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MOVIMENTO

Desafios estratégicos da esquerda e do governo Lula

Bruno Rodrigues, da redação
Divulgação/CTB

A Resolução do Diretório Nacional do PT, do dia 13 de fevereiro de 2023, publicada no site do partido, parece ter deixado de cabelo em pé muitos dos grandes jornais que circulam no país, especialmente o jornal da reacionária família Mesquita, o “Estadão”, que, mesmo em meio às festividades carnavalescas, lhe dedicou não poucas palavras para criticá-la: “eivada de ressentimentos e mentiras, cujo único objetivo parece ser reescrever a história recente do País para lavar a alma da militância após uma série de reveses políticos e judiciais sofridos pelo partido. Quem lê o documento sai com a nítida impressão de que o País tem uma dívida praticamente impagável com os petistas, sobretudo com Dilma e Lula”.

Não poderia ser diferente. Qualquer aceno em favor de medidas sociais e democráticas defendidas pela esquerda, sempre será tratado com histeria e alarido por esse jornal. Reação que, diga-se de passagem, o mesmo jornal não teve ao longo dos últimos quatro anos.

Na verdade, o que o Estadão busca com críticas tão duras à resolução do PT é criar um ambiente para forjar uma alternativa do tipo terceira via que tenha o perfil do liberalismo econômico de Guedes, ou seja, linha dura contra os direitos sociais, sem, no entanto, flertar com o Bolsonarismo.

Por outro lado, a esquerda radical, particularmente as forças reunidas em torno do PSOL, devem saber combinar o combate diário ao bolsonarismo, inclusive rechaçando de forma implacável a linha antipetista raivosa contida nas páginas do Estadão, sem, no entanto, abrir mão da crítica à esquerda aos limites do PT, quando necessário. Tal como buscamos fazer nesse texto.

O documento em questão estabelece de maneira correta que, passadas as eleições presidenciais “continuamos a lutar, pois há muito o que avançar”. Sem dúvidas, os desafios para a recuperação da economia e das liberdades democráticas, além da reconstrução de direitos sociais e serviços públicos, são enormes e a luta para superá-los não será indolor.

E o texto segue reivindicando importantes medidas tomadas no primeiro mês de governo: “A aprovação da Emenda Constitucional que garantiu o Bolsa Família de 600 reais e mais 150 por criança, o aumento do salário-mínimo acima da inflação e a garantia da retomada da capacidade de investimento no primeiro ano do governo”.

A resolução do PT também acerta em dar nomes aos bois e em denunciar o intento golpista ocorrido em Brasília, no dia 08: “Não vivemos um momento histórico qualquer. O bolsonarismo, expressão atual da extrema direita brasileira. (…) Na primeira semana do ano de 2023 e do governo Lula, a base fascista do bolsonarismo organizou um ato com golpistas terroristas de todo o país que tornou ainda mais nítida a sanha antidemocrática que os orienta”.

O documento também propõe algumas tarefas imediatas como a “redução da taxa de juros, a valorização do salário-mínimo com aumentos reais, o reajuste da tabela do Imposto de Renda, a renegociação das dívidas das famílias, a retomada do Minha Casa Minha Vida, o combate à carestia”, ao mesmo tempo em que aponta que “Para derrotar tanto o neoliberalismo quanto o neofascismo será necessário ampliar a unidade das nossas forças políticas e sociais do campo da esquerda, ancoradas nos movimentos sociais e na classe trabalhadora.”

Como aplicar um programa de profundas transformações em alianças com a direita?

Os temas que deixaram os editores do Estadão assustados perpassam essencialmente pela melhoria de vida do povo, corretamente elencados na Resolução como um eixo prioritário para esses quatro anos de governo. Contudo, alguns temas importantes foram deixados em aberto no documento. Vamos a alguns deles.

