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O bolsonarismo vira as costas para a seleção enquanto vibramos com cada gol

Seleção Brasileira
JJ Guillén/EFE

Direita Volver

Coluna mensal que acompanha os passos da Nova Direita e a disputa de narrativas na Internet. Por Ademar Lourenço.

Até hoje os bolsonaristas estão em frente aos quartéis pedindo um golpe militar. No primeiro jogo do Brasil na Copa, alguns vaiaram os gols de Richarlison. “Patriotas” reclamaram em vídeos que o evento esportivo aliena as pessoas e faz elas esquecerem do que é importante. 

Em primeiro lugar, ninguém vai ficar consciente porque parou de gostar de futebol. O esporte é um dos grandes mobilizadores populares desde o início da civilização. Em vários momentos da história, essa mobilização se mostrou um elemento de politização. Um exemplo foi na época da Democracia Corinthiana, quando jogadores e torcedores se uniram contra o autoritarismo dentro de fora dos campos no fim da Ditadura Militar.  

Mas é intrigante que os ditos “patriotas” virem as costas para a seleção brasileira, não é mesmo? Não são eles que desfilam nos atos com a camiseta da seleção? Pois é, o nacionalismo deles é mais falso que as simulações de falta do Neymar. 

O bolsonarismo cultua os símbolos nacionais que foram forjados antes da abolição da escravidão. Eles adoram a bandeira que tem o verde da família Bragança e o Amarelo da família Habsburgo. Sim, essa é a origem das cores do Brasil, as famílias de Dom Pedro I e sua esposa, Leopoldina, ambas da nobreza europeia. Para não deixar dúvidas, muitos bolsonaristas usam a bandeira da época imperial. O bolsonarismo cultua o hino nacional feito no século XIX, que usa uma linguagem longe do português que usamos no dia-a-dia. Cultua o militarismo do “exército de Duque de Caxias”, assassino em massa que reprimiu várias rebeliões populares. Cultua tudo que representa um país em que negros ainda eram escravizadas. No fundo, eles não são nacionalistas, são apenas saudosistas da escravidão.

Logicamente a bandeira verde e amarela e o hino fazem parte de uma simbologia consagrada pelo uso. Bem ou mal representam nossa história. Mas existem outras representações de nosso país. O samba, o carnaval, o funk, a moda de viola raiz. Esses são símbolos que representam a criatividade dos trabalhadores brasileiros e a riqueza cultural de negros, indígenas e brancos pobres. 

O futebol faz parte desses símbolos que passaram a ser valorizados como parte da cultura brasileira após a abolição da escravidão. Representam a diversidade de um país que está longe de ser uma “democracia racial”, mas que tem um potencial enorme quando abraça sua diversidade. Essa simbologia pós-abolição, que inclui povos oprimidos, é odiada pelos bolsonaristas. 

Eles odeiam o samba. Odeiam o funk. Odeiam tudo que vem das classes trabalhadoras. Especialmente quando é algo identificado com o povo negro.  Quanto ao futebol, eles têm uma relação de conveniência. Podem gostar da farra, podem gostar de um jogador que defende a mesma ideologia que eles. Mas torcer de verdade mesmo eles não torcem. 

Eles nunca vão saber o que é a dignidade de aceitar uma derrota e continuar torcendo por amor ao time. Nunca vão saber o que é a confraternização de pessoas que lutam duramente pela sobrevivência e têm no futebol um momento de redenção. Agora pararam de fingimento e viraram as costas para a torcida brasileira. Melhor que seja assim. 

A vitória do nosso futebol é a vitória de nosso povo

A maioria dos brasileiros se identificam com os jogadores, que, sua maioria, têm origem humilde. No momento em que a seleção entra em campo, ela passa a ser o povo brasileiro de chuteiras.

Quando o país ganha no futebol, nossa autoestima se eleva. Se podemos ganhar em campo, também somos capazes ganhar em outros setores. Se somos uma potência no futebol, isso é sinal que nosso povo é capaz de grandes feitos, basta que o jogo seja justo. 

Quando o Brasil perde, o povo tem sua auto-estima ferida. Isso ajuda no “complexo de vira-latas”, aquele sentimento de que o brasileiro é incapaz, que temos que aceitar o destino que nos foi dado. Isso ajuda a direita que diz: “não existem escolhas, temos que aceitar a dura realidade”. Reforça o fatalismo.

Claro que o futebol não é determinante para os rumos políticos do Brasil. Mas afeta o humor dos brasileiros. O sentimento de otimismo após o pentacampeonato de 2002 combinou com a campanha de Lula, que conquistou a primeira vitória com o tema “a esperança vai vencer o medo”. 

Em 2014 tivemos a maior derrota de nossa história em uma Copa, o 7 a 1 para a Alemanha. A humilhação, o pessimismo e o fatalismo deste trauma coletivo ajudaram na onda reacionária que levou ao impeachment de Dilma e depois à eleição de Bolsonaro. 

Quem não gosta de futebol deve ter sua opinião respeitada. Mas aqueles militantes de esquerda que dividem essa paixão com 99% dos brasileiros não precisam ter receio. É torcer para dar show, para dar goleada. E que o povo brasileiro vença dentro e fora de campo.