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BRASIL

Quem tem medo da mudança?

Neste artigo analiso, fundamentalmente, o que denomino, em uma acepção popular, de medo da mudança, em um contexto no qual a necessidade de transformações sociais parece gritar bem fundo na alma da sociedade brasileira, depois de anos de derrotas e perdas de direitos.

Fábio José de Queiroz, de Fortaleza (CE)
Tânia Rêgo/Agência Brasil

Bem no fundo
no fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

(Paulo Leminski)

Há dois tipos de animais na fauna política que são perigosos. Um é o apressado que acha que as mudanças são de fácil alcance e, diante de um governo claudicante, logo logo conduzirá sua análise e seu discurso até a fronteira do “nem-nem”, tão ao gosto do esquerdismo. Outro é o que acha que defende o governo, no qual ele acredita, protegendo-o dessa desgraça que é a mudança.

Há dias, me indago: qual dos dois é mais perigoso? A meu ver, o  primeiro traz consigo um aspecto menos perigoso, pois sua forma de pensar não dialética, que só enxerga o preto e o branco, não encontra amparo na vida real e, de fato, tem pouco impacto na realidade política. Já o segundo, o que teme a mudança, é mais perigoso. Muito mais do que isso: é perigosíssimo. Ao cruzar seu medo já citado com os temores ou a indisposição das forças governamentais às transformações de fundo, esse segundo animal da fauna política abre caminho ao retrocesso, uma vez que, dialeticamente, o que não avança tende a retroceder.

Mais do que isso: o temor à mudança de quem apoia um governo que depende de câmbios sociais para sobreviver simplesmente ajuda aos defensores do mercado que desejam que tudo continue como está, independentemente de quem governa. No caso do Brasil de hoje, essa impotência, quanto às necessárias transformações, reforça hostes da extrema-direita mais furiosa, que sonha com o retorno de seu Messias.

Posto isso, de todos os perigos que enfrentamos, efetivamente, o pior deles é o medo da mudar, renunciando à alternativa de confrontar o legado do golpe de 2016, que escancarou portas e janelas ao neoliberalismo mais extremo. Por outro lado, o risco de uma volta da extrema-direita se relaciona, em grande medida, ainda que não exclusivamente, à hipótese de que o governo não realize os câmbios necessários com os quais se comprometeu. Nesse cenário no qual nos encontramos, a decepção de milhões das massas populares é mais decisiva do que qualquer outra coisa.

Chile, Brasil, Banco Central e a bandeira das revogações

O caso do Chile é emblemático. De tanto temer os ventos da transfiguração social, Borić ajudou a produzir uma situação política  retroativa, com a direita e a ultradireita de dentes escancarados, prontas pra pular no pescoço da presa. A sua política externa de tietagem ao imperialismo estadunidense, aliás, demonstrou vivamente seus temores quanto às transformações almejadas.

No caso do Brasil, tanto quanto no Chile, são as mudanças sociais e estruturais que podem impedir um novo naufrágio de um governo eleito para mudar um estado de coisas no qual a maioria da sociedade foi sacrificada para que uma minoria soberba ganhasse tanto dinheiro que, para ela, ter um governo de um troglodita, de viés neofascista, era parte do “jogo democrático”.

Portanto, é daqui que precisam começar as alterações políticas, pondo fim a uma absurda autonomia do Banco Central, e dando um ponto final ao império autocrático do Roberto Campos Neto. É isso que pode permitir o país andar e gerar empregos, mas não pode fazer isso sob a base da precarização e, portanto, da ausência de direitos. Daí a necessidade da revogação da reforma trabalhista, antessala do recrudescimento das condições de trabalho análogas à escravidão. Tão indispensável que é, a revogação da reforma trabalhista está para o mundo do trabalho tanto quanto a revogação da reforma do ensino médio para reanimação da educação pública no Brasil.

Para que essas transformações estruturais aconteçam, muita água há de rolar no terreno das mobilizações populares. Sem essas mobilizações, mudar vira um discurso protocolar, pois só a classe trabalhadora mobilizada tem o condão de modificar a atual correlação de forças, pouco propensa à realização de uma genuína metamorfose política. O fundamental, porém,  é  entender que os que acreditam que defendem o governo Lula, protegendo-o de quaisquer mudanças substanciais, cavam a cova do governo e pavimentam o caminho para o fascismo tropical.

Uma conclusão sumária

Os que creem no quanto pior, melhor, seguramente têm onde se esconder. As grandes massas, não. Por consequência, são elas que mais carecem de que esse país mude. Um condomínio governamental refratário às modificações políticas e sociais e uma massa de defensores do governo temerosa de cobrá-las, de fato, é a esquina que conduzirá a novos e piores retrocessos.

Não temer a mudança é o primeiro mandamento de quem deseja que a roda da história não ande pra trás.