No campo da educação, foi um alento o reajuste de bolsas no ensino superior, recentemente anunciado pelo governo, e a aprovação do Piso nacional da educação básica. Contudo, o documento infelizmente ignora a urgência da revogação da reforma do ensino médio, classificada por muitos professores como um desastre. É necessário revogar o NEM-Novo Ensino Médio para que se aponte um modelo de educação, superior tanto ao próprio NEM, como ao modelo anterior, ouvindo-se a comunidade escolar e suas entidades representativas: grêmios, UNE, UBES, sindicatos, federações, associações, etc. Porém, nas últimas semanas, o MEC tem errado ao priorizar a busca por estabelecer parcerias com grupos empresariais privados e defensores da manutenção do atual Novo Ensino Médio, como é o caso da Fundação Itaú, com quem o ministro Camilo Santana tem conversado.

Na área econômica, o país tem assistido com justa indignação à postura petulante do bolsonarista Campos Neto, à frente do BC, mantendo uma das maiores taxas de juros do mundo. Corretamente, Lula tem criticado Campos Neto e sua política de juros, ao mesmo tempo em que a resolução do PT endossa o ponto de vista de Lula. Juros altos asfixiam a economia, principalmente micros e pequenos empresários, dependentes de políticas de crédito e financiamento, além da população em geral, já bastante endividada. Contudo, é preciso ir além da redução dos juros apontada na resolução petista. Diante da absurda desigualdade que assola o Brasil, é necessário considerar com seriedade a inversão da pirâmide fiscal do Brasil, sem a qual, não será possível trazer melhorias à vida do povo. Pior, sem uma reforma fiscal corajosa, que enfrente mordomias e faça os super-ricos pagarem impostos, a desigualdade seguirá perpetuando-se. A resolução do PT opta por não entrar nesse tema, mas não é possível fugir dele. Assim como não é possível fugir do tema da dívida pública, que consome anualmente, metade dos gastos executados pelo país.

O documento também coloca de forma correta a luta contra o bolsonarismo, cuja presença é forte no parlamento e na sociedade, especialmente nos quartéis das polícias e das forças armadas. E, apesar de defender a punição aos militares que colaboraram com a intentona golpista do dia 08, o documento não fala sobre eventos anteriores. A exemplo da necessária punição aos militares e torturadores da ditadura, que segue como uma ferida aberta no país, o que seria uma importante medida de contenção do golpismo nas forças armadas, tal como fizeram Argentina e Chile.

Pior, refém e limitada a uma “política ampla, correta e realista de alianças no parlamento”, tal como a própria resolução do PT afirma, certamente o governo Lula se verá sob a permanente ameaça do golpismo, e cada vez mais chantageado, coagido e vulnerável. 

Assim, a questão que está colocada neste tópico é fundamental e inescapável, pois trata-se de uma contradição permanente para o governo Lula, como foi em seus governos anteriores. A Frente Ampla pode até ter sido uma aliança útil para vencer as eleições. Mas ela será cada vez mais um fator objetivo de limitação para o governo. Ou alguém considera que Alckmin, José Múcio, Fundação Itaú e demais figuras e partidos da burguesia (MDB, União Brasil, PSD) com participação no governo serão aliados consequentes na luta pela revogação do Novo Ensino Médio, pela taxação das grandes fortunas, contra a dívida pública, etc?

A aposta mais correta, tanto para vencer o Bolsonarismo como para fazer as profundas transformações que o país precisa e não pode adiar, sem dúvida alguma, não passa pela construção de uma governabilidade costura através de acordos pelo alto, com figuras e partidos burgueses no parlamento, o que mais cedo ou mais tarde se mostrará frustrado, tal como mostrou-se em 2016, quando do golpe contra o governo Dilma. Mas sim, passa inescapavelmente pela aposta na mobilização popular, apoiando-se na ampla maioria da população que esteve com Lula nas eleições. Só essa maioria social tem condições de ir até às últimas consequências contra o bolsonarismo e neoliberalismo que o gerou.