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BRASIL

Quem é Carolina Iara, da Bancada Feminista do PSOL, a primeira mulher trans intersexo eleita na América Latina

Felipe Alencar*, de São Paulo, SP
Divulgação/Bancada Feminista do PSOL

O 2 de outubro já passou e temos passos a caminhar na eleição mais importante desde a redemocratização do Brasil. Foi neste dia que a Bancada Feminista do PSOL foi eleita com os votos de 259.437 pessoas para a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), sendo a candidatura de mulheres mais bem votada do país.

Esta marca de votação não é pouco, principalmente se levarmos em conta que se trata de uma candidatura que agrega o que há de mais inovador na política, um formato de mandato coletivo que fornece uma alternativa do modelo personalista de fazer política. Teremos mais um importante ponto de apoio com Paula Nunes, Carolina Iara, Sirlene Maciel, Mariana Souza e Simone Nascimento. Cinco mulheres negras lutadoras, exemplos da necessária representação para um novo capítulo na história do povo e agora codeputadas estaduais.

Bancada Feminista do PSOL
Divulgação/Bancada Feminista do PSOL.

Todas merecem nosso máximo respeito, mas é de Carolina Iara que vamos falar. Sua eleição como codeputada estadual representa uma vitória histórica para toda a classe trabalhadora.

Sua trajetória de vida é marcada pela resistência permanente. Carolina atua na conscientização de muitas LGBTIs a seguirem na luta coletiva por um mundo mais libertário e sem preconceito, não porque convoca a identidade como elemento principal, mas porque é a única figura pública trans que, em todas as suas falas, faz questão de ressaltar que é uma socialista revolucionária.

Carolina Iara é nascida intersexo, possui os dois sexos biológicos, e por isso foi submetida a mutilações de seu corpo ainda muito pequena, tendo, inicialmente, uma identidade de gênero diferente da que tem hoje. É também fundadora da Associação Brasileira de Pessoas Intersexo (ABRAI), em 2018.

Junto à sua mãe e seus irmãos vive na zona leste, na periferia de São Paulo, e sempre retrata a importância de sua avó em sua formação. Como candomblecista, exalta a ancestralidade na história do povo de terreiro para o fortalecimento de sua filosofia e espiritualidade.

Por um período, ainda muito jovem, foi para a rua fazer trabalho sexual e nunca escondeu que foi também neste meio, com as travestis garotas de programa, que aprendeu muito sobre solidariedade e a lutar pela melhoria de vida das LGBTIs expulsas de casa, que não encontraram outra forma de sobreviver que não a prostituição.

Trabalhadora exemplar, é servidora pública concursada da saúde municipal de São Paulo. Em sua carreira trabalhou enfrentando os desmontes do SUS e a privatização e a concessão para OSs.

Também foi neste período que começou a viver com HIV/Aids e iniciou sua militância com jovens negros soropositivos, lutando pela ampliação de recursos, fiscalizando o Conselho de Saúde como representante da sociedade civil e exigindo direitos ao trabalho digno, seguridade social e aposentadoria para pessoas com HIV/Aids. Esta sua luta se transformou também em projeto de pesquisa de mestrado que desenvolve na Universidade Federal do ABC (UFABC), onde investiga direito ao emprego de pessoas negras soropositivas. 

Um corpo negro que transita do pé no barro da periferia para a universidade. Esta é Carolina Iara, a mulher trans intersexo mais bem votada nestas eleições e a primeira pessoa intersexo da América Latina a ocupar um lugar no parlamento.

A futura codeputada já ocupa o mandato de covereadora, na Câmara Municipal de São Paulo, cujo início foi marcado por um grave atentado – sua residência foi alvejada a tiros na madrugada de 27 de janeiro de 2021.

Só para terminar, no dia em que a Bancada Feminista foi eleita deputada estadual, Carolina Iara mostrou o que já quer fazer para o 2º turno: junto comigo, o advogado Carlos Daniel e o auxiliar de enfermagem Natalício, ela pediu para darmos uma voltinha no Largo do Arouche e na Rua Vieira de Carvalho.

Neste conhecido território ocupado pela comunidade LGBTQIA+, ela recebeu muitos abraços de pessoas que fizeram sua campanha: vendedoras de lanche, de garçons, de LGBTIs nordestinas e de travestis moradoras de cortiços e com um belo sorriso, pediu a todes para seguirem firmes mais um pouco, para fazer muita campanha para eleger Lula, e que poderiam contar com seu axé e como ponto de apoio como codeputada.

Nas manifestações, gritamos junto com Carolina Iara: “As bi, as gays, as trans e as sapatão estão todas organizadas para fazer revolução!”.

Sem dúvida temos um longo caminho na política para garantir o futuro revolucionário que queremos: aquele que no lugar da agressão, teremos o respeito por ser que somos; que no lugar da repressão e do medo, teremos a liberdade sexual; aquele que teremos a cura para o preconceito e seremos plenas das amarras da opressão. Mas venceremos!

* Pedagogo da UFABC e militante da Resistência LGBTI+.

 

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