as investigações do caso.
“Após exame pericial de pesquisa e comparação papiloscópica, constatam os signatários que os fragmentos de impressão digital B e C do vestígio 6 são convergentes com as impressões padrão do registro do banco civil em nome de Leonardo Franco Costa”, diz trecho da conclusão do laudo. Segundo a perícia, há coincidências quanto ao campo papilar e suas minúcias, o que torna possível afirmar que as impressões digitais foram produzidas pela mesma fonte.
O exame foi solicitado pelo delegado Arthur Afonso Nobre de Araújo Sobrinho, da Polícia Civil, que investigou o caso. O objetivo foi confrontar fragmentos encontrados no carro com as impressões digitais que fazem parte da ficha funcional e dados datiloscópicos do coronel.
A perícia usou dados do Sistema Automatizado de Identificação Biométrica da Polícia Federal. O sistema oferece cruzamento de dados, consultas de impressões digitais e até reconhecimento facial. A ferramenta tecnológica possibilita a identificação de pessoas e o armazenamento biométrico de cidadãos.
Por meio de nota, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) informou que o inquérito da Policia Civil foi concluído e remetido à Justiça. A Segup disse ainda que o relatório foi compartilhado com todos os órgãos do Sistema de Segurança Pública, para que, junto com informações de inteligência e análise criminal, seja elaborado um protocolo integrado de combate à criminalidade envolvendo jornalistas.
A Segup não divulgou, até o momento, detalhes da conclusão do inquérito.
O jornalista afirma que teve o seu veículo cercado e atacado pelo coronel e pelo menos outros três homens desconhecidos no dia 13 de abril, na avenida Dr. Freitas, onde o carro estava estacionado. Nesse dia, Kleyton trabalhava como assessor de comunicação do Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Pará (SISEMPPA) na posse do procurador-geral de Justiça, César Bechara Nader Mattar, no Hangar – Centro de Convenções.
O fato teria acontecido após Kleyton ter a mochila com equipamentos fotográficos revistada, sem a sua presença. O jornalista notificou a assessoria de comunicação do Ministério Público do Pará logo após saber do fato e questionou o militar.
Segundo o jornalista, após discutir com o coronel, ele foi cercado pelos homens, conseguiu ficar trancado dentro do carro e pediu ajuda por meio do celular. Ainda de acordo com o depoimento de Kleyton, nesse momento os quatro homens se afastaram, mas fizeram ameaças e promessas de represália. Sem o uniforme militar, o coronel teria descido de uma Hilux prata acompanhado por outro homem e atacado o carro de Kleyton.
Além da Polícia Civil, o caso é investigado pelo Ministério Público Militar do Pará, responsável pelo Controle Externo da Atividade Policial no estado; e Corregedoria da Polícia Militar do Pará. A corregedoria já ouviu os depoimentos de Kleyton e do coronel.
Leia a reportagem completa sobre a denúncia de agressão.
Antes mesmo do resultado da perícia, o promotor Armando Brasil, do Ministério Público Militar do Pará, órgão responsável pelo controle externo da atividade policial, informou à Amazônia Real que a Polícia Civil “encaminhou relatório pela ausência de provas” e que iria concluir o parecer, pois “as provas técnicas colhidas eram insuficientes para oferecer ação penal”. A reportagem tentou falar novamente com o promotor, mas a informação é que ele só vai se manifestar novamente quando o relatório da corregedoria for concluído.
Habeas corpus preventivo
Enquanto as investigações não são concluídas, a assessoria jurídica do Sindicato dos Jornalistas do Estado do Pará solicitou um habeas corpus preventivo para o jornalista, com o objetivo de evitar a ocorrência de uma violação iminente aos direitos de liberdade de locomoção.
Durante a abordagem, um dos homens anotou a placa do carro e Kleyton questionou o motivo. Foi informado que eles queriam conversar. Enquanto isso, os homens trocavam mensagens. Em seguida, um veículo do modelo Hilux, prata, parou ao lado do veículo do jornalista e foi pedido a ele que abaixasse o vidro. Em um primeiro momento, ele recusou. Sentindo-se pressionado, logo depois cedeu e abaixou o vidro. Nesse momento, de acordo com Kleyton, o coronel Franco teria colocado a mão no vidro para forçá-lo a baixar ainda mais. Outro indivíduo, junto com o coronel, golpeou o vidro do carro e tentou abrir a porta traseira. Foi então que o jornalista simulou uma ligação de emergência e, ao ouvir que ele estava conversando com alguém, os homens desistiram da abordagem e afirmaram que o “procurariam e encontrariam”.
