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Cinco diferenças entre ocupação e invasão

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto.

Direita Volver

Coluna mensal que acompanha os passos da Nova Direita e a disputa de narrativas na Internet. Por Ademar Lourenço.

A invasão golpista que atingiu os prédios dos Três Poderes teve a rejeição recorde de 93% da população. Até a Revista Veja, que sempre foi de direita e contra o PT, chamou os bolsonaristas de vândalos e terroristas.  Isso é bom, pois mostra que parte da classe dominante não tem coragem de seguir os delírios de Bolsonaro. 

Mas há uma pequena armadilha na cobertura que a mídia empresarial faz dos atos de 8 de janeiro: colocar como igual o terrorismo bolsonarista e as ações do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). 

Há grandes diferenças entre uma ocupação organizada por um movimento social e a invasão terrorista em Brasília. A cinco mais importantes são:

1 Ocupação é algo legitimado pela Constituição. O que os bolsonaristas fizeram não

O inciso XXIII do artigo 5º da Constituição Federal diz que “a propriedade atenderá a sua função social”. Esta é uma cláusula pétrea, ou seja, é algo que não pode mudar. As cláusulas pétreas são as regras mais importantes do nosso ordenamento jurídico. 

Quando o MTST ocupa um terreno que está vazio há anos a base jurídica é justamente a função social da propriedade. O direito de centenas de pessoas que querem ter um lugar para morar está acima do direito de um especulador, em geral milionário e que ganhou o terreno por herança. Os terrenos ocupados pelos movimentos de moradia são muito bem escolhidos. Via de regra, estão há anos sem função social, servindo apenas para a especulação imobiliária, gerando impacto negativo no meio ambiente e ainda por cima com os impostos atrasados. 

A função social da propriedade tem uma base bem fundamentada na doutrina jurídica. Desde o século XIX já havia obras do Direito sobre o tema. Bem diferente da tese delirante do “poder moderador” que os bolsonaristas acham que o Exército tem. Eles fazem uma interpretação do artigo 142 da Constituição que não tem respaldo em nenhuma obra do direito. Ou seja, as ocupações do MST e do MTST têm como base uma regra que está bem clara na Constituição e tem fundamento jurídico há décadas. A interpretação que o bolsonarismo tem das leis está para o direito o que o terraplanismo está para a geografia.  

2 Ocupação pede cidadania, invasão pede privilégios 

Em 2016, milhares de estudantes ocuparam escolas públicas contra o projeto de reforma do ensino médio proposto pelo então presidente Michel Temer. A reivindicação era o direito à educação de qualidade para toda a população brasileira. 

A ocupação de um movimento social sempre acontece em defesa de demandas populares como saúde, educação, moradia, passe livre ou pelos direitos democráticos da população. A reforma do ensino médio prejudicou tanto estudantes que eram de direita quanto os que eram que esquerda. Afetou toda a população. A derrubada da reforma seria algo benéfico para todos. 

É assim com movimentos sociais. O MST não quer apenas terra para as famílias do movimento. Quer a produção de alimentos baratos para toda a população. Os movimentos sociais ocupam por demandas de todo o povo, especialmente daquela parte que mais precisa. 

Já a extrema-direita invadiu as sedes dos três poderes em busca de privilégios. A volta de Bolsonaro ao poder interessa apenas a quem é bolsonarista “raiz”. Eles queriam passar por cima de 60 milhões de pessoas que votaram no Lula e daqueles eleitores do Bolsonaro que respeitaram o resultado. 

O bolsonarismo não tem o menor interesse no que é bom pela maioria da população. Eles querem o negro de volta para a senzala, a mulher de volta para a cozinha, a LGBTQIA+ de volta para o armário e o povo de volta para o mapa da fome. Em momento algum, em nenhuma manifestação de direita, existe espaço para uma reivindicação popular. A educação, a saúde, a moradia e o fim da fome nunca será pauta dessa gente. 

