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MUNDO

Complexos caminhos da Polônia

Fernando Alves, de Varsóvia (Polônia)
Wlodek Goldkorn

Algo ocorre na Polônia. No Domingo, dia 4 de junho, em Varsóvia, cerca de 500 mil pessoas foram para um ato contra o governo de extrema-direita. Qualquer ato político que reúna meio milhão de pessoas merece a atenção dos marxistas. Considerando que a população de Varsóvia tem menos que 2 milhões de pessoas, mesmo em um ato que tenha reunido pessoas de todo País, ainda assim trata-se de um ato gigantesco.

Existe um cenário extremamente complexo. Não cabendo aqui a pretensão de responder exatamente todos os aspectos, mas tão somente apresentar alguns elementos do contexto. Entender a Polônia demandaria um longo estudo da história do país e seu povo. Por séculos a Polônia foi uma nação invadida e dividida entre Alemanha e Rússia. Sua história remete às invasões dos cavaleiros Teutônicos, dos Mongóis, passando pela brutal invasão nazista. O stalinismo é uma cicatriz na memória. O pacto entre Stalin e Hitler, de antes da Guerra, onde ambos dividiram a Polônia, tem um preço histórico. De modo que contraditoriamente, ainda que fosse um Estado operário, com efetivas conquistas na qualidade de vida do povo, ainda assim a memória histórica é como se a nação tivesse sido invadida pelos russos.

No dia 4 de junho de 2023 foi celebrado o aniversário de 34 anos das eleições em que posteriormente levaram à restauração do capitalismo. Neste ato estava entre as lideranças Lech Wałęsa, que em 1990 foi eleito presidente. Na década de 1980 ele havia sido um líder sindical muito importante. Então lutava por uma pauta democrática contra o Stalinismo. Mas no transcurso da luta passou a ser apoiado pelo Papa João Paulo II, que era polonês. Nas devidas proporções Wałęsa reúne uma trajetória sindical como a de Lula, mas com um resultado histórico similar ao de Gorbachev.

Mas então por que a esquerda foi para um ato que comemorava o fim do Comunismo? Desde 2015 a Polônia é governada pelo Partido Lei e Justiça (Prawo i Sprawiedliwość- PiS), que é liderado por Jarosław Kaczyński. Tendo na presidência Andrzej Duda e como primeiro ministro Mateusz Morawiecki. Tal partido tem uma pauta abertamente homofóbica. Criando leis que perseguem pessoas LGBT. Ao ponto em que na Polónia existe “Strefy wolne od LGBT”, ou seja áreas sem LGBT. São legislações municipais que proíbem a “divulgação de ideologia LGBT”. Na prática restringem casamentos, tentam impedir que pessoas LGBT sejam professores nas escolas.

Em 2019 o Parlamento Europeu votou contra tais Leis na Polônia. Um setor da esquerda, stalinistas e homofóbicos, costuma dizer que as “pautas identitárias” são um instrumento do imperialismo. Ocorre que os atritos entre o governo do PiS e a União Europeia seguem por outros temas. Como, por exemplo, leis que restringem a independência do Poder Judiciário. Ou uma recente Lei que visa “limitar a influência russa”, o que resulta em expulsar do serviço público qualquer pessoa que seja acusada de propagar idéias ligadas à Rússia, e com este manto qualquer um pode ser acusado.

O principal partido de oposição, que liderou a manifestação de 4 de junho é o “Plataforma Cívica” (Koalicja Obywatelska – KO), liderado por Donald Tusk, ex-primeiro-ministro. Este não é um partido de esquerda. Trata-se de um partido de direita. Enquanto o PiS é de extrema direita o KO é só de direita liberal. Mas é um partido em favor da União Europeia. De modo que no ato do dia 4 de junho uma das bandeiras era dizer que o PiS é igual a “PoleExit”. Dizendo que o PiS vai levar a saída da União Europeia, em referência ao Brexit. Nos dias seguintes se pôde notar nas ruas um número cada vez maior de bandeiras da União Europeia junto com as tradicionais bandeiras da Polônia nas janelas das casas.

Entretanto, cabe observar que o PiS não é um nacionalismo burguês que enfrenta o imperialismo da União Europeia. O PiS tem uma retórica militar, de escalada contra a Rússia. O que eleva em muito os investimentos militares da Polônia, ampliando cada vez mais sua infantaria. Fortalecendo seus laços com a OTAN (NATO, na sigla em inglês).

Portanto, se o “Plataforma Cívica” está a serviço do imperialismo da União Européia o PiS está mais ligado diretamente aos interesses dos EUA.

A Polônia vive um momento de crescimento econômico. Embora haja uma inflação decorrente da Guerra na Ucrânia, o desemprego está baixo, e o governo tem elevado o salário mínimo, com uma meta de dobrar o valor até o próximo ano. A Polônia participa do mercado comum Europeu, mas mantém sua moeda, o Zloty. Com isto permite que o país amplie sua exportação. A política da burguesia polonesa é de ampliar a taxa de exploração de mais-valia com um salário médio mais barato do que o pago em euros. O salário mínimo na Polônia hoje equivale a 745,6 €, enquanto em Portugal, por exemplo, é pago 886,7 €. Mas na Alemanha o salário mínimo é de 1.987,0 €. Portanto, há uma elevação da taxa de exploração de mais-valia, com os produtos sendo vendidos no mercado comum europeu.

Neste cenário vai haver eleição legislativa no fim deste ano.  O PiS segue como favorito nas pesquisas. Mas nota-se nas últimas semanas uma tendência de inversão entre o PiS, atualmente com 35%, e o “Plataforma Cívica”, com 30%. O Partido da esquerda, em sentido amplo, tem apenas 8% das intenções de voto. É possível que o ato do dia 4 de junho tenha sido um ponto importante que demonstra uma virada.Os rumos da guerra e eventuais crises econômicas podem tornar o cenário mais complexo.  Mas a vida é complexa, não se trata apenas de derrotar a extrema direita. Nada indica que depois o governo que venha seja um governo de esquerda. A derrota histórica sofrida com a restauração capitalista está longe de ser superada.

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