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BRASIL

Ataques escolares são planejados em grupos de extrema-direita

Alerta sobre o crescimento de grupos neonazistas na internet vêm sendo feitos há bastante tempo pela pesquisadora Adriana Dias que, até o ano passado, conseguiu mapear mais de 500 grupos

Bruno Rodrigues, da redação
Divulgação/Polícia Civil

Os atentados que vem ocorrendo em escolas, em todo o país, estão bem longe de serem considerados eventos casuais, iniciativa individual de “lobos solitários” ou apenas reflexos da chamada “cultura do bullyng”. Na verdade, é evidente que, em praticamente todos os casos, o acusado mostrou ter alguma relação com grupos de ódio e de extrema direita que seguem atuando de forma impune na internet.

Foi, por exemplo, o caso da tentativa de ataque em uma escola situada no município gaúcho de Maquiné, no Litoral Norte do estado, um dos mais recentes. Felizmente frustrado pela ação investigativa da polícia civil, o ataque seria realizado por um adolescente que não só participava de grupos de extrema direita, de onde recebia incentivos, mas que guardava em sua casa vários símbolos e bandeiras que remetiam ao nazismo, além de  facas, canivetes, fardas camufladas e capacetes.

Foi também o caso do atentado com coquetéis molotov, em fevereiro deste ano em uma escola de Monte Mor-SP, felizmente sem vítimas. Adolescente, de apenas 16 anos, usava roupas pretas e uma braçadeira com uma suástica (foto) e era membro de grupos de extrema-direita na internet. A perícia que foi na casa do adolescente, também aprendeu livros sobre nazismo e duas réplicas de armas.

É fato que a presença de grupos nazistas na internet já existe há, pelo menos, umas duas décadas. Mas nos últimos anos eles deram um salto em sua expansão e recrutamento de jovens. Não por acaso, justamente naqueles anos que correspondem aos anos de governo Bolsonaro.

Recentemente falecida, a pesquisadora Adriana Dias deixou um importante estudo sobre o crescimento de grupos neonazistas brasileiros que podem fornecer boas pistas ao problema dos atentados em escolas. Até o ano passado, Dias conseguiu mapear 530 núcleos que, até então, reuniam algo em torno de 10.000 integrantes.

São fóruns, salas de conversa, perfis, páginas e todo um volume de conteúdo cujo alcance atinge mais de meio milhão de pessoas.

Ainda segundo Dias, particularmente desde janeiro de 2019, um anos depois da fatídica eleição de Bolsonaro, grupos de extrema direita vêm em uma onda crescente. 

Ódio disseminado nas redes foi estimulado pela extrema direita 

Essa onda de ataques em escolas só pode ser enxergada como resultante natural da exposição de jovens ao discurso de ódio, às ideologias de extrema direita disseminadas em fóruns da internet e canais do YouTube e à normalização da violência. Ou seja, elas são o reflexo do que se passou com nosso país ao longo dos últimos anos, em que a direita esteve (e ainda está, vale dizer) em permanente ofensiva, inclusive no plano ideológico. Logo, não são problemas de fácil solução, pois exigem disputa a longo prazo, em toda a sociedade.

A primeira disputa, sem dúvidas, é o combate permanente a todo tipo de ideologia neofascista reacionária, dentro e fora da escola. Para isso, é fundamental que a escola seja, também, espaço de mobilização do movimento estudantil, em articulação com pais e professores, através de grêmios e sindicatos atuantes na base. Só essa articulação tem a capacidade de colocar a disputa de ideias em patamares mais altos, além de inibir e isolar ações inspiradas nessas ideologias nazistas.

Em boa medida, os ataques nas escolas também buscam como objetivo espalhar uma sensação de pânico generalizado nas pessoas, jogando parte da população do país no desespero. Quanto mais articulação política houver entre a comunidade escolar, menos capacidade de disseminar desespero terão essas ações.

Nesse mesmo sentido, a educação no nosso país precisa de uma verdadeira revolução. O problema é que o Novo Ensino Médio caminha no sentido justamente oposto. É preciso revogá-lo, para que seja possível um amplo programa de melhoria nas escolas, com salas de aulas menos lotadas e menos desconfortáveis, mais valorização das disciplinas relacionadas às artes e ciências humanas, carga horária menos sufocante para os professores, atendimento psicológico, etc.

Além disso, é necessário a implementação de medidas no plano jurídico. Nesse sentido, o ministro Flávio Dino acertou ao anunciar uma força tarefa com 50 policiais federais para permanente monitoramento das redes, uma ação preventiva importante afim de combater fóruns neofascistas secretos onde os atentados são planejados e divulgados. Mas é necessário ir mais além. Por que não é possível que ainda não haja nenhum tipo de regulação das plataformas virtuais, que também acabam tornando-se espaço para disseminação de ideologias da extrema direita, reacionárias e misóginas, a exemplo da redpill ou dos incel, que viraram pauta nas últimas semanas, em razão da ameaça feita por um youtuber redpill contra uma influencer feminista.

Militarização das escolas não é solução

A mesma extrema-direita que dissemina discurso de ódio nas redes, que fomenta racismo, misoginia, xenofobia e LGBTfobia, agora, de forma não pouco cínica, mostra-se consternada a cada ataque que é noticiado. Ao mesmo tempo em que faz esse jogo de cena, ela tem buscado apresentar seu programa para o problema dos atentados, cujo eixo assenta-se na militarização das escolas, na defesa da liberação do homeschooling e, ainda, em saídas superficiais agitadas para mero efeito de distração, como a proibição de jogos eletrônicos de guerra.

Está claro que trata-se de um problema profundo, para o qual, propostas superficiais ou violentas com essas, não só não resolverão, como poderão piorá-lo. Na verdade, segundo estudos do Instituto Nacional de Justiça realizados nos EUA, agência de pesquisa do Departamento de Justiça americano, a política de policia nas escolas não resolve a questão. De acordo com o relatório do Instituto, que analisou pesquisas publicadas entre 2000 e 2020 sobre policiamento escolar, a presença de policiais não aumentou a segurança e não preveniu ataques. Ainda segundo o Instituto, estudos comparativos demonstram que escolas sem policiamento tiveram aproximadamente 3% menos crimes e problemas disciplinares do que as escolas com policiais. 

Tem muito mais serventia investir em ações preventivas da polícia para identificar e prender nazistas e fascistas que planejam ataques em escolas, como a operação que impediu o atentado na escola de Maquiné-RS. Isso só foi possível porque a polícia havia descoberto o plano através da apreensão de um outro adolescente, do Paraná, que teria ligação com o adolescente que planejava o atentado no interior gaúcho.

Tomar as ruas do país 

A União Brasileira dos Estudantes Secundaristas está convocando um dia nacional de mobilização para o dia 19 de abril, em defesa da revogação do Novo Ensino Médio e pela paz nas escolas. A construção desse dia nacional de mobilização, como parte de uma jornada de lutas ao longo das próximas semanas, precisa ser encabeçado por toda a comunidade escolar: estudantes, pais e professores. E abraçado por todos os segmentos democráticos da sociedade. Se não ocuparmos as ruas em grandes atos de repúdio aos massacres, certamente a rede subterrânea dos neonazistas e da extrema-direita seguirá à vontade para estimular novos atentados e seguir disseminando pânico.