3 Na ocupação a violência é exceção. Na invasão a violência é a regra 

Os jovens que ocuparam escolas em 2016 foram mais responsáveis com o patrimônio público do que os velhos golpistas de 2022. Em milhares de ocupações foram relatados pouquíssimos atos de depredação. Em nenhum caso, eles foram incentivados pelas direções do movimento. E estamos falando de adolescentes que ficaram vários dias ocupando escolas. Já os “cidadãos de bem” deixaram a Praça dos Cristais, em frente ao Quartel General do Exército, parecendo um chiqueiro

No ato golpista de 08 de janeiro, os bolsonaristas fizeram questão de quebrar tudo o que viam pela frente, inclusive obras de arte de alto valor. O mais grave é que não aconteceu nada que fizesse as direções perderem o controle da situação. A polícia deixou que os fascistas invadissem os prédios em Brasília. E mesmo sem repressão por parte da polícia, a invasão terrorista violência. Em momento algum eles precisaram se defender de alguma ameaça. 

Existem casos de violência em atos de esquerda. Em geral isso acontece quando a polícia age para reprimir o movimento e as direções perdem o controle do grupo que está na manifestação. Afinal, é impossível que centenas de pessoas tomem cacetada sem reagir. Se não há repressão policial, o máximo que pode acontecer em um ato de esquerda é uma minoria dos manifestantes promover algum pequeno dano.  Todas as vidraças de banco quebradas em manifestações de movimentos sociais nos últimos 50 anos não valem o quadro de Di Cavalcanti destruído no Palácio do Planalto. 

4 Ocupação tem pautas públicas e equipe de negociação. Invasão é para impor o medo

O objetivo da ocupação é persuadir o Poder Público ou uma entidade privada a negociar. O MST, o MTST, o movimento estudantil ou qualquer outro movimento social só ocupa um prédio, uma fazenda improdutiva ou um terreno se tem uma pauta bem definida. E a ocupação acaba quando há negociação. Em alguns casos, nem é necessário que todas as reivindicações sejam atendidas, basta que o diálogo seja aberto. 

Essa disposição em negociar não existe em invasões organizadas pela direita. No 8 de janeiro eles tinham uma pauta, o golpe de estado. Mas essa pauta ficou oculta, enquanto os terroristas estavam gritando palavras de ordem transloucadas como “intervenção militar com Bolsonaro no Poder”. Além da verdadeira pauta não vir a público, eles, em momento algum, se dispuseram a negociar com ninguém. 

Isso porque o que o bolsonarismo quer é impor sua sua vontade pelo medo. Os bolsonaristas achavam que iriam inspirar milhares de atos terroristas pelo Brasil e com isso a maioria da população seria obrigada a deixar que o fascismo voltasse ao Poder. Totalmente diferente de uma ocupação do MTST, que tem como um dos objetivos chamar atenção para o problema da moradia e convencer a população de que a reforma urbana é necessária. 

5 As ocupações são uma necessidade do povo, a invasão golpista foi um capricho de gente rica

Não existem grandes empresários por trás de uma ocupação do MST, do MTST, do movimento estudantil ou qualquer outro movimento social. Quando um movimento ocupa, o financiamento é feito por meio de solidariedade de entidades civis e de pessoas físicas. E entre as pessoas físicas jamais vai estar um banqueiro, um grande fazendeiro ou um grande empresário. 

O povo tem pouco espaço nas instituições. As portas dos gabinetes em geral estão fechadas para quem é trabalhador. Por isso é necessário que os movimentos sociais se organizem para ocupar. Ninguém ocupa para parecer revolucionário. Os trabalhadores ocupam porque precisam morar, produzir, comer, ter direitos e serem ouvidos. 

As invasões da direita foram patrocinadas por grandes empresários, que bancaram transporte e estrutura para os golpistas. Esses empresários já têm espaço garantido nos banquetes com os poderosos. Já têm entrada garantida nos gabinetes de parlamentares e governantes. Podem pagar os melhores advogados para que seus interesses sejam defendidos nos tribunais. 

Então porque gente rica organiza invasão? Uma parte de nossa burguesia não se contenta com o muito que já tem. Eles querem mais. Querem impor uma ditadura onde o voto da maioria não tenha valor. Querem que os movimentos sociais sejam reprimidos e proibidos de agir. Não querem nenhum direito, querem que seus caprichos sejam atendidos. E à força.