[aviso de gatilho: abuso sexual/estupro/violência sexual]
Na noite de quarta-feira, após a classificação do Corinthians sobre o Remo pela Copa do Brasil, Cuca (Alexi Stival) pediu demissão. Ex-jogador de futebol, o técnico havia chegado ao clube há uma semana, sendo alvo de protestos por parte da torcida pela condenação por estupro no caso que ficou conhecido como o escândalo de Berna.
Em 1987, quando Cuca atuava pelo Grêmio, foi detido com outros três atletas (Eduardo Hamester, Henrique Etges e Fernando Castoldi) sob acusação de estupro de Sanra Pfäffli, uma menina de 13 anos de idade [1] O caso ocorreu em viagem à Berna, na Suíça, onde Cuca foi condenado por violar o art. 181 (coerção) e o art. 191 (fornicação com crianças) do Código Penal Suiço, o que hoje corresponde ao art. 187 (ato sexuais com crianças). Em entrevista concedida ao Uol, o advogado da vítima explicou que o sêmen de Cuca foi encontrado na menina e que ela o reconheceu como estuprador [2] . Cabe lembrar que apesar de ter sido condenado, ele nunca cumpriu a pena porque o Brasil não extradita seus cidadãos.
Na época, a mídia retratou a situação como armação e contou a rotina dos jogadores detidos os colocando em um papel de vítima [3]. Passados 36 anos, o caso ganha a repercussão que deveria, fruto da luta do movimento de mulheres, mas ainda assim é permeado pelo pacto da masculinidade. A Gaviões da Fiel, principal torcida organizada do Corinthians, não se manifestou sobre a contratação de Cuca. Após o jogo contra o Remo, os jogadores do Corinthians formaram uma roda em volta do técnico e o abraçaram como forma de apoio. Roger Guedes, jogador do Corinthians, disse que “ o jeito que atacaram o Cuca foi desumano, que nenhum ser humano merece, ainda mais sem ter prova alguma [4]” . O presidente do clube alegou que não se arrepende da contratação e que Cuca está sendo massacrado. Infelizmente, este não é o único caso de violência contra mulher no futebol. O caso do Robinho, condenado por estupro na Itália, é outro exemplo de homens que violentaram mulheres e continuaram a ter a contratação cogitada no mundo futebolístico.
No entanto, no caso de Cuca, pudemos observar ações importantes. No dia do anúncio do treinador, houve protestos no Centro de Treinamentos do clube. As jogadoras do Corinthians e a comissão técnica do vitorioso futebol feminino corintiano divulgaram uma nota aos 87 minutos do jogo Corinthians x Goiás válido pelo Campeonato Brasileiro masculino, em alusão ao ano 1987 em que ocorreu o caso, questionando o real compromisso do lema Respeita As Minas [5]. Tais ações, ainda que aplausíveis, dizem respeito a um caso específico. Para que a estrutura patriarcal se rompa, sabemos que é necessário que o sistema que a sustenta caia.
Esse sistema se perpetua quando vemos estupradores e abusadores em posição de destaque no futebol, sendo idolatrados e protegidos no esporte mais popular do país. Essa visibilidade contribui para que a impunidade dos homens que violentam mulheres seja normalizada em toda sociedade. Em sua saída, Cuca falou que espera voltar ao Corinthians um dia “para fazer um bom trabalho do começo ao fim” e que respeita as mulheres. Nós, mulheres que amamos futebol, esperamos que Cuca cumpra a pena a qual foi condenado e que o respeito dos homens não nos seja oferecido apenas porque poderíamos ser sua mãe, irmã ou filha.
Mesmo após uma classificação épica, um técnico caiu. Não pelas mãos dos homens do futebol, nem por boicote dos jogadores no vestiário. Caiu porque houve pressão e indignação de homens e mulheres dispostas a enfrentar a estrutura machista, demonstrando que no futebol, o maior símbolo da cultura popular brasileira, não deve haver espaço para estuprador.
Maria Tereza Blanco Strohschoen é torcedora do Grêmio, trabalhadora do SUS, bacharela e mestra em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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