Nessa semana se completam quatro anos do evento que unificou militantes oriundos de diferentes tradições do campo socialista brasileiro, que resultou no que é hoje a Resistência/PSOL. No 1º dia de maio de 2018 se unificaram o Movimento por uma Alternativa Independente Socialista (MAIS), a Nova Organização Socialista (NOS) e o Movimento de Luta pelo Socialismo (MLPS). Esse movimento de unificação foi, de um certo modo, uma exceção nas últimas décadas, marcadas por rupturas e dispersões de agrupamentos da esquerda socialista no Brasil e no mundo.
No texto de Henrique Canary para esse especial o companheiro bem pontua que somos “uma organização relativamente jovem e que valoriza também sua velha guarda, depositária da tradição e da experiência”1. Nesse texto pretendemos fazer algumas ponderações breves sobre nossa concepção e nosso trabalho na juventude.
É importante localizar que a afirmação de Canary não se refere exclusivamente ao nosso trabalho de juventude. A Resistência de fato é uma organização que tem uma coluna de quadros jovens que estão à frente de uma série de lutas sociais que não dizem respeito exclusivamente ao movimento de juventude, como em direções de importantes sindicatos, na organização de nossa intervenção parlamentar e em diversas iniciativas de trabalho popular pelo país.
Contudo, é sobre a intervenção propriamente no movimento social de juventude que queremos tratar. A fusão que deu resultado a nosso agrupamento sempre encarou com centralidade e necessidade de impulsionar um movimento de juventude mais amplo, que desse vazão organizativa a jovens ativistas com diferentes concepções, mas que lutassem pelo fim do capitalismo e pela construção de um outro tipo de sociedade.
A escrita de um balanço sobre os cinco anos de Resistência não pode de forma alguma corroborar com uma escrita ao estilo “História Oficial”, que apague embates e diferenças políticas, que a conjuntura pôs a nós debatermos na ordem do dia. Quando nossa fusão se deu, militantes do MAIS já impulsionavam o coletivo de juventude Afronte!, enquanto companheiros oriundos da NOS, em especial os localizados no sul do país e no estado de Sergipe construíam o Alicerce.
No cotidiano diferenças de caracterização desembocaram em diferenças políticas e táticas dispares para enfrentar a difícil realidade que nos deparávamos. Isso gerou uma interrupção do processo de aproximação que os agrupamentos viviam naquele momento. Os companheiros de Sergipe adentraram ao Afronte!, enquanto aqueles que se organizavam no Alicerce nos estados do sul seguiram por um caminho em separado.
Isso não torna nenhum de nós mais ou menos combativos, mais ou menos abnegados a tarefa do momento que era a derrota do bolsonarismo, ou para a tarefa estratégica de derrotar o capitalismo e construir uma nova sociedade socialista. As disjuntivas na conjuntura, especialmente em jovens organizações, as vezes nos colocam limites para a construção de um projeto comum. Esse caso serve como um exemplo para nós. A tarefa de agrupar a esquerda socialista não é uma linha reta entre a vontade e a execução. Exige e exigirá de nós paciência, construção de relações de confiança e tempo para experenciarmos nossas diferenças táticas materialmente.
Nós do Afronte e da Resistência caminhamos para a construção da Juventude sem Medo, um agrupamento político organizado na esteira do 58º Congresso Nacional da UNE, em 2019, que reunia o RUA – Juventude Anticapitalista, a Juventude Manifesta os companheiros da juventude do MTST – que depois fundariam a Fogo no Pavio – e as Brigadas Populares. Podemos dizer que a Juventude sem Medo foi uma novidade naquele Congresso da entidade, que contou com um giro de Guilherme Boulos por várias universidades pelo país, defendendo uma mobilização radical contra os ataques de Bolsonaro, desde a organização popular nas periferias, a resistência dos trabalhadores, negros e negras, LGBTIA+, dos povos originários – dos quais Sonia Guajajara representa uma de suas principais lideranças no país – e pelas ações unitárias do movimento estudantil.
O Movimento Estudantil no Brasil
Em primeiro lugar é importante dizer que o movimento estudantil é um vetor político importante da história brasileira. Em que pese a fragmentação das organizações de esquerda em diferentes agrupamentos e partidos, no Brasil temos uma única entidade que congrega o conjunto das mais importantes organizações de juventude do país, a União Nacional dos Estudantes.
Isso pode parecer natural para alguns de nós, mas de fato não é. Não é a realidade de muitos países com movimentos de juventude tão fortes quanto o Brasil. Nem mesmo é a realidade de nenhum outro setor expressivo dos movimentos sociais do país, haja vista, por exemplo, a quantidade de centrais sindicais que representam os mais variados espectros da classe trabalhadora brasileira.
