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BRASIL

Programa Alfabetiza Belém: limites e desafios

Por Will Mota, de Belém (PA)
Agência Belém

Em 2021, no primeiro ano de governo do terceiro mandato da gestão Edmilson Rodrigues (PSOL), foi anunciado o Programa “Alfabetiza Belém” como um dos carros-chefe da política de educação da Prefeitura de Belém, tendo como meta superar o analfabetismo na capital até 2024. Segundo os dados do Cadúnico de 2020, havia cerca de 11 mil pessoas não-alfabetizadas na cidade naquele ano.

Até setembro de 2023, 1.963 jovens, adultos e idosos já foram alfabetizados pelo Programa idealizado em parceria entre a Secretaria Municipal de Educação, Universidades Públicas do Pará e Movimentos Sociais inspirados na Teoria Educacional de Paulo Freire e na metodologia cubana “Sim! Eu posso”, desenvolvida pelo Instituto Pedagógico Latino-americano e Caribenho (Iplac), em meados de 1990, sob coordenação da professora Leonela Inés Relys Diaz e que consiste em uma aproximação das letras do alfabeto com os números.

O Brasil tem cerca de 9,6 milhões de pessoas que não sabem ler e escrever, em sua maioria são moradores das regiões nordeste e norte, pessoas pretas e pardas e de baixa renda. Zerar o analfabetismo na segunda maior cidade da região norte será um feito de grande importância, uma conquista civilizatória encabeçada por um governo de esquerda. Contudo, é preciso assinalar algumas observações críticas acerca do último edital de chamamento público convocando alfabetizadores para a última etapa do Programa, pois é preciso que haja coerência entre fins e meios, sob pena de o objetivo estratégico da política não ser atingida ou ser atingida de modo precário.

No dia 14/11/2023, foi publicado pela Secretaria Municipal de Educação de Belém o Edital de Chamamento Público 001/2023 convocando “interessadas/os em atuar por tempo determinado no Movimento Alfabetiza Belém como Coordenadoras/es de turma, Alfabetizadoras/es populares e Educadoras/es da Educação Especial e Inclusiva desenvolvido em parceria com o Programa Brasil Alfabetizado/FNDE/BRALF/MEC”.

Em resumo, o edital abre 75 vagas para alfabetizadores populares, 10 vagas para coordenadores e 05 vagas para educadores da educação especial e inclusiva com o objetivo de avançar no processo de alfabetização de jovens, adultos e idosos durante os meses de fevereiro e maio de 2024. A remuneração em formato de benefício a ser pago para estas 90 pessoas que serão selecionadas é de R$ 1.100,00, sem vínculo trabalhista.

Chama atenção, entre os requisitos mínimos para a candidatura, que “3.3 Para a função de ALFABETIZADORAS/ES, as/os candidatas/os deverão possuir a escolaridade mínima de Ensino Médio completo, com experiência comprovada em Educação Popular e Educação de Jovens, Adultos e Idosos de no mínimo dois (2) anos; 3.3.1. As/os candidatas/os deverão residir na comunidade na qual funcionará a turma de alfabetização; 3.3.2. Será considerado como critério de seleção apresentação no ato de inscrição a comprovação de demanda do seu território como: lista de no mínimo 15 educandas/os para a região continental e 10 para a região insular em situação de analfabetismo que comporão a sua turma; 3.3.3. Será considerado como critério de seleção, apresentação de espaço para funcionamento da turma de alfabetização; 3.3.3.1. Ao apresentar espaço para funcionamento de turma, a/o candidata/o selecionada/o deverá apresentar no ato de inscrição comprovante de residência e declaração de disponibilidade do espaço ofertado”.

Grita logo de cara o formato precário com o qual se propõe o processo de alfabetização de jovens, adultos e idosos. Além do baixo valor da bolsa para remunerar o trabalho e custear o transporte dos educadores, inferior a 1 salário mínimo, cabe aos educadores fazer a busca ativa por alfabetizandos nos territórios, recrutá-los para formar turmas e ainda conseguir a cessão de espaço físico com materiais e equipamentos adequados ao processo educativo, um dever que deveria ser do Estado e não dos trabalhadores.

A Alfabetização deveria ocorrer preferencialmente na primeira totalidade da EJAI (Educação de Jovens, Adultos e Idosos), garantindo carga horária aos professores da rede municipal (que tem formação e experiência já consolidadas), nos espaços físicos das escolas municipais nos territórios, de modo a garantir a continuidade do processo de escolarização. De forma complementar, adequado aos propósitos de uma campanha de alfabetização, é possível e necessário constituir formatos alternativos em parceria com entidades da sociedade civil e movimentos sociais de modo temporário, em um esforço concentrado para ampliar os resultados educacionais e superar uma chaga histórica como o analfabetismo, contudo é preciso ter razoabilidade com intuito de respeitar e observar critérios mínimos de qualidade para o trabalho educativo e para a formação dos educandos. Infelizmente, o modelo proposto pela SEMEC acaba por cindir a alfabetização do processo de escolarização, estabelecendo um formato aligeirado e precarizado de alfabetização e trabalho docente.

Uma cidade educadora pressupõe o envolvimento da sociedade também na tarefa de alfabetizar, com o diálogo amplo e aberto entre Universidades Públicas, Movimentos Sociais de Educação Popular, Entidades da Sociedade Civil e Poder Público.

Uma cidade educadora pressupõe o envolvimento da sociedade também na tarefa de alfabetizar, com o diálogo amplo e aberto entre Universidades Públicas, Movimentos Sociais de Educação Popular, Entidades da Sociedade Civil e Poder Público. Seria fundamental retomar o Grupo de Trabalho com a Sociedade sobre o movimento de alfabetização.

Experiências de alfabetização de Jovens, Adultos e Idosos desenvolvidas por Universidades e Movimentos Sociais com dificuldades de garantir boas condições de trabalho, infra-estrutura e todo o apoio pedagógico necessário para os educandos em territórios populares são louváveis na medida em que muitas vezes se enfrentam com a omissão ou o boicote ativo de governos que se contrapõem às propostas de alfabetização e educação popular, contudo em um governo popular de esquerda que está à frente da elaboração das políticas públicas, espera-se que a superação do analfabetismo seja não só alcançada, mas conquistada de forma “educativa”, isto é, garantindo condições dignas de trabalho e remuneração e tornando efetivo o preceito constitucional de que educação é um direito de todos e dever do Estado.

Will Mota é Técnico em Assuntos Educacionais da UFPA, Doutor em Educação pela Universidade Federal do Pará e militante da Resistência (PSOL)