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MUNDO

O presidente do Equador dissolveu Assembleia Nacional para impor neoliberalismo por decretos

Guillermo Lasso, atual presidente do Equador, rejeitado por mais de 80% da população, apelou para dissolução da Assembleia Nacional, uma medida bonapartista para escapar do impeachment e continuar governando mais 6 meses por decretos-lei sem oposição parlamentar.

David Cavalcante, de Recife (PE)

Guillermo Lasso, atual presidente do Equador, já não tem a menor legitimidade para governar o país por isso apelou para uma medida bonapartista para continuar governando mais 6 meses por decretos-lei. Dissolveu a Assembleia Nacional do país com base num dispositivo constitucional (Artigo 148), mas que evidencia um gigantesco desvio de finalidade, visto que o artigo prevê a busca de soluções para existência de grave crise política nacional, mas não há previsão legal para utilizar tal artigo (conhecida como Morte Cruzada) para fugir do iminente impeachment que teria conclusão no prazo máximo de 15 dias.

O Presidente banqueiro e ex-Presidente do Banco Guayaquil, que também é membro da organização ultrarreacionária católica, Opus Dei, figura no escândalo internacional divulgado pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos1, conhecido como Pandora Papers, ao lado do ex-Presidente do Chile, Sebastian Piñera, e do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, entre outros líderes políticos, numa lista com cerca de 100 bilionários que usam paraísos fiscais para cometer evasões de divisas.

Lasso já havia perdido 2 votações para início da tramitação do mais recente pedido de impeachment que teve inclusive o aval da Corte Constitucional por corrupção e peculato cujo caso envolve diretamente seu cunhado e assessor “sombra” do governo. O impeachment já estava na fase final que é a convocatória do acusado de corrupção para apresentar sua defesa pública. Mas ele fugiu dessa última fase do processo e preferiu usar a canetada para mudar a agenda política nacional, nestes mais 6 meses que ele ganhou para governar no tapetão.

O Decreto Executivo 741, publicado neste 17 de maio, dissolveu o Congresso e ao mesmo tempo convocou eleições igualmente para Presidente da República e para o Congresso que deve ocorrer em agosto deste ano. O detalhe está em que o atual mandatário ganha mais 6 meses de governo com poderes especiais para governar por decretos-lei, o que significa que Lasso vai continuar atacando os direitos sociais e trabalhistas, e aprofundando seu projeto neoliberal, desta vez, sem a existência da oposição no Parlamento, visto que a Assembleia Nacional já encontra-se fechada, inclusive sob aplausos de setores da grande burguesia e da grande mídia empresarial. A mesma mídia que acusou o Presidente peruano, Pedro Castillo, de golpista quando usou um instrumento jurídico semelhante, agora aplaude Lasso por dissolver o parlamento equatoriano.

A mesma mídia que acusou o Presidente peruano, Pedro Castillo, de golpista quando usou um instrumento jurídico semelhante, agora aplaude Lasso por dissolver o parlamento equatoriano.

O banqueiro já havia sido eleito com uma frágil minoria parlamentar2, pois os partidos que o apoiaram nas últimas eleições nacionais, CREO e o PSC, somente obtiveram 12 e 19 parlamentares respectivamente das 137 cadeiras, e a UNES/Revolução Cidadã obteve 48 cadeiras, seguida do partido de base indígena Pachakutik, com 27 assentos, e a Esquerda Democrática com 18 vagas, os demais partidos ficaram abaixo de 4 parlamentares. Ou seja, o perfil de esquerda e centro-esquerda no parlamento unicameral alcançou naquele momento mais 65% dos parlamentares.

Na sequência de pouco mais de 1 ano de governo, ocorreu o gigantesco levante nacional indígena e popular ocorrido em Junho/223 contra as medidas neoliberais do governo. O movimento ocorreu com uma pauta tendo como principais exigências a redução dos preços dos combustíveis, a suspensão dos projetos de privatização, uma moratória de um ano sobre o reembolso dos empréstimos bancários aos mais pobres, uma política de controle dos preços agrícolas e um aumento dos orçamentos da saúde e da educação, entre outros.

Mesmo diante de uma forte repressão e decreto de Estado de Emergência, que gerou dezenas de mortes e centenas de feridos e prisões arbitrárias, bem como a prisão abusiva e ilegal do Presidente da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador – CONAIE, o levante saiu parcialmente vitorioso.

Conaie convoca vigília permanente em defesa dos direitos sociais e da democracia

Já naquele momento, Lasso acabou ficando na corda bamba com mais de 80% de rejeição e ante a retomada do protagonismo nacional da liderança da CONAIE e seu fortalecimento como principal organização de massas da nação equatoriana, desta vez sob comando da ala mais combativa da nova Presidência de Leonidas Izas, além do fortalecimento das lideranças da oposição ligadas à Revolução Cidadã de Rafael Correa. Uma moção de impedimento no Parlamento contra o governo alcançou 80 votos dos 92 necessários para tramitação.

Um segundo capítulo da decadência progressiva do governo foi a acachapante derrota nas eleições regionais e municipais4, em fevereiro/23, cuja votação foi concomitante ao Plebiscito Nacional de iniciativa do Executivo com perguntas que eram verdadeiras armadilhas para reforçar a centralização de poder. Lasso não somente perdeu o plebiscito como a oposição ganhou de lavada nas regionais e municipais. Revolução Cidadã ganhou os governos em 9 das 23 províncias (Estados), destacando-se a vitória em Pichincha e Guayas, as duas mais importantes em população e economia. Além da vitória nas duas maiores cidades do país, Quito a capital do país, e Guayaquil.

Além disso, por ausência de políticas públicas efetivas e medidas neoliberais, Lasso já havia se deparado com uma forte crise no sistema penitenciário e aumento da criminalidade e violência. Revoltas e execuções nos presídios que alcançou 400 homicídios entre 2021 e 2022. A taxa de homicídios no país, que era de 5,8 por 100.000 habitantes em 2017, atingiu 25 por 100.000 em 2022.

Ante a mais recente medida bonapartista de Lasso, a CONAIE rechaçou o Decreto e convocou uma resistência numa vigília nacional em defesa da democracia com assembleias territoriais permanentes de mobilizações para defender os direitos sociais das maiorias e em defesa da soberania, além da Assembleia Nacional da CONAIE. A convocação também aponta para uma assembleia nacional plurinacional do poder popular com demais organizações sociais do país para construção de uma agenda unificada com demais segmentos populares.

David Cavalcante é cientista político e membro da Editoria Mundo do EoL
1 https://www.icij.org/
2 Equador: um balanço necessário
3 Levante indígena e popular no Equador põe em xeque o governo Lasso