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BRASIL

1º de maio: CLT faz 80 anos e vive seu pior momento

Direitos trabalhistas sofreram retrocessos enormes sob os governos de Temer e Bolsonaro, o que coloca ao movimento sindical o desafio de, no marco do governo Lula, reconquistar e ampliar medidas de interesses dos trabalhadores

Por Gibran Jordão, membro da coordenação nacional da Travessia Coletivo Sindical e Popular
Fernando Frazão/Agência Brasil

O mundo vivia a 2º guerra mundial que já sinalizava tendências favoráveis para os aliados contra o eixo nazifascista. O Brasil já expressava uma posição diferente do início da guerra, aproximando-se então dos aliados, e ainda em plena ditadura instituída pelo Estado Novo, o presidente Getúlio Vargas publicava o decreto/lei 5.452, de 1º/5/1943 – A Consolidação das Leis do Trabalho. Era mais um dia de manifestação do primeiro de maio, quando Getúlio discursou anunciando a novidade para a multidão de trabalhadores, da varanda do palácio do ministério do trabalho, hoje sede do Tribunal Regional do Trabalho na rua Antônio Carlos, no centro do Rio de Janeiro.

A ditadura de Vargas tinha como elementos estratégicos a industrialização do país com forte intervenção estatal, ao mesmo tempo impedir a agudização da luta de classes e o avanço das ideias comunistas no movimento sindical. Assim, a criação da CLT tinha dois objetivos, atrair uma massa de trabalhadores do campo para as fábricas nos grandes centros urbanos, pois num primeiro momento os direitos celetistas alcançava somente o operariado fabril. Como também dar concessões materiais para esse operariado, fortalecendo o apoio popular ao governo e controlando a atividade dos sindicatos através do ministério do trabalho. Vale destacar que durante todo o período do estado novo (1937 – 1945), os principais lideres comunistas estavam presos e suas organizações políticas na ilegalidade.

Mesmo com a grande influência das ideias marxistas no mundo, na primeira metade do século XX, produto da reverberação política dos triunfos revolucionários iniciados pela revolução Russa em 1917 que expropriou a burguesia de vários países. Foi atendendo parte dos interesses materiais do proletariado com uma mão e esmagando os direitos democráticos da luta sindical e revolucionária com a outra mão, que Getúlio conseguiu aplacar o desenvolvimento da luta de classes e das ideias comunistas no Brasil. Claro que Vargas contou também com a ajuda dos erros ultraesquerdistas dos próprios comunistas na época, que sob a influência internacional do comando stalinista, organizaram o fracassado evento político conhecido como “intentona comunista” de 1935. Que acabou criando as condições para a prisão de Prestes, o assassinato de Olga e o golpe em 1937 que instituiu a ditadura varguista.

Contradições a parte, a verdade é que a ofensiva do movimento internacional dos trabalhadores que ganhou força inédita no início do século XX, obrigou a burguesia de vários países a dar os anéis para não perder os dedos. No Brasil foi um processo mais lento e gradual, mas não fugiu a tendência, até 1888 a nossa legislação naturalizava a horror da escravidão como principal força de trabalho que movia a economia do país, e antes da primeira metade do século seguinte, essa mesma classe trabalhadora de maioria negra e pobre conquistava vários direitos importantes através da CLT, que nesse 1º de maio completa 80 anos.

Durante essas oito décadas, tanto a CLT como a legislação trabalhista como um todo, sofreu muitas mudanças favoráveis e desfavoráveis para os trabalhadores, sempre no marco dos avanços ou retrocessos da luta de classes no Brasil, que sempre esteve influenciada pelos grandes acontecimentos mundiais. No balanço geral desses 80 anos, podemos dizer sem exageros que hoje a CLT vive o seu pior momento, expressando uma situação de sucessivas derrotas econômicas, políticas e ideológicas do movimento internacional dos trabalhadores, em especial na virada do século XX para o XXI.

