Chile: A única derrota é a rendição


Publicado em: 16 de dezembro de 2022

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Por Octavio Echeverria Alfaro, com tradução de Waldo Mermelstein

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Asamblea Comunal de Copiapó

Passaram-se pouco mais de três meses desde a derrota no plebiscito de saída de 4 de setembro e já é hora que as esquerdas comecem a atuar politicamente fora do fantasma dos 62%. Não mais à política na medida do possível. Para isso, é necessário também deixar para trás a mudança constitucional como centro da transformação possível no curto e no médio.

O problema constitucional no Chile tem sido tratado há várias décadas, tanto a partir do campo acadêmico, conceptualizando heranças autoritárias, trancas, cadeados e armadilhas constitucionais, como no campo político, ilegitimidade de origem e reformas superficiais e no campo social, a reivindicação de mudança constitucional via uma assembleia constituinte foi inaugurada no começo dos anos 1980. Não é menor a relação que se observa, em que a reivindicação social por uma nova constituição vai crescendo à medida em que cresce o mal-estar e a conflitualidade sociais derivadas das consequências da modernização neoliberal e de sua administração política. O ciclo de protestos inaugurado em 2006 com a mobilização dos “pinguins” [referência aos estudantes do ensino fundamental chileno] e seus uniformes e que tem como último destaque a revolta popular de 2019, pode ser lido sob a síntese de que, a partir de uma sociedade fraturada, colocam-sob diversos ângulos uma nova constituição como base para começar a “sanear e reabilitar o tecido social fraturado”.

O que foi encerrado no dia 4 de setembro foi o momento constituinte com ímpeto democratizador, aberto pela revolta de outubro e administrado pela política tradicional por meio do acordo de 15 de novembro, ao mesmo tempo em que a discussão constitucional foi fechada ao restante da sociedade, localizando-se como um problema estritamente das elites político econômicas. São as vanguardas elitistas dos setores políticos e empresariais que necessitavam resolver no curto prazo o problema constitucional e a incerteza generalizada, em função de uma constituição – a de 1980 – politicamente morta e um sistema econômico estagnado. Mas o resultado de 4 de setembro não significa que o refluxo conservador renovou a legitimidade neoliberal e fez com que se esqueçam as brechas que originam o mal-estar, muito pelo contrário.

A revolta popular de outubro de 2019 significou uma ruptura do regime político e uma vontade de mudança generalizada que continua se manifestando e sem que se vislumbre uma solução, situação que transcende o problema constitucional e a forma constituinte de democracia tutelada que adotou e que não terá uma conclusão próxima no tempo, porque suas causas se localizam nas profundezas do modelo neoliberal e sua administração política, que se manifestam nas teses de outubro produzidas pela revolta, nomeadamente: “não são 30 pesos, são 30 anos” e “até que a dignidade se torne costume”.

O fantasma dos 62% gerou uma névoa de confusão em muitos atores políticos e sociais das esquerdas, posicionando a “política na medida do possível” como a única política capaz de ser realizada – com a inauguração de uma estátua de [Patrício] Aylwin no meio do caminho-, o que isolou qualquer saída de esquerda antineoliberal das problemáticas do país. Uma questão similar, uma tela ilusória, ocorre frente à possibilidade de uma nova constituição, em que a trincheira das esquerdas se reduziu à disputa pelas formas (percentual eleito, com paridade de saída, assentos reservados e independentes) de um processo cercado por bases, arbitragens, “sábios” e subordinação ao parlamento (do poder originário somente a recordação). Ambos, fantasma e ilusão, fazem confundir radicalidade com velocidade, desequilibram a promessa de esperança e mudança, e fazem com que se perca a guia sobre a abertura estrutural que sustenta a ruptura do régime político.

Para finalizar, assinalo cinco posições para começar a dar uma saída para a derrota a partir de uma esquerda interessada em um programa e em um horizonte que permitam a acumulação orgânica de forças futura.

  1. As constituições são, por definição, a imposição de um programa político no médio e/ou longo prazo de um grupo social a outro, e até que a correlação de forças sociais não volte a ser favorável para a esquerda essa disputa não é conveniente.
  2. Impugnação do processo constituinte inaugurado em 12 de dezembro de 2022 como processo viciado e antidemocrático, cooptado e sequestrado pelas elites políticas e econômicas que renovam a democracia tutelada.
  3. Disputar outubro e suas teses frente ao refluxo dos 30 anos que desejam anular o ocorrido, reinstaurando a aureola modernizadora do projeto neoliberal.
  4. Refugiar-se em nossa verdadeira demanda histórica, a assembleia constituinte popular e soberana, e passar ao ataque nas reivindicações socioeconômicas imediatas mais sentidas, moradias, aposentadorias, saúde, segurança e crise econômica.
  5. Abandonar a trincheira mesocrática e abraçar a (re)construção de pontes de tradução entre estratos e entre classes, que permita dar resposta em perspectiva solidária à fragmentação social (combater as ilhas e silos sociais) de uma sociedade despedaçada.

Texto original em Mate amargo.


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