Na última semana, o presidente eleito anunciou o comando do Ministério da Saúde. Lula entregou à liderança de Nísia Trindade, socióloga e atual presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o comando do maior sistema universal de saúde do mundo: o SUS.
Nísia Trindade é a primeira mulher a assumir o Ministério da Saúde. A socióloga dedica sua carreira, há anos, à compreensão do País, comprometida com a equidade e o acesso das pessoas marginalizadas nas localidades mais remotas do Brasil às políticas públicas. Desde 2017, comanda a Fiocruz, sendo reconhecida nacionalmente pela competência à frente da entidade, cujos resultados foram vistos por toda a população quando colocou o Brasil na agenda internacional para a cooperação no enfrentamento à COVID-19. Nísia foi uma das grandes articuladoras para viabilizar a produção nacional da vacina contra a COVID-19, a partir da cooperação técnica com a Astrazeneca.
A nomeação de Nísia como ministra da saúde após as notícias de que o Ministério da Saúde estava na mira das negociações de Arthur Lira é uma grande vitória. A negativa de uma das principais pastas do governo ao Lira é uma sinalização de que existe espaço para a exigência de uma condução responsável da política de saúde, uma vez que o presidente da Câmara sempre foi um congressista contrário aos direitos sociais, favorável às privatizações e anuente à lógica mercadológica austericida que aprisiona a saúde.
Além disso, ter uma socióloga experiente na condução de um dos principais polos científicos do País como ministra da saúde é um alento após a conjuntura adversa vivenciada nos marcos de uma situação totalmente desfavorável e retrocedente à garantia dos direitos mais fundamentais àqueles que mais precisam.
Nísia Trindade encontrará um Ministério da Saúde tomado pelo bolsonarismo, cujo principal instrumento foram as fake news negacionistas que tanto atacaram a ciência e serviram à piora das condições de saúde da população, não só no que diz respeito à COVID-19, mas em relação à cobertura vacinal em geral; à atenção à saúde materna e infantil e à saúde mental; e aos programas voltados à promoção equitativa de saúde aos grupos mais vulneráveis, como a população negra, a população em situação de rua, a população privada de liberdade, as LGBTQIA+, as pessoas com deficiência.
De acordo com a equipe de transição do governo Lula, Nísia Trindade encontrará na pasta da saúde um desafio colossal, que vai desde o apagão de dados decorrente do desmonte dos sistemas de informação do SUS, até problemas como: a grande lacuna democrática na construção da política pública, dada a falta de escuta dos seguimentos do controle social; a degradação dos hospitais federais e da articulação entre ensino, pesquisa e extensão na saúde; a judicialização para acesso aos níveis de atenção à saúde e aquela intergestores, para garantir o apoio federal às iniciativas estaduais e municipais de gestão do SUS.
Precisam ser alvo prioritário da atenção da nova gestão do Ministério da Saúde a recuperação do Programa Nacional de Imunização (PNI); a reconstituição das equipes técnicas de ações programáticas de promoção da saúde aos grupos mais vulnerabilizados; a restituição e expansão da Estratégia Saúde da Família, com uma robusta revisão da Política Nacional de Atenção Básica e do modelo de financiamento do primeiro nível de atenção à saúde; a repactuação intergestores para a gestão e a execução da política de saúde. Também será um desafio a ser assumido não só por Nísia, mas por toda a nova equipe ministerial do novo governo a retomada da intersetorialidade, com abordagem ampliada aos determinantes sociais da saúde, com vistas à oferta de saúde em seu mais amplo conceito e execução.
Para isso, será necessária uma verdadeira limpeza no Ministério da Saúde, varrendo o bolsonarismo expresso por quadros desqualificados para a gestão de um SUS universal, integral e equitativo. Devem estar na equipe do Ministério da Saúde quadros técnico-políticos que reflitam a representatividade dos grupos populacionais privados do acesso ao direito universal à saúde com equidade e integralidade, cientificamente fundamentados e tendo como horizonte a equidade e o combate às violências institucionalizadas que distanciam grande parte da população de uma qualidade real de vida a partir do acesso à saúde pública.
Para concretizar todos esses aspectos, Nísia terá, em 2023, o privilégio de formular um planejamento amplo junto aos usuários, gestores e trabalhadores do SUS na 17ª Conferência Nacional de Saúde (CNS). A Conferência será a maior oportunidade para que Nísia e toda a equipe do Ministério sigam o que foi apontado pelo grupo de transição como prioridade: a escuta dos seguimentos da saúde para um retrato fidedigno dos territórios, estabelecimentos de saúde, saberes, práticas, vulnerabilidades e desafios, aprimorando o diagnóstico da atual realidade da saúde brasileira. Isto deve servir à formulação de estratégias coletivamente deliberadas, estruturadas pelas mentes que pensam a saúde pública no Brasil e pelas mãos que constroem e executam um SUS sonhado para ser verdadeiramente universal, integral e de qualidade – a grande referência de sistema público de saúde em todo o mundo.
Profissionais de saúde, pesquisadores e cientistas, usuários e defensores do SUS comemoram o nome de Nísia Trindade não apenas como mais uma ministra da saúde, mas como a primeira mulher a ocupar a pasta, sobretudo enquanto uma trabalhadora, pesquisadora e fortalecedora do SUS. A 17ª CNS será intitulada “Garantir Direitos e Defender o SUS, a Vida e a Democracia: amanhã vai ser outro dia”: é esta a expectativa de milhões de brasileiros sobre a nova ministra da saúde.
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