O fim do estado novo e o fortalecimento da CLT

Com o fim do Estado Novo em 1945, a constituição de 1946 até o período que envolve o governo Jango no início da década de 60, foi uma vaga histórica de fortalecimento da CLT e dos direitos trabalhistas em geral. Tanto o operariado urbano como os camponeses passaram a ter direitos como estabilidade, direito de greve, jornada de 8 horas, férias remuneradas, 13º salário, aviso prévio e etc… Logicamente esse avanço da consolidação das leis trabalhistas passou a incomodar os interesses da burguesia brasileira. A valorização do trabalho na legislação e no arcabouço jurídico do país, o fortalecimento do papel dos sindicatos e o avanço das mobilizações da luta de classes eram inaceitáveis para os grandes empresários e latifundiários brasileiros. Atentos aos acontecimentos internacionais com destaque para a revolução Chinesa em 1949, e dez anos depois a revolução Cubana em 1959, essa última mais próxima do Brasil e com forte potencial de influenciar o contexto politico Latino Americano, foi o limite para que a aristocracia brasileira permitisse qualquer outro avanço, para essa gente o “perigo comunista” estava novamente colocado sobre a mesa.

Em março de 1963, as vésperas da CLT completar 20 anos, o presidente João Goulart sanciona a lei 4214/1963 que inclui os trabalhadores rurais na CLT, criando o estatuto do trabalhador rural. Praticamente um ano depois, em março de 1964, uma aliança que contou com empresários, banqueiros, fazendeiros, militares e a grande mídia sob a benção da embaixada norte-americana consegue impor um golpe militar no Brasil, derrubando Jango do poder. Em junho do mesmo ano, o general Castelo Branco, primeiro presidente da ditadura militar instalada, promulga a lei 4330/1964, que mutila o direito de greve e os sindicatos passam a sofrer violenta intervenção e censura do regime militar. Os trabalhadores da iniciativa privada passaram a ter imensas dificuldades de organizar um movimento paredista e o funcionalismo publico ficou totalmente proibido de fazer greve. Essa medida foi suficiente para causar retrocessos, já que não havia a possibilidade de lutar contra qualquer medida patronal que prejudicasse salários e as condições de trabalho. Em 1966, a ditadura militar cria o Fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS) para ser uma alternativa ao direito a estabilidade decenal (estabilidade após dez anos de trabalho), atendendo uma demanda dos empresários que queriam mais facilidade em demitir com custos mais baixos.

Durante todo o regime militar, uma série de decretos, leis e mudanças nos artigos da CLT foram sendo introduzidas, desfigurando todos os avanços conquistados no período anterior, com o objetivo de diminuir o valor do trabalho.

Uma onda de greves desafia a ditadura militar e resgata parte dos direitos perdidos

Somente ao final da década de 70, com o avanço da organização de base e o surgimento de grandes mobilizações do movimento sindical, em especial nas montadoras e fábricas de grandes centros urbanos como São Paulo, começa a acender uma luz para um momento mais favorável para os trabalhadores brasileiros.

Surge o novo sindicalismo, numa onda de greves que enfrentava o final da ditadura militar, que já acumulava desgaste e insatisfação popular inflamada pela crise econômica. Esse movimento abre um momento novo de esperança para a classe trabalhadora brasileira e para os direitos democráticos no país, obrigando a cúpula militar que estava no poder a quase vinte anos a iniciar um processo negociado de reabertura democrática. Os sindicatos ganham mais espaço de atuação, vários dirigentes sindicais ganham projeção política nacional, destaque para Luiz Inácio Lula da Silva. Essa ofensiva do movimento sindical brasileiro retoma a direção dos sindicatos derrotando os velhos pelegos aliados da ditadura e constrói organismos importantes como a CUT e vários sindicatos nacionais no setor publico e privado. Esse processo tem o seu coroamento na constituição de 1988, que embora com muitas limitações, acaba incluindo no texto constitucional vários elementos da CLT, atendendo demandas importantes da luta sindical, como licença maternidade, direito de greve, liberdade sindical, jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 horas semanais, proteção contra demissão arbitrária, entre outros…

Todas essas conquistas e a retomada de parte de avanços da CLT e da legislação trabalhista pública e privada, só foram possíveis por conta do maior ascenso de lutas sindicais dos últimos quarenta anos que teve início ao final dos anos 70 e durou toda a década de 80. Mas na contramão desse processo ocorrido no Brasil, o início da década de 90 foi cruzado pela crise e desaparecimento dos estados operários no leste europeu.

