A eleição do Lula representou uma grande vitória em tão duros tempos para a classe trabalhadora brasileira, que já estava desacostumada a comemorar. As derrotas vinham se acumulando desde 2016 com o golpe parlamentar, as contrarreformas e a ascensão do movimento neofascista ao aparelho do Estado brasileiro com a eleição de Bolsonaro em 2018.
A derrota eleitoral de Bolsonaro na mais importante eleição da história brasileira deve ser lida como uma grande vitória da esquerda brasileira, que venceu em aliança com setores democráticos de outras classes sociais, contra o neofascismo que permanecerá organizado e em permanente luta, como já demonstrado pelos atos golpistas.
A transição e a formação do governo também se consolidam nos marcos da aliança de classe constituída no segundo turno, confirmando o que disse o próprio Lula “não será um governo do PT”. Em um governo eleito sob condições tão defensivas, não nos cabe a irresponsabilidade. Sob ataque da burguesia o papel da classe trabalhadora é a intransigente defesa do resultado eleitoral e da legalidade.
Por outro lado, não nos cabe fugir da análise da realidade como ela se apresenta e especialmente sobre as condições que se apresenta a luta de classes. Trata-se de uma grande vitória, mas dentro dos marcos do consenso neoliberal, o que nos leva a pensar o papel da classe trabalhadora nesse novo período.
Na mídia burguesa os editoriais já formam seu governo dos sonhos, onde a tônica é a máxima responsabilidade fiscal e a repercussão total dos surtos do mercado às declarações de Lula dizendo simplesmente que as pessoas precisam ter o que comer. A burguesia por meio dos seus porta-vozes não sossegou até Mantega pedir sua saída da equipe econômica. Na equipe de educação chama atenção o enorme peso de representes de grupos ligados à burguesia como Todos pela Educação, além da influência das Fundações Lehmann, Itaú e FGV¹. Não faltam exemplos.
Em célebre texto de 1995, Perry Anderson escreveu que o neoliberalismo no plano político-ideológico, logrou consolidar-se como hegemonia, “disseminando a simples ideia de que não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se a suas normas”².
Cabe a classe trabalhadora, por meio dos seus instrumentos de luta e organização, compreender o que ensinou Perry Anderson. O neoliberalismo se conforma para além dos programas econômicos, passando à construção de uma nova subjetividade, na qual a concorrência é o valor elementar da socialização humana, que no centro do universo está o indivíduo e o único lugar no tempo possível de ser pensado é o presente. São essas ideias que precisam ser colocadas no campo de batalha da ação, da política e da propaganda: a solidariedade de classe, o coletivo como espaço de realização da vida e o direito ao futuro. É hora de armar a luta político-ideológica, que exigirá independência de classe.
Notas
1 https://esquerdaonline.com.br/2022/11/15/para-quem-os-sinos-dobram-no-grupo-de-transicao-presidencial-no-campo-da-educacao/
2 ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo (Cap. 1). In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo (Org.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 9-23. p. 23.
* Daniel Severo Schiites é Advogado e militante da Resistência-PSOL (RS)
Comentários