No movimento estudantil universitário, alunos de faculdades públicas e privadas, presenciais ou à distância, de norte a sul do país são representados por uma única entidade. E isso se dá da mesma forma com os estudantes secundaristas e a UBES. Essa unidade é sem dúvida um importante catalizador da potência das lutas da juventude no país.
Cabe aqui fazer uma breve incursão sobre o papel que o movimento estudantil, como parte do movimento social de juventude, cumpriu na história recente brasileira. Na formação do movimento estudantil tal qual conhecemos hoje, já era marcante a presença da juventude nos principais temas nacionais: desde o engajamento na campanha contra o nazi-fascismo, passando pela campanha O Petróleo é Nosso, pelas Reformas de Base e pela Reforma Universitária, na Campanha da Legalidade e depois na resistência ao golpe de 1964 e a Ditadura Militar.
Mesmo sendo brutalmente atacado, com milhares de lideranças presas, torturadas e mortas, e o movimento posto na clandestinidade, ao ascender a luta pela redemocratização a partir da organização dos trabalhadores do ABC paulista, o movimento estudantil ressurge como importante força mobilizadora nas Diretas Já. Posteriormente o ME foi protagonista do movimento dos Caras Pintadas que levaria ao impeachment do presidente Fernando Collor de Mello.
Em nossa opinião, o movimento estudantil foi o principal instrumento de organização da juventude brasileira desde a década de 1950. E foi assim pois soube combinar ao longo do tempo iniciativas políticas para os estudantes que buscassem ligar seus interesses aos interesses do conjunto do povo.
A unidade estabelecida entorno das iniciativas pelo Fora Bolsonaro, iniciadas pelo Tsunami da Educação e que permaneceram durante todos os quatro anos de governo, expressaram essa forma de fazer política e foram fundamentais inclusive para reaproximar a UNE de vários setores da sociedade.
Com a chegada do novo governo Lula vários desafios estão postos para nós. Por um lado, é importante aprofundar um balanço da ação da UNE nos anos dos governos petistas e qual deve ser o seu papel atualmente. Por outro, nunca devemos perder de vista que a extrema direita segue como força social importantíssima no Brasil, e que ela tem como um de seus principais inimigos e educação pública e quem dela mais precisa: os jovens negros e negras, indígenas, LGBTIA+, pessoas com deficiência, filhos da classe trabalhadora que lutam por direito ao futuro.
Dessa forma, a melhor maneira de nos defendermos é lutar por um ME de combate, que mantenha acima de tudo sua independência política – lutando contra as pressões privatistas dos grandes conglomerados que hoje disputam espaço no MEC – e monte uma ofensiva em favor de uma profunda reforma na educação brasileira, em busca de um projeto verdadeiramente transformador.
Quais caminhos seguir?
Podemos dizer que hoje somos uma corrente com implantação nacional no movimento estudantil, embora ainda minoritária. Temos alguns postos importantes, estamos em DCEs de grandes universidades públicas do país. Temos a compreensão que o ME é setor mais dinâmico das lutas para a juventude e cumpre um papel importante para o rumo da luta socialista no Brasil e por isso centramos esforços nele. Contudo ainda precisamos aperfeiçoar nosso trabalho de base, nossa inserção com setores mais amplos das universidades, públicas e privadas, combinando conhecimento das pautas concretas mais sentidas dos locais com a politização dos espaços, entendendo que só através da mobilização é que é possível alterar o quadro mais geral da correlação de forças no Brasil hoje onde poderemos conquistas vitórias reais.
Ainda, o necessário aprofundamento no nosso trabalho sindical no ME não pode significar um formalismo de nossa parte. É preciso compreender o movimento estudantil como um catalizador de toda a expressão da juventude brasileira hoje, para que ele possa ser cada vez mais representativo e mobilizador. Incorporar as diferentes manifestações culturais da juventude hoje, as festas de rua, o funk, o rap e a cultura das periferias brasileiras, também é tarefa daqueles que lutam pelo direito a entrar e permanecer nas universidades. Para isso é necessário também fortalecer nossas iniciativas comunitárias, nossos cursinhos populares, nossas iniciativas culturais e nosso trabalho popular.
Nossa tarefa é a de forjar uma juventude profundamente anticapitalista, que lute pela construção do socialismo no século XXI, ligado aos problemas do nosso tempo. Por um novo mundo livre de exploração e de opressão. Por uma sociedade radicalmente democrática e que cesse imediatamente a catástrofe climática que o capitalismo trouxe até aqui. Lutar para construir o mundo que sonhamos. Sonhar exige luta!
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