A ofensiva neoliberal nos anos noventa

O fim da União Soviética e a decadência dos partidos comunistas tradicionais abriram uma época histórica de profundo retrocesso ideológico, com um salto fenomenal das ideias neoliberais inimigas das reivindicações trabalhistas. Mesmo com as lutas de resistência do sindicalismo brasileiro, o final do século XX no Brasil, em especial durante os dois governos FHC, o plano real, as privatizações, terceirizações e novamente várias mudanças na CLT e na legislação trabalhista avançaram no atendimento dos interesses patronais.

Os contratos temporários, jornadas superiores a 44 horas semanais sem pagamento de horas extras (banco de horas), a demissão temporária com a suspensão dos contratos de trabalho por alguns meses, o trabalho dos comerciários aos domingos, a criação das PLRs não incorporadas aos salários como forma de flexibilização das remunerações, o fator previdenciário através da emenda constitucional Nº20 foram medidas instituídas com o discurso de modernizar as leis trabalhistas, aumentar a produtividade e a competitividade.

A resistência do movimento sindical, mesmo em condições mais desfavoráveis que a onda de mobilizações da década de 80, permitiu que os objetivos da elite econômica do país que apoiava o governo FHC e suas medidas neoliberais não alcançassem as metas planejadas em sua plenitude em relação ao desmantelamento da CLT e dos direitos trabalhistas. Uma crise econômica abateu o segundo mandato dos tucanos e a insatisfação popular foi capitaneada pelas forças politicas de esquerda.

Um sindicalista na presidência da republica

A crise do Plano Real e a explosão do desemprego marcou o final da era FHC, abrindo pela primeira vez uma grande oportunidade para que forças da esquerda brasileira forjadas nas mobilizações surgidas com o novo sindicalismo da década de 80 passassem a disputar pra valer o poder central do país com o fortalecimento eleitoral do Partido dos Trabalhadores. A América latina vivia ebulições sociais na virada do século, e o Brasil seguia essa tendência com o crescimento da revolta popular contra o neoliberalismo dos anos noventa. Nesse contexto pela primeira vez na história o povo brasileiro elege um sindicalista, ex-metalúrgico, criando uma imensa expectativa na classe trabalhadora sobre as possibilidades de avanços na CLT e nos direitos trabalhistas…

A plataforma do candidato Lula em 2002, apresentava três pontos centrais que poderiam incidir sobre a CLT e a regulação do trabalho: A valorização do salário-mínimo, redução da jornada de trabalho de 40 horas semanais e a criação do Fórum Nacional do Trabalho que tinha a função de redesenhar o sistema de organização sindical e trabalhista do país, através de negociações entre patrões, trabalhadores e representantes do estado. Dessas propostas, somente a política de valorização do salário-mínimo teve avanços consistentes no cotidiano dos trabalhadores. A experiência de dois governos Lula 2003 à 2010, não demonstrou avanços e/ou retrocessos estruturais mais profundos na CLT de modo geral. Ocorreram mudanças pontuais nos direitos trabalhistas, contraditórias, avanços tímidos e tendências a flexibilização, sendo o retrocesso mais grave no sistema previdenciário com a reforma da previdência de 2003.