Depois disso, o jornalista conseguiu registrar em vídeo o motorista entrando no carro e voltou para o evento, onde pediu que a banda interrompesse a apresentação, denunciando publicamente o ocorrido.
Nesse momento, o coronel Franco entrou no salão de recepção, segundo o jornalista “visivelmente desequilibrado”, e foi em direção a ele, sendo contido por terceiros. A assessoria jurídica destaca que o militar tentou prender Kleyton, não tendo conseguido efetuar a prisão diante da intervenção de uma promotora de Justiça.
“Existe claro receio de cerceamento de liberdade, o que fundamenta a impetração do habeas corpus preventivo”, afirma o advogado Virgílio Moura, que acompanha o caso.
Após o ocorrido, o jornalista dirigiu-se a um estabelecimento comercial, na capital, para buscar a namorada. Neste momento, um veículo Hillux de cor branca se aproximou e os ocupantes manusearam o celular, como se estivessem tirando fotos ou filmando. Ao perceberem que o jornalista registrou a situação em vídeo, deixaram o local no veículo.
O que diz o coronel Franco
O coronel Franco negou, em depoimento à Polícia Civil no dia 5 de maio, a agressão contra o jornalista e classificou o caso como “fofoca”, pois não precisaria “mexer” na bolsa do jornalista. Ele afirmou que no dia 13 de abril fazia a segurança do evento, do novo procurador-geral e dos familiares.
No depoimento, ele disse que se sentiu humilhado pelas acusações, lembrou que tem mais de 20 anos de atuação na Polícia Militar e nunca passou por constrangimento parecido. Afirmou ainda que está acostumado a chefiar eventos de grande porte para diversas autoridades, “sempre com respeito a todos os convidados”.
Alegou ainda que, “em determinado ponto do evento, a assessora de comunicação do Ministério Público do Pará, Bruna Augusta, teria informado que um jornalista estava querendo conversar com ele, pois supostamente algum militar havia mexido em sua bolsa de trabalho”. No depoimento, o militar prosseguiu afirmando que teria perguntado qual era o nome do militar, mas que a jornalista afirmou não saber. De acordo com Franco, ele pediu à jornalista que chamasse Kleyton para conversar no final do evento e continuou a coordenar a segurança da cerimônia. Momentos depois, alegou que o jornalista “teria chegado transtornado até ele, apontando o dedo em seu peito e gritando: “Na próxima vez que tu quiser mexer na minha bolsa, tu me avisa”. O coronel disse que tentou acalmar o profissional de imprensa, “inclusive, o chamando para conversar fora do evento” e que Kleyton não aceitou.
Franco disse que após a posse ouviu gritos no palco e que nesse momento estava na porta de entrada do salão onde haveria um coquetel. Identificou Kleyton o acusando de fazer ameaças e de tentativa de agressão. O coronel relatou ainda “que não entendeu a situação, mas foi em direção ao jornalista para questioná-lo” e algumas pessoas acalmaram a situação.
Ele negou qualquer tipo de ameaça ao assessor fora do evento e afirmou que estava o tempo todo no Hangar, fazendo a segurança. Pensa que Kleyton acreditou em uma fofoca, pois não precisaria mexer em sua bolsa, até pelo fato de ser o chefe de segurança do evento, podendo mandar outro policial fazer a revista.
Retaliação ao diretor sindical
Após o apoio do presidente do SISEMPPA, Diogo Alvarenga Solano, ao jornalista Kleyton Silva, o procurador-geral de Justiça, César Bechara Nader Mattar Júnior, retirou a gratificação que complementava a renda do servidor desde 2022. O diretor ocupa o cargo de auxiliar de administração no Ministério Público e apoia quatro promotorias. Em 2022, a própria chefia solicitou que ele recebesse a gratificação por causa do volume do trabalho.
Para Virgílio, tal atitude “expõe forte indício de represália, pois a portaria é retroativa a 17/04/23, precisamente a data em que o servidor prestou depoimento no referido inquérito policial, que apura a conduta do coronel PM Leonardo Franco”.
PGJ responde às entidades de comunicação sobre o fato
Em resposta a um ofício enviado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo – Abraji, Federação Nacional dos Jornalistas – Fenaj, Instituto Vladimir Herzog e Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, o gabinete da Procuradoria-Geral de Justiça do Pará enviou um e-mail, afirmando que tem conhecimento do caso e que existe procedimento policial investigatório em curso pela Polícia Civil, além de procedimento em trâmite na Promotoria de Justiça Militar. Disse ainda que mais informações devem ser requeridas aos referidos órgãos.
Originalmente publicado no portal Amazônia real
Comentários