Entre as principais medidas que flexibilizaram direta e indiretamente a CLT e as relações de trabalho foram a nova lei de falências e recuperação judicial (11.101/2005) que muda a legislação anterior atendendo claramente os interesses patronais e do sistema financeiro. Outros temas específicos também sofreram retrocessos como a lei do crédito consignado (Lei 10.820/2003) que afronta o princípio da intangibilidade salarial. A lei do 1º emprego que concede incentivos fiscais para empresas que contratam jovens, o Super simples através da Lei complementar 123/2006, o trabalho rodoviário de transporte de cargas (Lei 11442/2007) fez tal categoria perder os direitos trabalhistas, a ratificação do trabalho dos comerciários aos domingos (Lei 11.603/2007), o contrato do trabalho rural em pequeno prazo (Lei 11.718/2008) entre outras medidas pontuais…

As iniciativas na contramão da flexibilização neoliberal existiram, mas também foram pontuais e sem saltos qualitativos e estruturais na CLT ou legislação trabalhista. Entre as principais medidas estão a retirada de tramitação no congresso nacional do PL 134/01 que previa a prevalência do negociado sobre o legislado, adoção de uma politica de valorização do salário-mínimo, criação de regras para adoção do estágio (Lei 11788/2008), o veto da emenda 3 da super-receita que proibia o auditor-fiscal de multar empresas que cometiam fraude em relações de trabalho disfarçadas, revogação da portaria 865/1995 que impedia a fiscalização dos auditores das cláusulas constantes dos contratos coletivos de trabalho, cancelamento das alterações do pagamento da licença maternidade feitas em 1999 e que tirava a responsabilidade do empregador repassando para o INSS, a lei 11.644 que proíbe que o período de experiência seja maior do que 6 meses, entre outras medidas pontuais.

O crescimento econômico apoiado pelo investimento publico, a política de valorização do salário-mínimo, a ampliação do emprego formal, o acesso ao Bolsa Família e a facilitação de crédito para a população sem mudanças estruturais mais profundas para melhor ou pior na CLT marcaram os dois governos Lula de conciliação de classes. Caracterizando um balanço final positivo na aprovação popular, permitindo que o PT conseguisse eleger a primeira mulher da história do país para a presidência da república em 2010.

A primeira presidenta da história do brasil e o golpe de 2016

Dilma Roussef entrou para história como a primeira mulher a presidir o país, o seu primeiro mandato teve os menores índices de desemprego da série histórica, chegando a menos de 5% e assim como os governo de Lula, a CLT não sofreu grandes mudanças estruturais qualitativas. Mas na medida que as sequelas da crise econômica mundial iniciada em 2008 atingia com mais força o país, maior era a pressão para que o governo Dilma fizesse mudanças na legislação trabalhista que atendesse os interesses do capital. Entre as medidas mais importantes favoráveis aos trabalhadores foi a continuidade da política de valorização do salário-mínimo, a criação do adicional de periculosidade para os vigilantes (Lei 12 740/2012), a isenção do imposto de renda até o limite de R$ 6 mil reais a participação dos trabalhadores em lucros e dividendos (Lei 12832/13) e a polêmica emenda constitucional Nº72 que estendeu aos empregados domésticos os mesmos direitos dos trabalhadores urbanos, entre outras medidas pontuais.

Mas ao final do seu primeiro mandato, após o processo eleitoral que lhe garantiu a reeleição, o governo Dilma editou uma série de medidas provisórias que afetou os benefícios de seguro-desemprego, abono salarial, auxílio-doença e pensão por morte. Foram iniciativas que não estavam em seu programa de governo para o segundo mandato e que contrariou sua própria base eleitoral e o movimento sindical. Acontece que as forças do capital esperavam medidas mais radicais, cobravam uma reforma trabalhista mais profunda, algo que Dilma relutava em conceder, chegando a dar uma declaração numa reunião com empresários em setembro de 2014 no meio da disputa eleitoral, dizendo que não mexeria em direitos como 13º salário e horas extras “nem que a vaca tussa”.

O seu segundo mandato em 2015 foi marcado por forte insatisfação popular protagonizada pela classe media e organizações de extrema direita, que começaram a capitanear a agudização da crise econômica que se iniciou em 2014. Então em 2016, as forças reacionárias neoliberais e conservadoras do país conseguem acumular apoio popular e institucional suficiente para impor um golpe parlamentar que interrompeu o mandato de Dilma Roussef, através de um processo de impeachment. Garantindo a posse do vice-presidente Michel Temer, que naquela altura já agitava um programa político para o país chamado “uma ponte para o futuro” que atendia os interesses mais mesquinhos da burguesia brasileira que estava sedenta para um salto qualitativo na destruição de direitos trabalhistas para possibilitar um folego maior na acumulação de capital diante da crise econômica.

Após assumir o posto de presidente da república, Michel Temer em conjunto com o congresso nacional golpista, iniciou uma operação política para mudanças profundas na legislação trabalhista as quais não tinham avançado de acordo com os desejos de empresários e banqueiros nas administrações petistas. Então em dezembro de 2016, a reforma trabalhista proposta por Temer começou a tramitar no congresso, sendo aprovada em abril de 2017 na câmara dos deputados e em julho do mesmo ano no senado, sendo sancionada pela presidente da república no dia 13 de julho e passou a valer 120 dias após sua publicação no diário oficial, a partir do dia 11 de novembro de 2017. Nesse mesmo ano o governo Temer também conseguiu aprovar a ampliação da terceirização, através da Lei 13429/2017, que foi mais um golpe duríssimo nos direitos trabalhistas no Brasil.

O relator da reforma trabalhista na câmara, foi o deputado Rogério Marinho na época no PSDB e que depois acabou assumindo o ministério do desenvolvimento no governo Bolsonaro. A lei 13.467/17 (Reforma trabalhista) alterou mais de 100 pontos da CLT, entre os principais pontos está a instituição do negociado sobre o legislado e a total precarização dos contratos de trabalho, colocando os trabalhadores numa situação de total fragilidade em relação aos seus direitos.

A burguesia brasileira finalmente conseguiu o que queria, o breve governo de Michel Temer foi totalmente devastador para a classe trabalhadora, desmoralizou várias conquistas históricas e inaugurou o pior momento da CLT para a proteção de direitos trabalhistas. O avanço das ideias neoliberais e conservadoras no imaginário social da classe trabalhadora diminuiu o potencial mobilizador dos sindicatos. O discurso do empreendedorismo individualista ganhou força e passou a substituir a luta coletiva, e diante da reestruturação produtiva digital permanente milhões de trabalhadores passaram a conceber uma consciência empresarial em suas vidas, capitulando ao discurso que ensina a falsa liberdade em “ser o seu próprio patrão”.

A extrema direita volta ao poder

Os retrocessos econômicos, políticos e ideológicos para a classe trabalhadora brasileira deram saltos inimagináveis. As forças reacionárias saudosas da ditadura militar ganhavam cada vez mais espaço na luta política do país, algo jamais previsto desde a reabertura democrática e fim do regime militar na década de 80. Em 2018, organizações conservadoras e figuras públicas com discurso de influência neofascista começaram a alcançar rapidamente audiência de massas, uma onda reacionaria tomou conta do país e criou as condições para a prisão de Lula sob frágeis acusações de corrupção, tirando a única chance da esquerda voltar ao poder. Numa avalanche eleitoral o deputado federal e ex-capitão do exército Jair Bolsonaro vence a eleição presidencial com mais de dez milhões de votos contra Fernando Haddad, numa vitória retumbante que trouxe novamente para o poder central do país uma extrema direita neoliberal, conservadora, simpática ao regime militar e que passou a fazer aproximações sucessivas para atingir objetivos estratégicos golpistas.

Após o golpe de 2016, passando pelo governo Temer e depois Bolsonaro, a situação da CLT e da legislação que garante proteção aos trabalhadores ficou em frangalhos e passa pelo seu pior momento histórico desde a sua criação a 80 anos atrás. Os dados divulgados pelo IBGE em fevereiro desse ano são catastróficos! A média anual de trabalhadores sem carteira de trabalho assinada atingiu 12,9 milhões ao final de 2022, último ano do governo Bolsonaro. Trata-se de um recorde para esse indicador desde a série histórica iniciada em 2012, um aumento de 14,9% em relação a 2021, quando havia 11,2 milhões de trabalhadores sem carteira assinada. A informalidade também bateu recorde em números absolutos: 38,8 milhões de trabalhadores.

O procurador-geral do trabalho, José de Lima Pereira, informou em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da câmara em março desse ano, números alarmantes de casos de trabalho análogo a escravidão no Brasil. Foram resgatadas de janeiro a março, cerca de 918 pessoas em situação degradante de trabalho, número recorde para um primeiro trimestre nos últimos 15 anos. A maioria dos casos foram registrados no Rio Grande do Sul e em Goiás, mas segundo o procurador é uma questão generalizada no país e em todo ramo econômico. Pereira cita registros de degradação no trabalho com uso de choques elétricos, spray de pimenta e várias modalidades de tortura. Acrescentou que 90% dos casos estão ligados à terceirização e outras formas de flexibilização das leis trabalhistas. O procurador também ressaltou a ligação do trabalho escravo com outros crimes, como tráficos de pessoas, de armas e de drogas.

O terceiro governo lula

A campanha Lula livre que devolveu os direitos políticos para a maior liderança popular que o movimento sindical já produziu no país e consequentemente a vitória eleitoral contra Bolsonaro na eleição presidencial de 2022 é uma façanha histórica que interrompe um ciclo de derrotas políticas da classe trabalhadora brasileira desde 2016. Nunca antes na história a CLT e a legislação trabalhista sofreu tantos retrocessos desde a sua criação por Getúlio Vargas, a situação da maioria da classe trabalhadora brasileira é a expressão de profundas derrotas acumuladas nos últimos anos, que pode configurar uma volta as condições do mercado de trabalho semelhantes ao final do século XIX e início do século XX antes da instituição das primeiras leis trabalhistas no país.

Mas é preciso ter noção das proporções de nossas vitórias, a eleição do terceiro mandato de Lula aconteceu no marco de um questionamento inédito do processo eleitoral com ações golpistas que organizou bloqueios em rodovias, acampamentos na porta dos quartéis e a destruição dos prédios dos três poderes no dia 08/01. A correlação de forças no parlamento nessa atual legislação é amplamente desfavorável para avanços na legislação trabalhista e o movimento sindical não passa por um ascenso progressivo de lutas que consiga ampliar conquistas como em outros momentos e outros países, destaque para o Chile que recentemente conseguiu aprovar a redução da jornada de trabalho.

A organização e crescimento da extrema direita é uma tendência mundial que vem se consolidando nos últimos anos, estamos diante de uma guerra entre Rússia e Ucrânia(Otan) que não vai acabar tão cedo, com consequências desastrosas para várias cadeias de suprimentos, para os preços dos combustíveis e para a inflação dos alimentos, o que aumenta as tensões para a diminuição das margens para concessões de direitos trabalhistas. Tudo isso acontece num mundo onde não existe mais estados operários no Leste Europeu e muito menos na Rússia, não há partidos comunistas com influência de massas no mundo e o século XXI não conhece ainda nenhuma revolução socialista que triunfou e tenha expropriado a burguesia e distribuído tal riqueza.

O governo Bolsonaro colocou o Brasil numa espiral de desindustrialização que não pode ser revertida num espaço curto de tempo, no qual os aspectos de uma economia dependente de alta tecnologia estrangeira e sustentada na exportação de matéria-prima barata vem se acentuando, o que inevitavelmente impede a criação de empregos com maior qualificação que pagam melhores salários, com maior estabilidade e menos rotatividade. Não é possível avançar em conquistas trabalhistas e no fortalecimento da CLT sem uma base material que permita esse salto, sem uma forte retomada do parque industrial brasileiro que amplie cadeias de produção de materiais de alto valor agregado.

Por tanto, os desafios para o movimento sindical diante do terceiro governo Lula são imensos, e não existe a menor possibilidade de avançarmos contra a extrema direita no Brasil se não houver ganhos reais para a classe trabalhadora brasileira que permita o despertar de uma nova consciência de massas que passe a acreditar na luta coletiva como o caminho para livrar a humanidade do inferno capitalista.